Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: janeiro 2010 (Page 1 of 3)

Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, em 1968.

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O principal é a música. Ou, melhor diria eu, o poema cantado de Vandré. Ele versejou no condoreiro, arrisco-me a dizer. Bem ritmado, triste e guandiloquente, visionário.

Todavia, as imagens vêem a calhar. São pequeníssima amostra de quanta violência praticou-se abertamente contra todo tipo de gente, no período ditatorial brasileiro, de 1964 a 1985.

Atualmente, tornou-se moda considerar que essas violências foram alguma bobagem a ser esquecida. Qualquer tentativa de abordar o tema – aqui nem se fala de punir alguém – acarreta reações variáveis entre a tolice pura e simples e a patifaria.

Os cultivadores do presente contínuo – que equivocadamente chamam de futuro triunfante – acham anacrônico estudar história! Mas, de mocinhos e mocinhas satisfeitos, haveria outra coisa que esperar?

Disparada, de Geraldo Vandré, cantada por Jair Rodrigues.

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Disparada, composição de Geraldo Vandré, interpretada por Jair Rodrigues, no II Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1966. Na ocasião, dividiu o primeiro lugar com A Banda, de Chico Buarque.

A poesia é bonita e forte, com a versificação simples e quase arcaica de Vandré, poeta ibérico nas formas. A interpretação de Jair Rodrigues é histórica.

Sugestão de filme. O amor nos tempos do cólera.

Creio que o belíssimo livro de Garcia Marquez não precise ser sugerido. Todavia, o filme, feito a partir do livro, pode e deve sê-lo.

A estória de Florentino Ariza e Fermina Daza é muito bonita e foi bem adaptada para o cinema. O contexto é Cartagena das Índias, na Colômbia,  no século XIX. O amor de Florentino por Fermina acontece em meio a um surto de cólera, por isto o título da obra. Me chamou a a atenção as atuações de Javier Bardem, protagonista, e de Fernanda Montenegro, mãe do protagonista Florentino.

Segue um trecho do filme e fica a sugestão para o fim de semana.

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As classes médias e a discriminação de tudo quanto não for médio.

É preciso dizê-lo: a luta de classes existe. Essa assertiva não implica que ela deva existir, ou que ela possa deixar de existir. Tampouco implica que ela seja o único móvel das atuações de grupos sociais, nem que seja o ponto de articulação único de todo pensamento político. Ela existe independentemente de quanta axiologia se queira ver antes e depois dela.

Ela não se manifesta somente no desejo de manutenção ou aumento dos níveis de apropriação material.  Também desempenha o papel de matriz de comportamentos, privados e públicos, e do estabelecimento de um acervo argumentativo e interpretativo, até como elemento de identificação. As classes definem-se umas em relação com as outras, assim como as linhas de fronteiras pressupõem os países fronteiriços.

Seguindo nessa precária analogia – como, de resto, todas são – tomemos o caso de algum país que tenha fronteiras apenas com um outro. Este definir-se-á mais facilmente, na medida em que tem um só ponto de referência. Da mesma forma acontece com os extremos de alguma escala. Identificam-se por referência ao imediatamente próximo e como estão nas extremidades, têm apenas um ponto de referência.

O miolo, o centro, de alguma escala, este identifica-se por relação a dois pontos de referência, o que não é pequeno acréscimo de dificuldade no estabelecimento da identidade. Dizer que A é o não-B, embora não clarifique o conteúdo de A, é fórmula muito precisa de definí-lo com relação a B.

Todavia, dizer que B é o não-A e não-C, continua por padecer da falta de clareza quanto ao conteúdo de B, ao tempo em que aumenta em muito a imprecisão relativa, pois estamos com dois parâmetros de identificação por não pertencimento. Isso acontece com as classes médias de alguma sociedade. Elas precisam não ser as alta e baixa, enquanto estas últimas precisam apenas não ser a média.

Qualquer abordagem que assuma a definição de uma classe apenas a partir do critério de rendimentos econômicos será irremediavelmente defeituosa. Evidentemente, o critério econômico tem um grande peso, mas não é o único. O ser-se socialmente médio está muito além do possuir um acervo médio de bens e dinheiros.

