Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: março 2010 (Page 2 of 6)

Os discursos de justificação do tráfico negreiro. Do Papa ao Senador da República.

Aplicação do castigo do açoite. Jean-Baptiste Debret.

Um texto de Andrei Barros Correia

Entre gente e bichos há duas diferenças básicas. Consistem em que os segundos usam a violência só para comerem e não se justificam por isso. O resto, são mais semelhanças que dessemelhanças, com grandes vantagens para os bichos que, inclusive, não têm a infelicidade de falar nem sabem o que é o serviço público.

As infelizes das pessoas precisam justificar-se e também às suas infâmias. Eventualmente, esforçam-se a produzir teorias embasadas em alguma ciência social, deformando-as consoante os objetivos visados. Outras vezes, mais inteligentemente, servem-se do Deus único que, como o papel, aceita tudo que se lhe ponha em cima. Acho que a grandeza desse Deus está precisamente nisto: perceber quanta infâmia as criaturas põem na sua conta e deixar para lá, evidenciando conhecer bem os limites de sua obra. Magnânino, esse adjetivo cabe-lhe.

Pois bem, a partir do século XV, os europeus começaram a disputar com os magrebinos o monopólio da venda de peças de Guiné, ou seja, de pretos da África Subsaariana. Os bérberes maometanos do Norte d´África já tratavam com os africanos do Sahel, trocando basicamente cavalos de montaria e armas por escravos pretos. Os maometanos não se constrangiam com a utilização de escravos, em geral, desde que não fossem fiéis. De certa forma, os monoteísmos agem similarmente!

O que os marroquinos faziam por meio de longas caravanas de camelos, ao longo de vasto deserto, os portugueses resolveram de fazer navegando. Como nem uns, nem outros, eram romanos – César tinha escravos sem justificar-se teologicamente – o Papa de Roma veio em socorro dos navegadores. Em 1453, a bula Romanus Pontifex, de Nicolau V, assumindo a inviabilidade de uma nova e desejável cruzada, abre as portas para outros tipos de saques.

Esse documento assume o tráfico de escravos como um efeito lateral das grandes tarefas da cristandade, ou seja, um mal menor diante da salvação da alma desses pretos que, por meio da escravidão, entravam no rebanho. Efeito lateral e até resultado positivo, assim se tornava a escravidão! Essa interpretação papal é um pouco brutal, convenhamos.

Continue reading

Notícias importantes, e outras nem tanto assim…

Notícia importante:

A barbárie tomando conta da sociedade, em duas manchetes.

Do G1: Adolescente morre espancado após assaltar casa em João Pessoa.

Do Paraiba.com.br: Ladrão tenta roubar casa e é espancado até a morte pelos moradores.

Outra manchete possível: Assassinos lincham jovem até a morte.

Não deixa de ser um bocado demagogo, querer propor essa 3ª manchete, mas a impressão que fica, no mínimo, é que o assaltante mereceu a morte, que “bandido bom é bandido morto”… É engraçado, por exemplo, ver em transportes públicos de vários paises, o uso de cartão-passagem, claro, porque facilita bastante a logística do trabalho, aqui no Brasil a lógica é um pouco inversa… “Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, o bilhete eletrônico usado na maioria das grandes cidades brasileiras, e também em Campo Grande, ajuda a diminuir os assaltos.” Não há a preocupação com os usuários do transporte, e sim com os assaltos?! Como assim cara-pálida?

Pior que isso, ver que é um pensamento comum, principalmente entre o que imagino serem os envolvidos nessa notícia, adolescentes, mais sugestionáveis, e que aceitam mais facilmente paradigmas simples, a idéia de que “bandido bom é bandido morto” entra mais facilmente, até que ele mesmo se torna assassino… E agora?! Se matar? Ou mesmo matando ele não se tornaria assassino…???

