Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: abril 2010 (Page 2 of 6)

Um avião de caça ecológico. Piada ou apenas contradição em termos?

F/A-18 Green Hornet.

O caça da fotografia acima é um F/A – 18 Super Hornet, semelhante ao que os norte-americanos querem vender ao Brasil, sem repassar a tecnologia. Mas, ele tem uma peculiaridade, é o primeiro caça movido por uma mistura de 50% de querosene de aviação (Jet A-1) e biocombustível de matriz renovável. Por isso, pôde ser batizado de Green Hornet, epíteto bastante criativo e evocativo da simpatia ambiental da aviação da marinha norte-americana.

O jato de guerra foi anunciado no Dia da Terra, 22 de abril passado. É fantástica a celebração ambientalmente correta em um equipamento voltado, exclusivamente, para a destruição e otimizado ao máximo para essa finalidade. Protege e destrói o ambiente ao mesmo tempo.

Claro que o programa da marinha norte-americana é voltado à segurança energética, ou seja, à redução da dependência de combustível fóssil. Todavia, não recuaram um milimetro na teatralização da coisa como uma marcante conquista ambiental.

Green Killer ficaria mais adequado, porém menos simpático.

Padre António Vieira: um negreiro tomista e meio poeta.

Padre António Vieira

Esse texto é uma sugestão de leitura de O Trato dos Viventes, Formação do Brasil no Atlântico Sul, de Luiz Felipe de Alencastro, um livro muito bom. Mas, não é apenas uma sugestão, e faz-se em formato bastante livre. O que se refere a jesuitismo e reformismo é da conta minha, embora a maior parte da informação tenha sido recolhida na obra, notadamente as transcrições dos padres Barreira e Vieira.

Vieira foi um dos próceres da Sociedade de Jesus nos seiscentos. Realmente, os jesuítas estiveram na liderança ideológica do colonialismo luso até Pombal fartar-se de tanta política, tanto poder e tanta hipocrisia e encontrar a única solução possível: a proscrição que, no entanto, deu errado. Os jesuítas e o jesuitismo ganharam, afinal, e não apenas em Portugal e no mundo lusófono. Se é muito difícil definir concisamente o que é o modelo de pensamento europeu ocidental moderno, quem arriscar uma única palavra pode estar no caminho certo: jesuíta.

Alguém poderá objetar com a reforma e suas resultantes européias e norte-americanas. Todavia, a reforma, que encontrou antagonismo aberto na inquisição e nos carmelitas, encontrou o verdadeiro antagonismo no jesuitismo, que a moldou de fora para dentro. A forma histórica por excelência, o jesuitismo, pôs a forma anti-histórica, o protestantismo, a seu serviço ideológico, por razões fáceis de perceber. A dinâmica não é aprisionada pela estática.

A história não são os fatos, nem as pessoas, isoladamente. São fatos produzidos por pessoas que os querem e precisam justificar, porque são maioritariamente fatos criminosos. Daí, a máxima conformação histórica é a justificação de tudo, consoante acontecem as coisas. Claro que um ambiente em que domine a ideologia reformada tem tantos fatos – e tantos criminosos – quanto qualquer outro ambiente. Porém, nele, a contradição ideológica é permanente e não se socorre da fantástica idéia que é a graça, a maior criação intelectual do cristianismo.

Em um ambiente jesuítico as contradições existem na mesma quantidade – que afinal de homens trata-se – mas elas são constantemente lubrificadas pelo óleo que reduz os atritos das engrenagens cerebrais, a hipocrisia sistematicamente teorizada e praticada.

Nos seiscentos e setecentos, o Brasil, Portugal e Angola formavam um sistema econômico-mercantil. O primeiro produzia, primeiro apenas assúcar e depois minérios e café, o segundo recebia a produção e o terceiro fornecia pretos para as empresas assucareira, mineira e cafeeira. Por isso, ter Salvador, Recife e o Rio de Janeiro sem ter Luanda e Benguela era ter nada e o inverso também era verdadeiro. Sem engenhos, não havia para quê vender escravos e sem escravos não havia como funcionar os engenhos.

