Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: setembro 2010 (Page 2 of 5)

A gente tem seus pertencimentos.

Acabo de ler uma das deliciosas crônicas de Joca Souza Leão, publicadas no sítio de internet pe360graus. O texto chama-se Pernambuco em Toledo e gira em torno a um episódio passado em 1976. Na ocasião, em Toledo, Joca reconheceu um conterrâneo pela gargalhada.

Pois bem, isso fez-me lembrar de uma coisa interessante e pensar em outras mil desimportâncias. Percebi, no ano que morei em Portugal, que consigo reconhecer brasileiros, principalmente nordestinos. Ora, isso é óbvio? Claro que é, porque passa por identidades culturais, mas são menos óbvias as percepções que as pessoas têm dessa possibilidade.

Por experimentação mesmo, uma e outra vez comentava dessa facilidade de reconhecimento. As reações mais interessantes – muito embora trata-se de uma obviedade – eram duas. Uns escutavam o comentário como se se tratasse da coisa mais exótica do mundo, ou de uma impertinência ou tolice imensas.

Outros, achavam que era a enunciação científica de uma coisa negativa, ou seja, da existência de signos identificadores que seriam basicamente maus-modos. Não é isso, todavia, pois essa percepção negativa é complexo de inferioridade e vontade de emulação do colonizado.

Uma vez que eu apontei uma tremenda falta de educação de um brasileiro, em uma crônica, não foi para dizer que o reconheci como brasileiro pelos maus-modos, foi porque o sujeito falava aos berros na Madeleine, que é uma igreja e em que havia uma missa naqueles exato momento. Identifiquei porque o fulano berrava no telefone celular em português brasileiro. Só não identificaria se fosse mais surdo do que sou!

Seria possível discorrer sobre os sinais que identificam um grupo e, no caso, os brasileiros e nordestinos, mesmo que não digam uma palavra. Mas, isso não é um ensaio científico, são impressões. Seria até arriscado enumerar os possíveis sinais, gesticulação, forma de andar, pois, de tão improváveis as distinções, pode parecer suposição arrogante.

Mas os sinais existem. E para capta-los basta conhecê-los e estar atento, seja involuntariamente, seja por esforço disciplinado. Percebo-os quase sem esforços, intuitivamente, embora isso seja o trabalho de muitos neurônios associando e dissociando memórias e conceitos.

Na verdade, extravagante mesmo seria se isso não fosse possível, porque então seria um mundo de homogeneidade avassaladora ou de pessoas absolutamente incapazes de identificações. E muita gente parece não gostar dessa carga de signos identificadores que carrega e expõe sem poder disfarçar.

São frequentes as figuras do brasileiro que não quer ser reconhecido, seja porque sua situação recomenda a assimilação, seja porque vive aquela presunção do cidadão do mundo que fala sem acento e veste-se como acha que um sueco da mesma idade se vestiria.

Bem, é verdade também que são numerosos os brasileiros que, ao contrário das figuras escamoteadas, afirmam-se efusivamente no estereótipo do simpático, falante, acolhedor brasileiro. Mas também esses, pouco importa que estejam representando um papel ou a si mesmos, estranham que possam ser identificados ainda que se calem ou não estejam com a camisa amarela da seleção nacional.

O fato é que se acredita na possibilidade do disfarce, suprema ingenuidade!

A discrepância de opiniões não invalida coisa alguma. Um pouco de Ortega y Gasset.

A discrepância de resultados obtidos a partir de um mesmo método invalida uma conclusão ou tese científica especial, em física, por exemplo. Todavia, isso não ocorre em filosofia e, por isso mesmo, o problema central do capticismo – a possibilidade do conhecimento – é um problema mal colocado.

A unanimidade absoluta ocorrerá com a mais intensa tolice que se enuncie, porque unanimidade e tolice em torno à qual ela se forma crescem na razão direta, a primeira na da segunda.

Atraiu-me ao assunto a constante curiosidade que tenho a respeito e pontualmente a leitura do Prólogo à História da Filosofia de Karl Vorländer, escrito por José Ortega y Gasset e publicado na edição da Revista de Occidente da obra orteguiana História como sistema.

