Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: maio 2010 (Page 2 of 6)

Israel é uma ameaça à paz e não apenas no Médio-Oriente.

A despeito de todo o discurso auto-vitimizador e acusador dos riscos oferecidos por outros países, a partir de que Israel quer justificar ataques militares ao Irã, sabe-se que a origem maior de riscos bélicos, no médio-oriente, está precisamente em Tel Aviv. Não é segredo que Israel detém um grande arsenal nuclear, embora sua política de ambiguidade – negar o brilho do sol – tenha sido eficaz em desviar o foco da questão.

Esses guerreiros do deserto e seus aliados da América do Norte vivem a cansar o mundo com seu narcisismo moralizante, que sempre antecede às chuvas de bombas sobre as cabeças de alguém. Eles dizem que os outros, todos os outros submissíveis que não se querem submeter, são um risco a ser evitado com a destruição. Faz sentido, realmente, pois todo interesse contrário é um risco potencial.

Todavia, os seguidores de Weber são assim, eles precisam misturar às razões práticas o narcisismo moralizante, na forma de alguma sub-teoria política e religiosa. Considerando-se que a vontade de jogar bombas não recua, evidencia-se que essa etapa discursiva pode ser inútil e até arriscada. Arriscada porque a platéia do narcisismo moralizante finda por acreditar nele, assumindo o modelo, e pode, exatamente por ter acreditado, passar a descrer se as evidências de mentira se apresentarem.

A platéia, diferentemente dos redactores do roteiro, ignora o que está por trás e por isso mesmo é susceptível a negar seu apoio caso o roteiro seja desmentido factualmente, a partir da mesma lógica discursiva e com outras informações. É claro que a quantidade de difusores da informação desempenha um importante papel nisso, e que há muito mais difusores do discurso que do anti-discurso.

Bem, o caso é o jornal britânico The Guardian revela, hoje, que Israel ia vender bombas atômicas à África do Sul, em 1975. A primeira coisa a pensar é que só se vende o que se tem, portanto… A segunda é que a difusão nuclear, em si, não é considerada um risco por quem se dispõe a vender armas nucleares!

Em 1975, Shimon Peres, então ministro da defesa e hoje Presidente de Israel, e P. W. Botha, ministro da defesa da África do Sul, firmaram um acordo secreto, no seio de várias tratativas relativas para a venda dos mísseis Jericho (Chalet). Essas armas somente interessariam à África do Sul com ogivas nucleares, porque as convencionais eles sabiam fazer.

O acerto não foi adiante e o jornal sugere questões de custo, mas a cooperação entre os países foi produtiva. A África do Sul forneceu urânio a Israel – em forma de yellowcake – e este teria ajudado aquele a fazer suas próprias bombas nucleares, o que ainda é uma suposição.

Como sempre, irão adiante com outras justificativas, ou mesmo sem elas, que no fundo são desnecessárias, como tem provado a história. Todavia, é bom rir da vergonha do justo, como disse Machado de Assis.

Link da notícia, no The Guardian: http://www.guardian.co.uk/world/2010/may/23/israel-south-africa-nuclear-weapons

O papa é pop, e gosta dos Beatles…

No dia 4 de março de 1966 John Winston Lennon deu a seguinte declaração:

“Christianity will go. It will vanish and shrink. I needn’t argue with that; I’m right and I will be proved right. We’re more popular than Jesus now; I don’t know which will go first – rock ‘n’ roll or Christianity. Jesus was all right but his disciples were thick and ordinary. It’s them twisting it that ruins it for me.”

Numa tradução “meia boca” pro português ficaria algo mais ou menos assim:

“O cristianismo vai acabar. Vai encolher e desaparecer. Eu não preciso argumentar isso, eu estou certo e vai ser provado que estou certo. Nós somos mais populares que Jesus agora; eu não sei qual acabará primeiro – rock’ n’ roll ou o cristianismo. Jesus estava bem, mas seus discípulos eram grosseiros e ordinários. São eles distorcendo isso que o faz em ruínas para mim. “

O que disse Lennon, a princípio não gerou problema ou polêmica alguma na Inglaterra. Já quando chegou aos Estados Unidos… Até o KKK impediu apresentações da banda por crer ser o certo a se fazer.

A despeito do Galileu (não o Cristo, o Galilei =)), que levou mais de 300 anos para ser perdoado apenas por desobedecer ao papa da época (Urbano VIII), divulgando suas teorias heliocêntricas em países protestantes onde a censura do Vaticano não chegava. John Lennon e companhia limitada, foram perdoados até com certa celeridade, levando em consideração que o próprio Vaticano os considerava meio satânicos. Interessante notar que a morte, prematura ou não, de alguns membros da banda , incluído ai o próprio Lennon, deve ter mesmo ajudado no exercício do perdão. Mesmo porque a matéria veiculada no L’Osservatore Romano (Diário de notícias oficioso do Vaticano), fala em preservação ante a “experiência deprimente de grupos de rock geriátrico”, como se previsse que num futuro alternativo onde Lennon e Harrison fossem vivos, saberiam que eles não mais trabalhariam com música e como se McCartney e Ringo tampouco o fizessem.