A Sociedade de Jesus – SJ estava dos dois lados do Atlântico, como empresa bem estabelecida, prestando contas ao Reino e à cúpula, em Roma. Os escrúpulos da SJ com relação à servidão dos índios brasileiros chamam bastante atenção. Eles rejeitavam veementemente a captura e escravização de indígenas, exceto daqueles a seu serviço. Essa resistência ajudou a construir toda uma mitologia da defesa dos índios brasileiros e de outros mitos laterais, como o da preguiça e da inaptidão essencial do índio para o trabalho servil.

Do outro lado do Atlântico, na Mina, no Congo, na Costa do Ouro, do Marfim e em Angola, os escrúpulos da SJ eram outros, pois articulavam-se muito bem ao próspero negócio do tráfico de africanos para a América do Sul e, residualmente, para o Reino e as conquistas asiáticas. Os jesuítas fizeram mais que fornecer o discurso de justificação do tráfico de negros da África para as Américas, eles tomaram parte ativa no empreendimento.

A parte propriamente comercial é menos interessante que as justificações constantemente renovadas pelos jesuítas, variando entre os pólos extremos do discurso aberto de um Baltazar Barreira e a colecção de eufemismos vertidos em prosa e verso de um António Vieira. Em certa altura, o sistema de captura em prática em Angola é posto em questão, inclusive com argumentos propriamente ideológicos como a legitimidade da posse de um cativo. Questionava-se a legitimidade a partir da cadeia de aquisições, mais ou menos como se faz com imóveis hoje.

Em réplica à objeção, Baltazar Barreira, que foi superior da SJ em Luanda, tem ocasião de lançar a seguinte frase, absolutamente destruidora das aparências e até estranha ao pensar jesuíta: O que em geral se pode dizer por parte dos negros que neste Guiné chamado Cabo Verde se vendem e compram, é que nenhum exame se faz sobre o título do seu cativeiro, nem há quem pergunta por ele.

O padre parece estar enfadado de discutir legitimidade de cativeiro, quando, em um negócio essencialmente ilegítimo, ninguém está realmente preocupado com isso. Sincero, o jesuíta Barreira, como se quisesse deixar claro que negócio sujo começa e termina assim, não se presta a entrar no labirinto das justificações, limitando-se a dizer que as coisas sempre foram daquela maneira.

Ele vai mais além e – no que me parece uma declaração de incompatibilidade com a SJ – utiliza o discurso do tudo ou nada. Instado a falar sobre os negócios negreiros da sociedade – que intermediava a compra e venda de escravos com os aprisionadores angolanos – afirma que, ou se mantém as coisas como vão, ou se suprime o tráfico: No que toca ao cativeiro destes negros, matéria tão cheia de dúvidas pro utroque parte, que não é possível tomar-se outro assento nele senão que, ou corra como até aqui, ou de todo se proíba esse trato.

O padre Baltazar Barreira, depois de décadas a serviço da Sociedade de Jesus, do Reino e do comércio do fator de produção que eram os escravos de África, morreu pobre e esquecido. Era um infame, mas nitidamente pouco jesuíta.

António Vieira adotava a mesma ideologia de Barreira, mas fazia-o com circunlóquios, volteios e alguma poesia. Era, enfim, um jesuíta prototípico. Cuidou de ser coerente com a tese de que o cativeiro era menos ruim que a permanência na ignorância do cristianismo. Ou seja, a escravização de negros africanos era, no fundo, uma oportunidade a eles dada de conhecerem os ensinamentos cristãos, uma benção de agradecer-se a Nossa Senhora do Rosário!

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Belo Monte, eficiência energética, impacto ambiental e outras circunstâncias, por Sidarta.

Na anterior postagem sobre a usina de Belo Monte, chamada Eco-tolice e eco-chantagem contra a Usina de Belo Monte, o comentarista Sidarta ofereceu um comentário precioso. Passeia por conhecimentos sólidos de geração de energia, indo até ciência política, economia  e relações internacionais. Resolvi torná-lo uma postagem.

Andrei e João Ezaquiel,

Peço já desculpas a vocês e aos outros participantes do debate se estou me estendendo muito nesses comentários, se estou “ensinando pai-nosso a vigário” ou se estou saindo do tema.