O médio traz em si a vontade de deixar de sê-lo. Não pelo tornar-se baixo ou alto – a primeira indesejável e a segunda improvável – mas pelo tornar tudo médio. Aqui, parece que Aristóteles funciona ao contrário e o ato carrega a potência. O médio, sendo em ato, quer que tudo seja ele, quer dizer, é potencialmente nivelador por si. Age como se fora o divisor comum, quando na verdade o único divisor é o um, por razão óbvia, ou seja, porque não divide.

Não há divisor social comum. Aceitá-lo e procurar o que mais próximo exista é melhor que propagandear a falsificação da inexistência dos conflitos e da possibilidade de sua redução a um falso divisor comum. A busca, essa sim pode ser o que mais se aproxima do próprio resultado, na medida em que é empreendimento que pode congregar todos. A crença na existência prévia do resultado, essa é a empulhação que, implicitamente, supõe a inutilidade de buscar-se.

Desacreditando-se na necessidade de buscar o divisor possível, vive-se para conservar e propagandear. Acontece que para conservar é preciso usar muito veneno – porque a tendência é a corrupção – e para propagandear é preciso ter muito pouco respeito pelos outros, porque qualquer proselitismo é deselegante e impudico. Sendo a essência das classes médias o impulso pela conservação e sendo inviável buscar os fins sem assumir os meios, conclui-se que faz largo uso de veneno e de propaganda.

Verá ameaças onde elas não existem, o que é próprio de quem seria capaz de levar a cabo a mesma ação que teme. Aqui cabe uma consideração quanto às personalidades, mais ou menos extensível aos grupos. O patife tem de tão repugnante quanto a própria patifaria o fato de sua atitude mental basear-se na suposição de que todos são patifes. Quer dizer, intimamente o patife age forte na crença de que faz o que todos fazem. Sua existência é uma acusação.

A classe média acredita-se alvo constante dos intuitos destrutivos das outras, incapaz de perceber que os demais talvez estejam preocupados com outras coisas. Mas ela precisa acreditar-se o centro de tudo e disso deriva que seus padrões de atuação são basicamente religiosos. O termo deve ser entendido aqui como postura que se autoproclama inspirada por verdade certa e indiscutível e cuja imposição aos outros não é uma questão de liberdade, mas de obrigação.

Ela discrimina por obrigação. Como é hermética e impermeável, seus parâmetros de discriminação são invariáveis. Dá-se um quase jansenismo social e não há espaços para a graça. Se não há, objetivamente, fins outros que a conservação, verifica-se que tudo são meios e todos eles são lícitos porque a causa inicial é praticamente divina. Ela é que acende as fogueiras! Ora, o espetáculo do fogo é bonito e divertido, mas quase sempre foge ao controle. E deixa-se o trabalho de limpar o rescaldo para os outros, pois as fogueiras terminam por consumir os próprios foguistas.

Nelas, para ficar na história recente, vicejaram os fascismos. Não poderiam ter sido cultivados em outra terra, que não nasceriam. No tempo recente, esses foram os ápices da afirmação média e resultaram obviamente em ampla destruição, mobilização de vastos recursos materiais e humanos para detê-los e no insucesso, claro. Extravagante é sua constante força e vontade de ressurgimento, provando que o exemplo não ensina, ao contrário do lugar-comum dominante.

O exemplo só ensina a quem quer aprender. Em outros seres, ele não é exemplo, apenas repetição acrítica.

O Presidente Lula teve uma crise hipertensiva e já havia quem organizasse o enterro.

O Presidente Lula teve uma crise hipertensiva, em Recife. Foi levado ao Real Hospital Português, medicado e submetido a exames. Não é problema sério, ao que tudo indica.

Mas, desencadeou em alguns jornais brasileiros uma crise, não de hipertensão, mas de sinceridade ansiosa. Querem o homem morto, não importa de que moléstia. Um dos jornais mancheteou que o Presidente não poderia tratar-se adequadamente porque o Vice-Presidente é um homem bastante doente e a Ministra da Casa Civil também.

Isso é mentira. O Vice-Presidente é, sim, um homem doente, desde as primeiras eleições. Apresenta uma resistência impressionante e vem submetendo-se ao tratamento. A Ministra da Casa Civil esteve doente e, hoje, considera-se clinicamente curada.

