Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: novembro 2010 (Page 1 of 8)

O Ministro da Defesa pode ser informante dos EUA?

Os preciosos vazamentos de despachos da diplomacia norte-americana, pela Wikileaks, revelam uma bonita amizade entre o Ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, e o embaixador dos EUA no país, Clifford Sobel. Vê-se que houve almoços, reuniões, em que Jobim falava mal da diplomacia brasileira, o Itamaraty.

Não é papel do Ministro da Defesa almoçar com o embaixador dos EUA para falar mal da diplomacia do seu próprio país, evidentemente. Mas, de Jobim consta até que fraudou a redação de alguns dispositivos da Constituição Brasileira de 1988, inserindo-os no texto sem os levar à votação plenária na Assembléia, portanto…

Consta dos informes que Jobim revelou ao embaixador Sobel os problemas de saúde que acometiam o Presidente Evo Morales. Novamente, não parece minimamente adequado que um Ministro de Estado funcione como repassador de informações ou fazedor de fofocas.

Finalmente, Jobim mereceu de Sobel a honrosa qualificação de talvez um dos mais confiáveis líderes no Brasil. Realmente, assim procedendo, adequa-se bem ao modelo de político confiável para os EUA, passador de informações que não pertinem ao cargo, cortejador de embaixadores norte-americanos. Não é primeiro a vestir esse fato.

É interessante lembrar que está em curso uma grande licitação internacional para a compra de 36 aviões de caça para a Força Aérea Brasileira. E que há três competidores, sendo um evidentemente norte-americano, um sueco secundariamente norte-americano e um francês. O melhor caça é o francês Rafale, o que ninguém põe em causa. E a proposta francesa, a mais cara, envolve transferência de tecnologia e fabricação dos aviões no Brasil.

Curiosamente, um dos despachos da embaixada menciona que Jobim disse ao embaixador que o Ministro Samuel Pinheiro Guimarães – à época Secretário – Geral do Itamaraty – trabalhava para criar problemas, porque odiava os EUA. Mais curiosamente ainda, a licitação para a compra dos caças é feita pelo Ministério da Defesa, cujo titular é Jobim. Que dificuldades seriam essas que Samuel Pinheiro Guimarães criava?

Convém indagar da Presidente Dilma se esse é o tipo de Ministro de Estado confiável para o Brasil. Sim, porque para os Estados Unidos da América é, nas seguras palavras de seu embaixador.

Dificuldade de governar, de Bertold Brecht.

1

Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2

E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3

Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4

Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

Porque somos facilmente conduzidos à subserviência.

Se o triunfo da massificação foi um projeto deliberado de poder, terá sido o mais engenhoso e pérfido já levado a cabo. Sempre houve poder, dominação, dominantes e dominados, evidentemente. Mas, os meios e as estruturas sociais para o exercício e manutenção dos poderes tornaram-se realmente diferenciados, a partir dos finais do século XIX.

A violência é o meio de domínio por excelência e pode ser praticada fisicamente ou economicamente ou ainda juridicamente. Aqui, entra em cena algo bastante sutil, a violência aparentemente contida em uma forma assumida como civilizada, padronizada, conformada consensualmente. E aqui, sobressai a extrema similitude do jurídico com o propagandístico.

A violência física e a econômica são muito concretas, facilmente tangíveis, evidentemente percebidas. A violência embalada em discurso e normas é pura confusão, todavia. O jurídico e a propaganda são as cortinas-de-fumaça mais perfeitas que há para esconderem a violência real e fazerem a vítima não perceber onde está.

Que a massificação existe é algo passível de poucas dúvidas. Pode ser enunciada de várias maneiras teóricas e também mediante imagens, metáforas. Eu diria que uma delas é aquela do teatro em que a platéia é convencida de que tanto faz estar em qualquer dos lados do teatro. O espectador é convencido de que poderia estar, indistintamente, na platéia ou no palco, que não há diferenças de posições, nem de competências.

O espectador no palco, por mais que creia ser ator – sem saber como – é apenas espectador achando que é outra coisa. Acontece que a subida do espectador ao palco destrói o espetáculo, porque ele é incapaz de ser ator. Ele acredita, porém, no que lhe disseram, ou seja, que é muito capaz e que pode e deve ser protagonista. Sente-se afagado por essa elevação de espectador a protagonista.

Claro que o espectador pode tornar-se em ator, mas deve seguir um roteiro, pois não basta crer que pode. É mesmo desejável que vise ao protagonismo, que conheça os caminhos da representação, que se disponha a segui-lo e aos esforços que ele pressupõe. Mas, subir ao palco pura e simplesmente apenas acaba o espetáculo e rebaixa os atores.