Sobre os seus comentários técnicos a respeito de Belo Monte e de outras opções de geração de energia elétrica, vale lembrar que uma tese de doutorado defendida há menos de 5 anos no Imperial College de Londres, por um engenheiro aqui do Recife, mostrou que o sistema elétrico do Nordeste do Brasil não suporta receber muito mais do que uns 2000MW de geração alternativa local “não despachável”, eólica, por exemplo (ou mais ou menos 20% da potencia instalada).

Tentar gerar muito mais do que isso com eólica (das fontes alternativas já bem dominadas a eólica é a que tem se mostrado mais viável no momento) torna o sistema elétrico instável e complicado para se otimizar o despacho da geração e passa a se correr o risco de jogar água fora nos grandes reservatórios para se aproveitar a energia eólica eventualmente gerada em grandes blocos “fora de hora”.

Hoje em dia, a nossa experiência mostra que se suporta mais de 75% de racionamento de água (um dia com água no cano da rua e três dias sem)… pois é assim, ou pior, que a maior parte da população urbana da maioria das cidades de Pernambuco tem vivido.

Por outro lado, um racionamento forte de energia elétrica em anos passados na Colômbia mostrou que um corte na oferta de menos de 40% já paralizava a economia, gerando desemprego em massa e mais desordem social.

Não há como se estocar “energia elétrica” em grande escala, o que se estoca é combustível ou água nos reservatórios – mesmo uma bateria “cobra pedágio elétrico” para armazenar e restituir a sua energia: uns 10 a 20% para guardar e mais uns 10 a 20% para restituir.

Um exercício interessante é calcular o custo do MWh produzido por uma pilha alcalina AA… se você acha que a gasolina está cara e que paga muito imposto de renda, nunca mais vai querer usar energia de pilha não recarregável).

Essa é uma das razões porque Hugo Chaves está administrando atualmente um pequeno racionamento de energia elétrica na Venezuela com o exército de prontidão para segurar a inquietação social… além de ter iniciado programas emergenciais de suporte a desempregados e a pequenos produtores industriais e agrícolas mais prejudicados com o problema…. um problema de Hugo Chaves.

Pelo lado econômico da produção, o custo da energia eólica em grandes blocos é umas duas vezes o custo de hidráulica… e o custo da energia de térmicas movidas a derivados de petróleo ou a gás (não temos tanto gás assim para rodar grandes térmicas sem parar algumas indústrias já em funcionamento no Nordeste) é ainda maior, sem falar na poluição do ar.

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Ladeira da Praça, pelos Novos Baianos.

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Se fosse por mim
Todo mundo andava sambando
Assim nesse passo passando
Porque nada mais bonito
Que um brasileiro pé duro
Representante da raça
Descendo no samba a ladeira da praça

E se você merecer
Inteira de graça ao ar livre
Inteirinha de graça
A fina figura de uma criatura
Representante de raça
Descendo no samba a ladeira da praça

Presa no espaço
Solta no ar
Nem andando, nem voando
Só sambando (sambando)

Descendo no samba a ladeira da praça
Descendo no samba a ladeira da praça

O que disse o velho brasileiro digno ao professor inglês.

Um texto de Andrei Barros Correia.

Um velho brasileiro digno acreditou que o país podia ser outro. Evidentemente, essa crença ocorreu na época própria e depois foi se esfumaçando até deixar de ser qualquer coisa, mesmo amargura. Não se desintegrou a ponto de tornar-se nada, mas aproximou-se de ser um faca só lâmina. Retraída busca de objetividade, de compreensão. Já morreram, o velho, a crença, a objetividade e a lâmina.

Um dia, vivia o país a decadência pronunciada, mas sob as nuvens do ufanismo da moda, quer dizer, da redenção liberal que então se anunciava, o velho teve ocasião de encontrar um professor inglês. O que o lente britânico fazia em uma grande e pobre cidade tropical, não sei, mas posso imaginar. São os descendentes dos pintores, botânicos, gravuristas e naturalistas europeus, que sempre vieram a esta terra exótica, de verde muito verde, azul muito azul.

A botânica e a natureza que seduziam nos XVIII e XIX, no século XX tinha-se tornado em ciência social e economia. Realmente, deve-se convir que somos um laboratório de extravagancias muito interessante a quem observe com olhos e ouvidos não viciados por ter nascido dentro do experimento.