Ortega aponta que a barbárie do especialismo, conceito tratado a fundo em um dos artigos da Rebelião das Massas, foi possível devido à perda de toda noção clara, na Europa, de filosofia, a partir de 1850. Nessa época, triunfaram os especialistas, médicos, engenheiros, advogados, físicos, muito sabedores de uma coisa e incapazes de reconhecer seu profundo desconhecimento das demais.

O indivíduo assim formado projeta seu sentimento dominador, baseado na especialidade que domina, para os temas que ignora. Assim, arrogantemente nega os outros temas e ciências.

Na raiz dessa projeção de violência e desprezo para todos os conhecimentos que não seja os do especialista e o orgulho de sua classe, está o fetiche da não dissonância. Ortega vai ao ponto preciso, ao dizer que: Uno de los partos de tal insciencia colectiva fué la afirmación completamente caprichosa de que en disciplina alguna habían discrepado tanto las opiniones como en la filosofia.

Segue afirmando que ver na discrepância doutrinal uma razão para cepticismo é indiferença tão velha como plebéia e pouco meditada. Realmente, essa objeção que se faz à filosofia, a da impossibilidade do conhecimento, baseia-se no antiquíssimo argumento da dissonância das idéias.

Em primeiro lugar, essa dissonância é aparente, porque filosofia é uma forma de conhecimento histórico e essa não discrepa, senão que acontece continuamente. Não se trata, tampouco de ver as coisas aqui sob a dialética romântica de Hegel, que era uma estranha dialética, ela mesma triunfante e termo final da história e consequentemente dela mesma dialética.

Trata-se de observar que as discrepâncias, além de serem muito menos agudas do que possam à primeira vista parecer, são mais cronológicas que conceituais, o que não poderia ser diferente porque isso tudo existe porque existem pessoas. O que há são filosofias e seus homens e seus tempos.

O fato é que elevou-se no senso comum a concordância – e, no limite, a unanimidade – a sintoma da verdade, ignorando-se que pode dar-se concordância e, novamente, até unanimidade, em torno ao erro, também.

Dois erros aqui estão bem evidentes. O primeiro é confundir o resultado obtido a partir de um método ou experiência – técnica de ciências como a física – com resultado derivado de alguma concordância. Ora, a concordância que pode haver em torno à lei da gravitação universal não lhe confere validade alguma, apenas é uma evidente aceitação de uma regra física.

O segundo erro é não perceber que a concordância – e a eventual unanimidade, repetirei exaustivamente – é método da política, que não é ciência ou forma de apreensão de realidade. Filosofia e política são coisas diferentes e a primeira não busca validade na ausência de discrepância.

Por falta de concordância, a ser obtida mediante sufrágio, pode alguma empresa política perder legitimidade, mas não pode a filosofia perder validade por falta desses elementos. É tolo o cepticismo que se fundamente nas variedade imensa de opiniões e teorias, ou seja, na discrepância delas.

Da mesma maneira, é tolo o atéismo por improbabilidade. Ora, isso não é física e não se discute nesses termos. O ateísmo só tem sentido por negação pura e simples, ou seja, por outro teísmo que se lhe superpõe. Tanto é assim, que o teísta que constrói seu Deus com Aristóteles, com causas e necessidades, recebe a objeção nos mesmos termos e métodos Em sentido contrário, imagine alguém objetar Teresa D´Ávila!

Lembro-me bastante que uma vez conversava sobre algo discretamente filosófico com alguém. Não me lembro do assunto, que depois do que ouvi a título de objeção, o assunto tornou-se uma insignificância a ser esquecida. Lá pelas tantas, meu interlocutor disse-me, com ares triunfantes, que só eu pensava daquela maneira!

Ora, meu interlocutor, fetichista da unanimidade, pensava em termos políticos e não percebia que estávamos em outro território, em que a concordância ou discordância, maior ou menor, não era critério de validade.

O problema da Veja é de nível, não de opção ideológica.

Direitismo e esquerdismo nada têm, conceitualmente, com banditismo ou mediocridade. Têm com idéias sobre a produção e a repartição dos rendimentos dos fatores de produção empregados, entre seus detentores.