Quando todos crêem que são os protagonistas, que são os felizes destinatários de um mundo a seu serviço, embora nada tenham feito para merecerem tamanha distinção, na verdade jogam-se na vala comum da dominação mal percebida. São observados pelos donos do teatro, que mantém a sua propriedade, agora, tornando o teatro em comédia enorme e desencontrada.

Realmente, a melhor maneira de um grupo de relojoeiros manter-se exclusivo é fazer crer aos demais que eles podem produzir relógios, que é a coisa mais fácil do mundo, que não se preocupem em estudar como se fazem relógios. Claro que eles não farão relógios, mas comprarão relógios, felizes e crentes de que se trata de alguma banalidade que, se quisessem, fariam.

Uma das maiores perfídias dos últimos tempos foi a idéia de que a imprensa é um setor ocupado em dar informações imparcialmente e de que tem algum respeito pelos destinatários das informações. Esse respeito inexiste, porque o domínio não respeita as massas profundamente ignorantes. Outra, foi que o direito é um conjunto de regras que é cumprido pelos que as redigem.

A imprensa não é imparcial porque a imparcialidade não existe. Nisso, não há problema algum, desde que haja informações e desde que o destinatário das informações saiba que há lados e interesses. O problema existe se o público acredita em imparcialidade mediática, enquanto ele mesmo pratica o maniqueísmo mais rasteiro, porque afinal não é capaz de sair da dicotomia bom e ruim.

Levado a achar-se importante e julgador suficiente de tudo quanto se diga – desde a vida sexual das abelhas ao programa nuclear da Coréia do Norte – o público compõe-se de indivíduos que projetam suas díades pessoais bom e ruim em tudo quanto se lhe apareça à frente.

A grande jogada – para recorrer à terminologia vulgar e mais precisa – foi levar o público a crer que decide, que é importante, que detém competências, que é o destinatário privilegiado das mensagens do poder. Ele, o público, não é nada disso e recebe um bombardeio diário de desimportâncias várias.

O resultado é que está completamente anestesiado e incapaz de diferenciar uma nevasca de um morticínio, um jogo de futebol de uma decisão de lançar uma bomba atômica.

Assim, oferece docilmente sua adesão à própria submissão, porque não a vê. Desde que tenha como tomar dinheiro emprestado para comprar o telefone mais recente, que possa seguir uma moda, que possa emitir alguma opinião desencontrada e clamar por liberdade de expressão, tudo está muito bem. Acha-se seguro, mas a roda gira somente para ele.

Essas considerações, fi-las a propósito das reações ao vazamento de comunicações diplomáticas norte-americanas. São coisas, em sua enorme maioria, que se sabem.

Os EUA manipulam tribunais, como na Espanha, para obter julgamentos favoráveis ao seu campo de concentração de Guatánamo. Escondem do público mas falam francamente entre si do morticínio de civis no Iêmem, por conta de um bombardeio. Desdenham da Inglaterra, que se esforça para destacar sua relação fraternal com os desdenhosos.

Revelam que a realeza saudita pediu para os EUA atacarem o Iran, embora também revelem que não há qualquer ameaça tangível. Revela o desdém arrogante com vários líderes, tratados de forma aviltante e ridícula. Revela que a Sra. Clinton pretende ter espiões, mais que diplomatas a seu serviço.

Julian Assange, o mentor da Wikileaks, que fez os vazamentos dos documentos publicados pelo El Pais, The Guardian, Le Monde e Der Spiegel é um benemérito. E, por sê-lo, será perseguido infatigavelmente e provavelmente preso ou assassinado.

Mas, impressionante mesmo é a confiança dos detentores do poder na estupidificação geral. Confiança que geralmente revela-se uma boa aposta, porque o vasto público é realmente estúpido e encontra-se anestesiado. Somente essa crença explica que os EUA, por meio da Sra. Clinton, diante da revelação de suas imposturas e crimes, digam que as divulgações agridem a comunidade internacional.

Ou seja, reagem com mais impostura, hipocrisia e mentira à revelação desses móveis sempre presentes nas suas ações. E, à exceção de meia dúzia de pessoas, essa nova dose de mentira e impostura, será a reação correta, porque a mentira é o dia-a-dia do público massificado.

O grande público massificado ficará com a impostura da Sra. Clinton e com a indignidade dos líderes que foram tratados de forma aviltante. Porque o grande público massificado é impostor e indigno e não tem a menor percepção de que o dinheiro que os contratantes da Sra. Clinton lhes empresta para que se julguem suficientes pode ser dado ou retirado.