Esse pensamento, e outros como esse, imperam nas mentes adolescentes, se a justiça der a punição cabível, de acordo com os acontecimentos, aos culpados pela morte, talvez o resto “dessa turma” específica de amigos, aprenda algo, e se não, pois nada, continuamos na barbárie. Aliás, o problema é bem maior, afinal, isso só resolveria o problema dessa turma, temos bem mais adolescentes no país, e esse povo, em algum momento vai ficar adulto. Com a educação que temos, recomendo a compra de suas armas, proteção pessoal vai ser cada vez mais, um problema bem objetivo, quando a classe média resolver matar por direito.

Marcelo Camelo fala um pouco sobre o assunto, sem a intimidade técnica, e por isso mesmo, acredito eu, com mais clareza:

E outra nem tanto assim:

Da BBC Brasil: Amante é condenada a pagar US$ 9 mi à ex-esposa traída.

Falando sério… Ganhar 9 milhões de dólares da amante do marido com base numa lei do final do século 19 é ou não é o negócio da China?

Tem coisa que só acontece nos Estados Unidos mesmo… Vários americanos votando juntos, é uma desgraça, pode ser um oscar ou a eleição de G. W. Bush…

PS: Mas deu vontade de propor uma traição de mentirinha a(o) companheira(o) pra ajeitar a vida, não deu não??

Os bancos põem o mundo de joelhos.

Eles arriscaram, ganharam, perderam e começaram a perder mais. Foram-se aos Estados, quero dizer, aos políticos que conduzem os Estados, e pediram socorro. Os tais políticos agiram rápido, saquearam os cidadãos, de forma bem igualitária, e salvaram os bancos dos erros deles mesmos.

Se, durante o auge da festa, ou seja, antes da quebra evitada com dinheiro de todos, alguém dissesse que os bancos faziam avaliações de risco erradas, seria crucificado e coberto de infâmia por quatro gerações. Eles, os bancos, não podem errar, pois balizam-se pelas idéias liberais puras, ou seja, pela livre iniciativa, pela tomada de riscos, pela noção que o mercado premia os acertos e extirpa os erros.

O mercado não faz isso. Fazem-no os Estados. Premiam, tanto os acertos, quanto os erros dos bancos. Todavia, as populações, essas são punidas, tanto pelos acertos, quanto pelos erros dos bancos. A invocação da teoria econômica liberal pelos bancos é a mais pura desfaçatez que se tem visto, pois conseguiram operar em um esquema de sempre ganhar, ou seja, a própria negação do que dizem.

O que vem ocorrendo com a Grécia é exemplar. Não faço aqui qualquer elogio à condução das finanças estatais gregas, apenas algumas constatações. A seita bancária que atende pelo nome de Goldman Sachs ajudou o governo grego a fraudar seus números de endividamento público. É, no mínimo, partícipe da infração às normas comunitárias. Evidenciado o problema, o que acontece?

Acontece que a Grécia tem que cobrar de sua população o pagamento da conta e cobrá-la exatamente dos mais pobres. E acontece que o Goldman Sachs segue sua trajetória e paga bônus e premiações aos seus acionistas e dirigentes, como se tivessem produzido a mais bela obra de atividade bancária. Não nego que uma fraude tão bem elaborada seja uma bela obra, abstraindo-se de considerações axiológicas. Mas, também não ignoro que se essa bela obra fosse de outra autoria,  que não de um banco, seria considerada um pecado mortal.

Continue reading

A má educação. Pedofilia e celibato na Igreja de Roma.

Concílio de Trento

Muitos casos de abusos sexuais, geralmente contra menores, vêm à luz. Recentemente, destacaram-se os episódios da Alemanha e os da Irlanda, esses últimos em número escandalosamente alto. O Bispo alemão de Roma diz que tomará providências e o Vaticano, de forma geral, assevera que vem cuidando do assunto diligentemente.  A realidade, todavia, não ajuda esses discursos.

Sempre que se fala no assunto, fala-se também do celibato imposto aos sacerdotes romanos. Uns insistem que ele nada tem a ver com a ocorrência de abusos sexuais contra crianças, outros fazem a associação entre o instituto católico e as práticas abusivas de menores.