Inconveniente desses exploradores, digo, na verdade, estudiosos altruístas, é que rápido sentem-se muito à vontade, estão muito desenvoltos. Comportam-se como donos, embora o sejam apenas parcialmente. Há liturgias e não basta deixar-se roubar pelo taxista ou pagar o jantar dos serviçais da nobreza da província para obter aceitação total e inconteste para tanta ciência social candidamente oferecida.

O caso é que a conversa avançou, cordialmente, e, pelas tantas, avançou bastante. Vocês representam um modelo de domínio anacrônico, fechado e muito violento. Sim, é verdade, concordou o velho brasileiro, que isso é mesmo verdade. Todavia, do diagnóstico, o professor inglês, com a desenvoltura própria, foi à prescrição. E o remédio era indiscutível, tinha foros de verdade, de bendição de um inglês benévolo com brasílicos cegos.

Em certa altura, já farto do que não atende por outro nome senão arrogância, o velho cortou subitamente a elocução professoral e propôs: Olhe, dominador por dominador, você está como o mais falando pro menos. Façamos o seguinte: vou pegar papel e caneta e você vai escrever de próprio punho, a língua pouco importa. Você vai dizer que a Irlanda é uma e única, católica ou protestante conforme a maioria decida e fora da soberania da sua rainha inglesa. Depois disso, a gente discute Brasil.

O professor compreendeu, o que é digno de nota porque não acontece sempre. E chegaram a jantar, cada um pagando sua conta e a falar de coisas interessantíssimas, principalmente de futebol.

22 de abril é a data comemorativa do descobrimento do Brasil, mas convém lembrar de Pinzón.

A 22 de abril de 1500, a expedição comandada por Pedro Alvares Cabral atinge a costa brasileira, na altura do que hoje é Porto Seguro, no atual estado da Bahia. Todavia, há uns episódios que devem ser considerados, embora nada tenham de desautorizadores da data comemorativa oficial.

Vicente Yáñes Pinzón era um homem rico, de Palos de la Frontera. Não se sabe precisamente a data de seu nascimento, nem o local de seu falecimento, em 1515. Em conjunto com alguns familiares, armou quatro caravelas e partiu de Palos, no princípio de dezembro de 1499. Depois de passarem por Cabo Verde, tomaram o rumo sudoeste. Em 20 ou 26 de janeiro de 1500, atingiram terra, a 8º de latitude sul, provavelmente no que hoje é o Cabo de Santo Agostinho, no atual estado de Pernambuco.

Batizaram o local de Santa María de la Consolación. Seguiram rumo noroeste, então, tendo chegado ao Rio Amazonas, que chamaram Marañón. Não há certeza quanto à descoberta do Amazonas e dizem alguns que Pinzón teria chegado ao Orinoco, na atual Venezuela.

Bignone preso. Não é de hoje que a Argentina é um país mais civilizado que o Brasil.

Reynaldo Bignone.

Reinaldo Bignone foi o último ditador do período autoritário que se encerrou em 1983, na Argentina. Ele foi presidente apenas entre 1982  e 1983. Processado, julgado e condenado à pena de 25 anos de prisão por responsabilidade na privação ilegal de liberdade, tortura e morte de 56 pessoas.

Enquanto na Argentina os ditadores vão a julgamento, no Brasil qualquer tímida ação que busque apenas conhecer a história merece ataques virulentos, sob os argumentos mais tolos possíveis. Alguma tentativa mais audaciosa, como a proposta de estabelecer a correta interpretação da lei de auto-anistia outorgada pelo regime ditatorial, merece ataques ainda mais intensos.

Contra a interpretação da lei de anistia, um ministro do supremo tribunal federal, a corte de justiça mais elevada do país, teve a ocasião de dizer que a reinterpretação poderia causar distúrbios. Mais extravagante que o ministro dizer essa tolice é o público levá-la a sério.

Na Argentina, onde sequestrou-se, torturou-se e matou-se mais que no Brasil, presidentes e militares graduados foram julgados e condenados e não ocorreu distúrbio algum. E eles tinham leis de anistia semelhantes à fancaria com número de lei que agora se pretende interpretar corretamente. Na verdade, tiveram mais de uma lei desse tipo, todas superadas por tribunais que julgam a partir do direito e não de ameaças de distúrbios.

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