A ansiedade em livrar-se do Presidente é tão grande que esses veículos nem mesmo calcularam que o Lula morto poderia virar um mártir e, assim, ter um peso eleitoral ainda maior que em vida. Esse é o aspecto mais interessante. A rejeição dos média é tão grande, que assumem, às vezes, uma postura absolutamente sincera de regozijo antecipado com uma levíssima possibilidade de doença.

A Foca, por Alceu Valença

Lembrei-me deste vídeo hoje pela manhã. A música A foca, cantada por Alceu Valença, faz parte do disco A arca de Noé, de Vinicius de Moraes. Vale a pena dar uma olhadinha.

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Guantanamera, de Jose Martí, por Compay.

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É uma bonita apresentação, embora não seja a mais bonita de tantas interpretações de Guantanamera. Compay Segundo já então bastante velho e quase sem voz. Na verdade, é mais uma celebração de Compay que uma grande Guantanamera.

Guantanamera é o gentílico para aquelas nascidas na cidade de Guantánamo, no sudoeste de Cuba, hoje tristemente célebre por abrigar um campo de concentração norte-americano.

E uma frase eu repetiria como se minha fosse, certo da heresia que hoje representa, no mundo escravizado pela moda da praia e sol como representantes últimos do desejo humano: El arroyo de la sierra me complace más que el mar.

Os Marajás da função pública brasileira.

O governo brasileiro, por meio da Advocacia-Geral da União, resolveu enfrentar o absurdo de alguns salários de funcionários públicos que excedem muito ao limite constitucional. Para ter-se uma noção do problema, lembro que o limite remuneratório no serviço público brasileiro é de R$ 24.500,00, correspondentes à remuneração de um ministro do Supremo Tribunal Federal.

Ora, um funcionário da Universidade Federal do Ceará ganha, por mês, um salário de R$ 46.430,42, ou seja, quase o duplo do teto! Isso equivale aproximadamente a € 17.000,00 ou a noventa e um (91) salários mínimos brasileiros. Não se trata de dar ares de fim de mundo, mas é realmente escandaloso.

Ao contrário de outros tempos, a ação da AGU dar-se-á institucionalmente, ou seja, a buscar reverter essas situações, que são muitas, no judiciário. Os salários superiores ao teto são inconstitucionais, uma vez que a norma fundamental os proíbe  taxativamente. Quer dizer, não se trata de tornar este enfrentamento em bandeira de propaganda política, como fez o então candidato à presidência Fernando Collor de Mello.

A notícia foi dada no jornal Valor Econômico, de 27/01/2010.

A estrela, de Vergílio Ferreira

Primeiro, um agradecimento a Joana, que nos ofereceu, a Olívia e a mim, A estrela, conto de Vergílio Ferreira. O livro, com ilustrações bonitas de Júlio Resende, chegou ontem, vindo da Maia, em Portugal.

Com Vergílio Ferreira tive contato por outra oferta. Foi o Miguel que me ofereceu Para sempre, um esplêndido romance do autor, que eu desconhecia. Tornei-me admirador da prosa dele, a partir de então.

O conto A estrela é um elogio da liberdade e de suas consequências. Pareceu-me estar a ver O estrangeiro, O primeiro homem e a Peste, todos condensados em um único e curto volume de prosa alegórica e rica em metáforas não somente estilísticas.

A lembrança de Camus, ao ler o texto, veio-me direta. A liberdade existe, é absoluta embora contingente –  paradoxo aparente –  e tem suas consequências. Mas, se pode, deve ser tentada. Camus diria, muito mais longamente, que o homem é um rebelde inútil, mas tem que sê-lo. E deve ser rebelde, saber que é e saber que é inútil.

Para provocar os intelectuais engajados e negadores da liberdade, lembro que o menino Pedro, que empalma a estrela, não o faz por qualquer outra razão que sua vontade de fazê-lo. A estrela queria ser empalmada e também queria voltar ao céu! Pedro queria apanhar a estrela e, depois, quis devolvê-la ao céu!

Pedro fez o que tinha que fazer, livre e condicionado, e arriscou-se ao que tinha que acontecer.

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