Assim entendidos, em uma quase impossível pureza conceptual, tornam-se categorias ontológicas inconfundíveis com outras, como a moralidade, por exemplo. Claro que a substância teórica de uma e outra ideologia terá aqui e ali aspectos de outras categorias, mas não haverá confusão ou identidade de coisas.

Claro também que direitismo e esquerdismo tomados na sua face teórica são realidades puramente conceituais e que as ações que neles possam-se inspirar serão coisa diversa das mesmas ideologias. Aqui não falo, nem pretendo referir-me ou convidar àlguma abordagem weberiana.

Quero dizer que a ação política inspirada por uma e outra linha ideológica são práticas diversas das inspirações, porque umas são atuações e outras são pensamentos. Assim entendidas as ações, fica ainda claro que ambas podem ter suporte nas teorias em sua mais elevada formulação, ou em substratos dispersos e medíocres, sem reais conexões com os conceitos.

Podem ainda as atuações políticas inspiradas por uma e outra corrente ideológicas desviarem-se para o ilícito, para a mentira. E não há, teoricamente, algo que permita apontar uma inclinação maior ou menor de uma ou outra pelo ilícito, pelo jogo sujo.

Uma publicação como a revista Veja é, antes de tudo, um amontoado de mediocridade, de mentiras, de jornalismo seletivo, de anseio por produzir a imbecilização coletiva. Fixado um propósito, servindo àlgum interesse que a pôs a soldo, faz qualquer coisa que repute necessária à consecução dele.

Pouco importará se afirmará conclusões sem a mínima base fática, pouco importará se lançará o opróbio público sobre quem se sabia ser inocente das acusações, pouco importará se escolherá aspectos fora de contexto para formar uma acusação, pouco importará, afinal, a mentira.

Importará que sirva aos desígnios escolhidos, ainda que passe muito longe do que é jornalismo, embora insista em dizer que está a fazê-lo. Não é um meio para informar, é para incutir uma crença, sob a aparência de extrair conclusões válidas de fatos. Mas, geralmente, fatos não há. E quando deles há, são, ou deformados, ou partidos em sub-fatos cuja dispersão faz um quebra-cabeças impossível de ser montado.

A publicação pensou ser útil ao disfarce de sua infâmia fazer seus defensores – os sabedores da estratégia e os simplesmente bobos e mal-intencionados suficientemente para tomar para si a missão de difundir a tolice – defenderem que se trata de ideologia e moralidade.

Essa estratégia pode revelar-se perigosa para ela, porque identificando mentira, mediocridade e agressividade sem provas com postura ideológica direitista e moralista está a identificar uma forma de pensamento com a estupidez e a brutalidade. Depois de feito o estrago, não quererão ocupar-se em desfazê-lo ou não serão capazes.

Prestam um enorme desserviço à evolução institucional do país, porque não convém que se identifiquem mau-caratismo e falso moralismo com direitismo, porque conceitualmente não se identificam mesmo. Mas, é a trilha que seguem e estimulam seus prepostos, pagos e voluntários, a difundirem essa identificação, como se fosse uma justificativa.

Ora, duas pessoas de ideologias diversas, mas com o mesmo nível de conhecimentos, prezadoras do pensamento aberto e honestas intelectualmente vão entender-se sem precisarem jogar sujo uma contra a outra. As ocasiões em que um direitista e um esquerdistas que preencham os requisitos mencionados encontram-se e conversam sem problemas são muito maiores que se supõe.

Contrariamente, raras serão as oportunidades em que um direitista ou um esquerdista esclarecidos e honestos intelectualmente entender-se-ão com um selvagem do vale-tudo, ignorante das teorias e, principalmente, desonesto nas suas posturas consigo e com os outros. As proximidades, na verdade, só dão-se entre semelhantes e, entre patifes, por exemplo, não há amizade, mas cumplicidade delitiva. Um e outro ensaio de Montaigne vai bem a este propósito.