O celibato não tem raízes históricas longas e não guarda qualquer relação com os primórdios da Igreja. Na verdade, nenhum dos monoteísmos originados na Palestina e na Península Arábica adotou o celibato. Ele é estranho ao judaísmo, ao clero secular paroquial ortodoxo e ao maometanismo. O catolicismo romano adotou-o muito tardiamente, nas deliberações do Concílio de Trento, o da Contra-Reforma, realizado entre 1545 e 1563.

De minha parte, acho tolas as idéias de que o celibato foi adotado por razões patrimoniais, ou seja, para impedir a transmissão por direito sucessório dos bens dos padres. Ora, os padres do clero secular nunca foram conhecidos por sua riqueza, nem na ortodoxia, nem no catolicismo romano. As riquezas imobiliárias sempre estiveram afetadas às Cúrias Diocesanas ou Metropolitanas e não seriam transferidas por conta da morte dos padres.

Continue reading

Não será capa de nenhum jornal: Ministério Público determina que Serra devolva dinheiro desviado da saúde.

Na verdade o “Ministério Público” ai no título deveria estar no plural, já que foram o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado de São Paulo que encaminharam recomendação conjunta ao Governo José Serra (PSDB) para que devolva ao Fundo Estadual de Saúde R$ 2 bilhões que deveriam ser aplicados em saúde pública, nos últimos dois anos, mas foram depositados indevidamente em conta única do governo estadual e usados, também indevidamente, para outras finalidades.

E apesar de preferir que realmente a palavra correta na chamada fosse “determinar”, não é, seria sim, “recomendar”, como lido acima… Claro que, em caso de não cumprimento da “recomendação”, outras medidas judiciais ou extra-judiciais poderão ser aplicadas.

Outros estados da federação que se encontram também em maus lençóis (espero eu, afinal, “com saúde não se brinca”), são: Minas Gerais e Rio Grande do Sul (estados governados pelo PSDB) e também no Distrito Federal (então sob governo do DEM), coincidência ou não, são três do PSDB e um do DEM, existe cartilha pra isso???

Ao todo causaram prejuízo superior a R$ 6,5 bilhões ao sistema de saúde e afetaram mais de 74 milhões de habitantes. Bacana…

É esperar pra ver, mas em qualquer caso, a verdade é que, uma coisa a chamada tem de correta, não será notícia de capa, nem de jornalzinho de escola, ou revista de moda…

Continue reading

Notícias relevantes…

“Terrorista” do ETA mata policial francês.

Em conversas recentes, sobre o tema “ETA”, sempre chegamos a duas suposições possíveis, eles conseguem separação por motivos justos, ou os motivos não são tão justos assim e eles não conseguem separação. Ora, são as duas únicas.

Acredito que em ambas, o grupo precise de apoio, e como o apoio não pode advir do lado espanhol, pois que encontrem apoio do outro lado, qual seja, o francês, pra lutar em ambas as frentes, o País Basco é muito pequeno, é quase um Davi vs Golias…

A lei contra pirataria aprovada pela França, apenas mudou o foco dos piratas… Agora no lugar de usar redes P2P, usam streaming, e quando proibirem o streaming, vão achar outro modo, é o mundo dando a volta no “Direito”, porque o “Direito” se move bemmm mais lento que a internet, e agora mais que nunca.

A Queda, de Albert Camus.

Camus escrevia teatro, e bem. Basta considerar seu Calígula, uma magnífica peça teatral. Creio que a técnica do monólogo foi bem empregada n´A Queda por conta desse domínio do teatro. Não é fácil estruturar uma narrativa de romance a partir da fala apenas de uma personagem condutora, ou seja, sem diálogos. Todavia o livro é fácil de ler, não é chato e a tradução da edição brasileira é boa.