Perdão, real ou não, poderia ser mais convincente, até porque deve mesmo ter sido escrito por uma pessoa que se presume capaz para tanto. Mas não, foi apenas mais uma tentativa de angariar fiéis, jovens. Em tempos de pedofilia correndo solta, precisa-se fazer algo. Quando vi a manchete, a princípio, temi por ser fan da banda errada (se o papa diz que está certo, tem de haver algo errado com a “coisa”, seja ela qual for), mas ao invés disso quando li um pedaço da notícia, já notei que não tinha nada com que me preocupar…

É apenas o Vaticano em época de eleições, procurando votos, e assim sendo, poderiam se dar melhor, escolhendo algo mais atual, ou que pelo menos seus membros pudessem ainda se defender, de poder ser “banda de rock geriátrico” que já foi maior que Jesus, à qual seus apóstolos “grosseiros e ordinários” recorrem para angariar fiéis.

Ringo Star, último membro vivo do grupo, recusou o perdão…

“Didn’t the Vatican say we were satanic or possibly satanic — and they’ve still forgiven us? I think the Vatican, they’ve got more to talk about than the Beatles.”

De novo, na tradução macarrônica:

“O Vaticano não comentou que fomos satânicos ou possivelmente satânicos — e mesmo assim nos perdoam? Eu penso que o Vaticano tem outros assuntos a tratar, mais importantes que os Beatles.”

Memória fotográfica de Campina Grande.

Gosto de fotos antigas. Apenas não consigo definir nem conceituar, precisamente, antigo. A falta de colorido é um bom indicador, todavia.

Aproveito para sugerir um sítio rico em fotografias antigas de Campina Grande, além de outras coisas, chamado Retalhos Históricos de Campina Grande.

Acima, a Avenida Floriano Peixoto, em 1950. À esquerda, o prédio que se destaca é o Grande Hotel. À direita, a antiga sede da Prefeitura Municipal.

Fotografia tirada desde a Praça da Bandeira, com o prédio dos Correios, ao fundo. Não há indicação da data, mas imagino algo entre 1960 e 1965.  Existem, como se sabe, padrões arquitetônicos, relacionados não apenas às épocas das construções, mas às suas funcionalidades. É perceptível a semelhança de modelo dos edifícios dos correios de várias cidades brasileiras.

Sunshine of your love, pelo Cream.

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Isso atende pelo nome de rock´n´roll. É coisa para puristas. Tive a grata surpresa de encontrar três vídeos do Cream, hoje, no blog do Domingos Sávio e furtei apenas um.

O Nardo de Betânia.

A passagem é conhecidíssima e acho que devia ser mais lembrada por quantos andam a falar em nome do Galileu. Em João, o mais direto, está em 12:3-8. Conta esse evangelista que Jesus estava em Betânia e foi jantar na casa de Lázaro, o que ele ressuscitara. Então, Maria derrama uma libra de nardo puro nos pés do Galileu e os enxuga com os próprios cabelos.

O nardo, convém lembrar, era um perfume realmente caríssimo. A narrativa segue apontando que a coisa foi escandalosa e que Judas Iscariotes teria reputado um verdadeiro absurdo aquele desperdício e que se poderia vender o nardo e apurar trezentos denários para dar aos pobres.

A essa objeção de cunho prático, até bastante sensata, o Galileu opõe outra de inteligência, prática e mística, muito superior. Ele diz que os pobres sempre exisitirão e ele não. Aquilo era, na verdade, uma unção pré sacrificial. Eu diria que o Galileu era bastante inteligente objetivamente e defendeu que cada qual faz das suas coisas o que quer. Além, é claro, de apontar uma provável hipocrisia de Judas.

Pois bem. Não tenho negócios com padres e freiras, nem com suas congregações. Ocorre que uma instituição de freiras mantém um abrigo para velhos carentes. A velhice é uma tragédia e acompanhada da pobreza aproxima-se a viver na encruzilhada do Estige com o Aqueronte. O teto do abrigo caiu e a situação dos velhos piorou. Por isso, as freiras solicitam doações para reconstruir a estrutura.

Fui à instituição para doar algum dinheiro. Cheguei e falei com o indivíduo responsável. Disse quanto era a doação e ele pôs-se a preparar o recibo. Havia na sala duas dessas senhoras piedosas de classe média alta, que iam fazer as suas doações.