O grupo do vale-tudo, nos média e em outros setores, não é necessariamente conhecedor ou professador incondicional de alguma ideologia identificável. Há, no Brasil, vastas porções de grandes patrões – presumivelmente mais inclinados a uma ideologia direitista, portanto – que não se dispõe a ler o amontoado de mediocridades de uma Veja.

Simplesmente porque seus interesses financeiros e suas inclinações ideológicas não passam necessariamente pela agressividade mentirosa de neo-convertidos, esses que precisam ser mais violentos que aqueles no seio de quem vão ter, para provar a fidelidade da adesão ao vale-tudo.

Daí que o ambiente atual nos média brasileiros não se explica simplesmente por um corte entre direita e esquerda, mas por um corte mais profundo entre estupidez, mentira e mediocridade, de um lado, e jornalismo, de outro.

A Veja mente contra Ciro e Cid Gomes.

Meios como a revista Veja e o jornal Folha de São Paulo sairão menores desse surto de partidarismo agressivo, mentiroso e de baixo nível, a que se entregaram profundamente. Menores em termos propriamente mercadológicos, pois pequenos em termos jornalísticos são há muito.

A revista publicou matéria supostamente jornalística em que acusou o Deputado Federal Ciro Gomes e o Governador do Estado do Ceará Cid Gomes, irmãos, de praticarem corrupção com dinheiros públicos. Disse que isso estaria em papéis da Polícia Federal.

A Polícia Federal divulgou uma nota, no seu sítio de internet, dizendo o seguinte:

Fortaleza/CE: Em referência à reportagem publicada na Revista Veja, Edição nº 2183, páginas 82-83, intitulada “Integração Cearense”, a Superintendência Regional da Polícia Federal no Ceará informa que as investigações em andamento não alcançaram qualquer autoridade federal ou estadual detentora de foro privilegiado, tampouco o Governador do Estado do Ceará, CID FERREIRA GOMES e o Deputado Federal CIRO FERREIRA GOMES; por
esse motivo o processo que a revista faz alusão tramita em 1ª instância Na Justiça Federal do Ceará.

Informa ainda, que as investigações encontram-se sob segredo de justiça, razão pela qual nenhuma outra informação será fornecida.

Por: Comunicação Social/ Superintendência Regional da PF no Ceará

Tel.: (85) 3392-4867

A revista mentiu, portanto. Se não tiver provas do que disse, praticou o crime de calúnia e deve responder por ele.

Uma denúncia identificada.

O Deputado Federal Ivan Valente fez uma denúncia ao Ministério Público de São Paulo. Este órgão instaurou, a partir da denúncia, o inquérito civil 249, para investigar o quanto denunciado.

Basicamente, o Governo de São Paulo, entre 2007 e 2009, sob a direção do agora candidato a presidência José Serra, fez compras de R$ 34.704.472,52 (trinta e quatro milhões, setecentos e quatro mil, quatrocentos e setenta e dois reais e cinquenta e dois centavos) à editora Abril, cujo produto mais célebre é a péssima revista que atende pelo nome de Veja.

Inclusive, em 18/05/2009, o Estado de São Paulo adquiriu 5.449 assinaturas dessa infame revista semanal, ao preço de R$ 1.167.175,80 (um milhão, cento e sessenta e sete mil, cento e setenta e cinco reais e oitenta centavos). Seria interessante saber-se para quê.

Essa foi uma denúncia e um pedido de investigação firmados por um indivíduo identificado e versando sobre um objeto delimitado. A partir dela, o Ministério Público de São Paulo instaurou um procedimento e não saiu por aí a levantar suspeições, nem a fazer solicitações ilógicas à editora Abril.

A resposta da Carta Capital à senhora Cureau.

A resposta da Carta Capital ao estranho pedido de informações da procuradora geral eleitoral é o texto que se transcreve adiante.

O pedido da senhora Cureau baseou-se em uma denúncia anônima. Não apontou, no requerimento de informações, de quê seria a denúncia.  Duplamente anônima, pode-se dizer.

A partir de uma denúncia anônima podem-se iniciar investigações, sim. Mas, não se pode expor o alvo da própria denúncia, porque o anonimato é vedado na constituição brasileira.