O juiz-penitente é a personagem única desse conto alongado. Única porque seu interlocutor não chega a ser verdadeiro partícipe, senão um atento ouvinte do monólogo, a evitar que sejamos nós os destinatários em linha reta dessas penitências acusadoras.

O autor ousou ser original e não alinhado às correntes intelectuais e literárias dominantes na época e foi impiedosamente julgado pelos deuses e anjos da intelectualidade engajada. Não o podiam acusar de covardia na luta pela nação, que ele fez parte da resistência francesa, e isso deve ter redobrado a raiva. Ora, o fulano não era atacável no flanco mais óbvio. Então, merecia sê-lo como cismático do monolito parisiense-frankfurteano.

Ele tinha escrito o Homem Revoltado, uma obra que o ego de Sartre fê-lo perceber como uma acusação contra ele, Sartre. Talvez esse último exagerasse sua importância, pondo-se na condição de atacado, mas os juízes do mundo tendem a proceder assim, pois são o centro do  cosmos e da verdade e, portanto, os destinatários de todos os ataques. De minha parte, vejo no Homem Revoltado ataque a ninguém especificamente e sim uma grande obra.

A Queda é mais precisa e mais densa que o Homem Revoltado. É a penitência de todos por meio de uma só. O juiz-penitente diz o que ele é e, consequentemente, o que são potencialmente todos os homens. Lembro-me, a este propósito, de um episódio que se teria passado em Atenas, quando vivia Sófocles.

Continue reading

Ciência como fetiche. Para uns, a visão do inferno. Para outros, a redenção.

Li, ontem, na BBC Brasil, que o desempenho escolar dos norte-americanos caiu sensivelmente. E que, simultaneamente, cresceu o obscurantismo, na esteira do triunfo das idéias do fundamentalismo neo-pentecostal que viceja nos Estados Unidos da América. Conseguiram impor o ensino do criacionismo nas escolas, em detrimento das teorias evolucionistas, por exemplo.

Nos médio e longo prazos, é um desastre anunciado. Os EUA tornaram-se o país rico e dominante que são por conta de vários fatores e um deles foi o impulso e o cultivo da ciência. Agora, se estimulam sua regressão, estão a estimular a da riqueza material e dos meios de domínio. O cerceamento da divulgação de teses científicas implica, mais ou menos dias, um estreitamento das mentalidades.

Não vejo nas ciências uma cosmologia, nem qualquer beleza artística que justifique seu cultivo como o de um deus. Mas, não nego que ela pôs na minha frente este computador portátil em que escrevo e o automóvel que me leva ao trabalho. Evitou, também, que eu morresse da mais simples gripe e que um corte na pele evoluísse para uma septicemia.

Alguém poderá dizer que as objeções dos reformados fundamentalistas são muito especificamente dirigidas ao criacionismo e poupam outros campos. Todavia, uma objeção conceitual contém todas potencialmente. Não se deverá nem poderá investigar qualquer coisa que possa colidir com os escritos circunstanciais a uma época e a um local. Enfim, o que criam os semitas de há sete mil anos aprisionou o futuro, por conta de interpretações estritas.

Por outro lado, vejo algo parecido e diametralmente oposto. Sim, porque esses opostos referem-se ao mesmo ponto de articulação. Conversando aqui e ali, tomo conhecimento que os neo-pitagóricos seguidores de um médico francês do século XIX depositam vastas esperanças na ciência. Crescem em adeptos nos EUA e, por isso mesmo, aumentam suas possibilidades de obterem confirmações científicas, porque os seguidores norte-americanos têm recursos e vontade de os gastarem com pesquisas.

É impressionante essa esperança e devoção científica. Não vejo em que a investigação científica possa ajudar esse moralismo retributivo de culpas desconhecidas. Claro que minha incapacidade de perceber não significa mais que a própria ignorância, e por isso sigo tentando compreender. Ora, querem provar a existência de entidades imateriais, de espíritos, que animam os corpos? Para quê? Há muito se acredita nisso sem qualquer comprovação e com muito mais poesia!

« Older posts Newer posts »