Enfim, se essa massificação foi um projeto deliberado, deve ter tido a participação do Príncipe do Mundo, que apenas pessoas não seriam capazes de tão grande obra.

Wikileaks revela patifarias da diplomacia norte-americana.

A Wikileaks fez um enorme vazamento de documentos secretos do Departamento de Estado Norte-Americano, que revelam o modo de agir imperial: estupidez, grosseria, arrogância e impostura.

Os documentos revelam inclusive crimes, como mandar espionar a ONU e seus delegados, que contam com imunidade diplomática, ao menos formalmente.

Revelam que os funcionários diplomáticos norte-americanos, a par com certas tolices imensas, tratam seus súditos de outros países – ia dizer aliados, mas não estou para eufemismos – com enorme desprezo. E utilizam suas embaixadas como centros de espionagem, o que sempre se soube.

E persistem na mentira, na impostura, no embuste, firmes na crença de que o resto do mundo compõe-se de subordinados imbecis. Sim, porque não economizaram palavras vulgares nem com os chefes de estado de países realmente grandes, como Alemanha, França, Inglaterra, Itália e Rússia.

O máximo do ridículo é atingido depois do vazamento, quando a senhora Rodham Clinton diz que se trata de um ataque à comunidade internacional. Não, senhora Clinton, trata-se de um ataque ao vosso país e ao corpo de funcionários dirigido por si. Ataque à comunidade internacional são os métodos que vossa senhoria determina aos seus subordinados.

Fica evidente o baixo nível intelectual e de cortesia que os norte-americanos têm e eles reclamam do vazamento do que os compromete! E querem conquistar a solidariedade dos ofendidos para a causa deles.

Uma coisa é certa, se os líderes europeus, tratados de forma vil, prestarem-se a dar solidariedade à impostura da indignação norte-america merecem realmente uma posição subalterna e os tratamentos que lhes são dispensados.

A manhã passada com Mário de Sá Carneiro.

Acordo cedo, às vezes muito cedo. Agrada-me esse hábito, embora desagrade-me bastante ter que sair de casa cedo, porque não me acordo cedo para isso. Apraz-me ler, pela manhã, e hoje As confissões de Lúcio esperavam-me. Não sei se devia ter lido todo o volume de uma vez, porque um texto pequeno não é necessariamente um para ser lido de um fôlego só.

Talvez conviesse ter lido uma parte, ter saído, almoçado, trabalhado, jantado e voltado à casa. E ter lido o restante amanhã. Mas, não, deixei-me seduzir pela prosa de novela afrancesada, fin-de-siècle, psicológica, fluída, boa de ler, enfim.

Seria possível identificar suas condicionantes cronológicas sem se saber qualquer coisa sobre o autor, nem mesmo as datas próximas de nascimento e morte; muito próximas. Seria possível perceber a proximidade dessas datas a partir do texto.

Claro que as pessoas são, entes de mais algo, elas mesmas. E que, nada obstante, essas pessoalidades também são dos seus tempos. Aqueles tempos foram de aceleração espiralada, vertiginosa, como são todos antecendentes a grandes travadas históricas.

Mas, não se trata de aprisionar Sá Carneiro nas circunstâncias temporais, que a psicologia na obra revela mais que um tempo e mais que um morredor breve. Pareceu-me revelar uma personagem levada pelo tempo ao que deveria visitar e ao que deveria compreender, porque afinal compreende.

A psicologia é, talvez, o xamanismo, como diz Levi-Strauss cientificamente. A tragédia não-trágica da culpa com culpa; a proposta da redenção sem imortalidade.

Lúcio, a personagem confitente, explica porque foi encarcerado por dez anos, condenado por homicídio. Explica depois de cumprir a pena, porque não se animou a explicar-se ou a defender-se no julgamento. E não o teria feito por perceber a inutilidade disso,  ou por simples desprezo pelo tribunal, que Lúcio não foi Mersault.

Talvez não o tenha feito tampouco por julgar-se afinal inocente ou apenas parcialmente culpado. Fica a parecer que deixou-se inerte por assombro, por incompreensão ou por pura inocência material conjugada com culpa eficiente. Lúcio, acho-o eu, não percebeu o que se disse por palavras claríssimas que, todavia, não lhe soaram assim. E não cuida de rearmar um quebra-cabeças, ao depois.

Parecia embrigado pela fada verde, ele que também parecia muito lúcido nos seus escritos. Não convém confundir Lúcio com Mário, todavia; confusão bastante fácil de ocorrer se uma e outra circunstância da vida do escritor é conhecida. Mário é um escritor finíssimo, que mereceu de Fernando Pessoa o elogio com as palavras de Plauto: Morre jovem o que os Deuses amam.

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