Se há uma denúncia anônima de mau uso de dinheiros públicos, pode-se instaurar um procedimento investigatório e, principalmente, indagar dos poderes públicos dos contratos que celebrou.

Não se podem lançar suspeições públicas a partir de uma denúncia anônima, isso é certo. Principalmente, não pode um órgão destinado a cuidar da legalidade fazer isso.

Se o problema a ser investigado são irregularidades no dispêndio público com publicidade, devem-se investigar esses dispêndios e, caso verifiquem-se, tentar identificar os agentes públicos responsáveis por eles.

Devem-se colher provas de que o fato denunciado anonimamente tem alguma consistência, para, então, dirigir qualquer solicitação a um particular.

Adiante, a resposta:

São Paulo, 20 de setembro de 2010.

Excelentíssima Senhora Vice-Procuradora Geral Eleitoral

Acuso o recebimento do ofício de número 335/10-SC, expedido nos autos do procedimento PA/PGR 1.00.000.010796/2010-33 e, tempestiva e respeitosamente, passo a expor o que se segue.

Para melhor atender ao ofício requisitório de relação nominal de contratos de publicidade celebrados entre o Governo Federal e a Editora Confiança Ltda. – revista CartaCapital –, tomamos a iniciativa e a cautela de consultar, por meio de repórter da nossa sucursal de Brasília, os autos do procedimento geradores da determinação de Vossa Excelência. Verificamos tratar-se de denúncia anônima, baseada em meras e afrontosas ilações, ou seja, conjecturas sem apoio em elementos a conferir lastro de suficiência.

Permito-me observar que a transparência é princípio insubstituível a nortear esta publicação, iniciada em 1994 e sob minha responsabilidade. Nunca nos recusamos, portanto, dentro da legalidade, a apresentar nossos contratos e aceitar auditorias e perícias voltadas a revelar a ética que nos orienta. Não podemos, no entanto, aceitar uma denúncia anônima, que, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal ao interpretar o artigo 5º, inciso IV, da Constituição da República (“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”), afronta o Estado democrático de Direito e por esta razão é indigna de acolhimento ou defesa e desprovida da qualidade jurídica documental.

A propósito do tema, ao apreciar o inquérito número 1.957-PR em sessão plenária realizada em 11 de maio de 2005, o STF decidiu, sobre o valor jurídico da denúncia anônima, só caber apurar a acusação dotada de um mínimo de idoneidade e amparada em outros elementos que permitam “apurar a sua verossimilhança, ou a sua veracidade ”.

Se esse órgão ministerial, apesar do exposto acima, delibera apresentar a requisição referida nesta missiva, seria antes de tudo necessário, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.784/1999, esclarecer e indicar os motivos da mesma, justificação esta que se encontra, me apresso a sublinhar, ausente da aludida requisição.

Cabe ainda ressaltar que todos os contratos firmados pela Administração Pública federal com a Editora Confiança, em atenção ao art. 37 da Constituição Federal, foram devidamente publicados em Diário Oficial da União e nas informações disponibilizadas na internet e, portanto, estão disponíveis à V. Excia.

Por último, esclarecemos que o levantamento de dados referido na requisição desse órgão implicará em uma auditoria nos arquivos dessa editora quanto aos exercícios de 2009 e 2010. Evidentemente, essas providências não cabem em um exíguo prazo de 5 dias, mas demandam meses de trabalho. Desse modo, se justificada adequadamente a realização de um tal esforço, indagamos ainda sobre a responsabilidade pelos custos correspondentes.

Ausente os pressupostos que justifiquem a instauração da investigação, requeremos o seu arquivamento. E mais ainda, identificado o autor da denúncia ainda mantido sob anonimato, ou no caso desta Procuradoria entender pela existência de indícios a dar suporte à odiosa voz que nos carimba de “imprensa chapa-branca”, nos colocamos à disposição para prestar as informações e abrir nossos arquivos e sigilos bancários e fiscais, observados, sempre e invariavelmente, os preceitos legais aplicáveis.

Atenciosamente,

MINO CARTA
Diretor de redação e sócio majoritário
Editora Confiança Ltda

Dentro da perda da memória, de João Cabral de Melo Neto.