Esse pessoal, sentindo-se em território seu, não se contém. Uma delas viu ou ouviu a quantia, pouca, que eu doava e interpelou-me. Cordialmente, é verdade, mas com aquela imperatividade segura que pode ser chamada, sem maiores riscos, de arrogância. O que o senhor faz, perguntou-me. Percebi o que se passaria e fui evasivo propositadamente. Disse: sou funcionário público. A senhora parou um instante, sorriu complacentemente, e insistiu: o senhor pode ajudar mais esses pobres velhinhos. É verdade, respondi.

Não me contive e perguntei-lhe: a senhora conhece a estória do nardo, com Jesus, em Betânia? Ela ficou confusa, pois conhecer de ter ouvido falar, certamente conhecia, mas de ter lido e de lembrar-se, era muito difícil. É curioso, mas essa gente desconhece as bases do  que pensa defender, embora isso seja de pouca importância. Balbuciou um sim, tímido. Pois é, minha senhora, o novo testamento tem coisas interessantes e se o nardo é meu, faço dele o que quiser.

La Bohème, por Aznavourian.

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É conhecidíssima a canção, e bela. Não tenho idéia das experiências desse armênio em Montmartre, nem como lá chegou, nem mesmo se foi pintor ou desenhista. Não é necessário saber isso.

Sei que, depois de mais de dez anos, fui a Montmartre. Chegamos, Olívia e eu, a uma estação do Metro, cujo nome não lembro. Descemos na plataforma e vimos as pessoas se ajuntando à espera do elevador. Não havia escadas rolantes. Esperamos e perdemos a paciência. Decidimos subir pelas escadas, porque demorava muito o elevador.

Não lembro de ter subido tantas escadas. Claro, a estação é muito profunda, pois o terreno é bastante inclinado. Uma pracinha e uns tocadores de jazz. Rumamos para o óbvio, a subida para o Sacré Coeur, aquela igreja feia em um local magnífico. Dessa vez, tomamos o funicular.

Em cima está a vista mais bonita de Paris. Relativamente pouca gente, uns meninos jogando futebol e a gente olhando a cidade. Estou parado, muito calmamente, e sinto a pancada na cabeça, os óculos caem no chão. Era uma bola de futebol, que apanhei, deixei cair até pará-la no pé esquerdo e toquei devagar para o menino que chegava pedindo desculpas: excusez-moi, monsier. Pas de probleme.

Apanhei os óculos e, um tempinho depois, resolvemos voltar ao sul, a Montparnasse, a pé, atravessando a cidade.

O modismo, a ignorância e o atrevimento.

Esse touro é velho ou novo?

Há quinze anos, mais ou menos, tive ocasião de estar em uma palestra de Ariano Suassuna. Ele é uma figura profundamente ibérica, em termos culturais, e nobre de comportamento. Suassuna é um grande autor de romances e de teatro – talvez o maior autor brasileiro vivo – e também professor catedrático de filosofia.

Por cultivar um modelo estético fora de moda, costumeiramente ele é dito anacrônico e preso ao passado. Claro, e isso percebe-se imadiatamente, que é a classificação resultante da conjunção demoníaca da superficialidade com a ignorância reinante.

Nesse dia, Ariano Suassuna contou aos espectadores um episódio que se teria passado entre ele e um repórter de um jornal diário de São Paulo. O caso foi mais ou menos o seguinte, até onde consigo trazer de memória. Estava ele no saguão de um hotel, para uma entrevista com o jornalista. Depois dos cumprimentos de praxe, sentados, o jornalista pergunta, sem mais, nem menos, se Ariano não se julga um homem de gostos ultrapassados, que repudia toda nova manifestação.

Suassuna pára e pede-lhe um instantinho, que ia lá em cima, no quarto, buscar algo. Sobe, apanha o que tinha a buscar e volta. Senta-se com um painel de cartão onde estão, lado a lado, seis representações pictóricas de touros. Ele diz que anda com esse grande cartão cheio de pinturas por todos os lados.

Mostra o painel ao jornalista e pergunta: meu caro, diga-me qual desses seis touros é o mais recente e qual é o mais velho? O jornalista não recua e nisso dá provas de ser plenamente o que é: atrevido e ignorante sem sabê-lo. E aponta aquelas que seriam a mais recente e a mais antiga pintura.

O escritor replica: olhe só, esse que você acha o mais novo é o mais antigo, isso é uma pintura de uma caverna francesa. E esse que você acha o mais velho é dos mais novos, você nunca ouviu falar de Picasso? Como é que eu sou antigo, anacrônico ou rejeito o novo?

Se se tratasse de outra conversa e de outro interlocutor, provavelmente haveria um impasse constrangedor que, também provavelmente, o afável Ariano contornaria iniciando uma de suas deliciosas estórias. A idade das pinturas dos touros foi um recurso ao mesmo tempo perverso e cordial. A entrevista terá seguido seu rumo e o entrevistador seguido a fazer perguntas que não passariam de variantes da primeira tolice. Afinal, era uma obrigação profissional falar com aquele fulano que escreve livros e é anacrônico.

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