Dentro da perda da memória

uma mulher azul estava deitada

que escondia entre os braços

desses pássaros friíssimos

que a lua sopra alta noite

nos ombros nus do retrato.

E do retrato nasciam duas flores

(dois olhos dois seios dois clarinetes)

que em certas horas do dia

cresciam prodigiosamente

para que as bicicletas de meu desespero

corressem sobre seus cabelos.

E nas bicicletas que eram poemas

chegavam meus amigos alucinados.

Sentados em desordem aparente,

ai-los a engolir regularmente seus relógios

enquanto o hierofante armado cavaleiro

movia inutilmente seu único braço.

Sarkozy faz jogo de cena.

O Presidente da França segue o receituário clássico para os mandatários de desempenho ruim, na política e na economia. Ataca o que não é causa dos problemas, mas que chama a atenção do público, porque ele encontra-se profundamente ligado ao imediato.

Dou-me ao luxo de escrever sem a menor preocupação com dados exatos. Não porque queira fazer ilações, mas porque as imprecisões não terão a mais discreta importância.Quem quiser, procure no google os números exatos, que devem ser muito próximos aos que presumo abaixo.

Ninguém que se ponha a pensar calmamente e preze um pouco o próprio intelecto acredita que os ciganos na França sejam a causa do que eles reputam problemas. Com quê os franceses estão preocupados? Com o desemprego, com a pequena diferença de rendimentos frente aos alemães, com o preço do pão, com a idade para reforma, com muita gente falando paquistanês nas ruas?

A França deve ter uma população à volta de 65 milhões de pessoas. Deve haver algo em torno de 10.000 ciganos neste país, o que significa menos de 0,1% da população total. Ou seja, apenas uma pessoa completamente leviana ou estupidificada pode supor que sejam a raiz de algum problema sério para o todo.

Deportar ilegalmente ciganos de nacionalidade romena ou búlgara, europeus, portanto, não serve a coisa alguma além de diversionismo e mudança de foco dos problemas reais e suas causas. É estúpido imaginar que dez mil pessoas causem problemas a sessenta e cinco milhões a ponto de precisarem ser tratados como os alemães fizeram a ciganos e judeus, sessenta e cinco anos atrás.

Sarkozy não é estúpido em tal medida, embora possa parecer, muito por conta do estilo que adota. Ele deve saber que os problemas da França não são apenas dela e que não está ao alcance de uma pessoa como ele aborda-los e mudar o rumo da história. O mal-estar francês e europeu em geral é muito mais difuso que um incômodo econômico.

Ele sabe bastante bem que os imigrantes em geral são necessários, porque há trabalhos que os franceses não fazem, e aqui não falo propriamente de ciganos, grupo que se convencionou dizer avesso ao trabalho. Sabe também que os sistemas previdenciários necessitam dos imigrantes, porque sem eles estariam mais quebrados ainda.

Ele sabe, enfim, que essa estória toda de imigrantes serem problemas é uma grande e profunda mentira e sabe que o problema real será quando essas pessoas quiserem imigrar para a China ou para os vizinhos dela. Aí, estará formado o clube dos velhos sem cuidados e sem forças para apertar um parafuso. Aí, sim, haverá problemas.

O público vive um mal-estar que é da decadência. Não necessariamente da decadência econômica, que seria leviano chamar assim a quem tem uma renda média per capita de 30.000 euros. Nem está o problema no fato dos vizinhos alemães terem essa renda média em 31.000 euros, que isso é desprezível e vive-se melhor em França que na Alemanha.

Essa decadência é o enfado da vida, que se vai vivendo dia-a-dia sem que o posterior seja diferente do anterior. Não há remédio para ela senão pensar nela, a fundo, historicamente. Um pouco como Antero de Quental propôs sobre a decadência de que ele falava dos povos ibéricos, nos últimos três séculos.

A energia vital decaiu, pouco importando para isso que haja ciganos, africanos, paquistaneses ou quem quer que seja. Esses, ajudaram a Europa a viver a decadência com serviços baratos e alguém para falar mal.

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