Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: fevereiro 2011 (Page 1 of 3)

Tão ridículo que chega a ser engraçado.

Não busco, nem afirmo limites para a tolice, porque não existem. Tampouco me assusto com a desimportância tratada como assunto sério, mas certos casos desse triunfo massificador realmente chamam a atenção.

Lê-se no portal de internet iG o seguinte: Vinho e cinema: veja qual vinho combina com seu filme predileto ao Oscar 2011.

Não vi o negócio do vinho, até porque nunca vi Oscar, como nunca vi premiação alguma para os maiores vendedores de algum setor comercial. E, por outro lado, não preciso de desculpas para tomar vinho, ia-me quase esquecendo de apontar, e acho que vinho combina ou não com comida.

Isso que fizeram com vinho e filme predileto, fazem-no com tudo, oferecendo receitas e sugerindo relações entre coisas, que de tão tênues e superficiais parecem com o espírito público de algum político.

E o público gosta e consome essas receitas, sente-se homenageado com o zelo de algum especialista que cuidou de pensar em algo destinado a ele, público. Ele que provavelmente acha chique falar em vinhos e em filmes de Oscar – imagine-se, então a relação dessas duas coisas – mas provavelmente não tem das duas qualquer idéia própria ou mais profunda.

Alguém parará a meditar que a relação entre um vinho e um filme de que gosta está precisamente no gostar de ambos e só? E que, sendo assim, a receita mágica dessa associação não pode vir de fora?

É interessante que isso funciona porque as massas são profundamente infantilizadas, têm que ser guiadas e cuidadas por oferecedores de gostos e opções pré-ordenados, têm que ser instruídas sobre como fazer isso e aquilo, sobre o que deve ser considerado chique. É a mesma infantilização que leva a que se creia ter um catálogo de direitos sem correspondentes obrigações.

Que leva a crer nas possibilidades infinitas de sempre se desculpar dizendo que algo foi sem querer-se. Que leva a crer que os limites nunca foram atingidos e quando forem não haverá consequências.

A mesma lógica, enfim, que encontrou o melhor protótipo no senhorzinho satisfeito, a figura que precisa de uma recomendação de vinho adequado a filme e que se revela capaz de qualquer violência ou absurdo e posteriormente invoca a própria ignorância em defesa.

O vinho que combina com seu filme predileto!

 

Arrogância judiciária e a empulhocracia brasileira.

O chefe do sindicato dos juízes federais brasileiros disse que a categoria estava perplexa e chocada – um dia ainda se volta para o português escandalizado – com a resistência da Presidente Dilma Rousseff ao pedido de aumento salarial de 15% dos juízes. Eles têm salário inicial de R$ 21.000,00 e acham pouco, esse é o caso.

À parte o dinheiro, a indignação judiciária deu ocasião à espontaneidade e à sinceridade, coisas maravilhosas, um tanto raras, a revelarem profunda arrogância e percepção enviesada da realidade. O líder da corporação judiciária teve ocasião de afirmar que o governo não pode tratar um poder independente como se estivesse em uma negociação com motoristas de ônibus.

Mais adiante, outra afirmação interessantíssima e sistematicamente incoerente, a de que o governo não pode desconhecer o poder político dos juízes. Enfim, depois da arrogância, a volta ao disfarce e à confusão conceitual. Essa estória de poder independente associa-se à função deste poder e nada mais, ou seja, a independência é para aplicar a lei cabível a um caso. Não existe independência para resolver quanto se ganha, independentemente do resto do país e dos outros poderes.

O poder político dos juízes é uma impossibilidade no plano teórico, embora haja no plano real, evidentemente, como qualquer poder, que se baseia em chantagem. Não se trata de qualquer ilegalidade afirmar e praticar o poder político, apenas não se deve pretender que ele seja alguma prerrogativa institucional dessa classe burocrática. Trata-se, pura e simplesmente, de fazer pressões, como as podem fazer quaisquer classes.

A entrada em cena com formas de pedir explícitas e próprias de barganhas políticas vulgares é reveladora e significa uma boa tomada de riscos. É difícil recuar depois de se apresentarem as mais poderosas armas da chantagem, depois de chegar-se às etapas mais explícitas, sem se ter passado pelas sutilezas iniciais de rotina.

Com relação à arrogância e ao preconceito expressados contra os condutores de ônibus, a reação foi previsível e bem pensada. O chefe do sindicato dos motoristas afirmou o óbvio, ou seja, que houve preconceito explícito, e disse que dará entrada em ação contra o líder dos juízes federais. Isso basta, não interessa se terá êxito ou não.

É bastante complicado prever o esgotamento de algum ciclo, porque as condicionantes são muitas e diversas e ocorrem as euforias pré – morte. De maneira geral, a burocracia estatal brasileira não vive ciclos, porque sempre tem sido bem aquinhoada. Falo de maneira geral, porque dentro dela, há ciclos a envolverem uma e outra classe.

Como nunca alternamos propriamente momentos históricos marcados pelas opções políticas puras entre esquerdismo e direitismo, ficamos restritos a perceber os momentos pelas alterações nas classes burocráticas alçadas a intermediárias privilegiadas na simbiose do Estado com as grandes corporações privadas.

Enfim, na intermediação da predação privada dos dinheiros públicos alternam-se grupos e classes burocráticas, ao sabor de um padrão perceptível de alternâncias. Os limites cronológicos entre o predomínio de um e outro grupo não são fixos nem claros como uma linha divisória, evidentemente.

A lógica interna dos grupos demanda que sempre se busque mais, porque nunca se pode consolidar a idéia de ter-se chegado a um máximo, por razões evidentes: depois do máximo, sempre se decai!

Apenas como exemplo, lembro que recentemente, há pouco mais de vinte e cinco anos, os intermediários privilegiados da relação entre o Estado e as grandes corporações privadas eram os grupos burocráticos das empresas públicas de energia, telefonia, petróleo e do setor bancário. Esse grupo teve sua posição privilegiada demolida em poucos anos, em decorrência dos consulados de dois Fernandos Presidentes.

As linhas burocráticas jurídica e fiscal retornaram ao centro da cena e instalaram-se nas posições destacadas de apropriação das rendas estatais e de interlocução com os capitais privados. Na verdade, para os grande capitais, pouco ou nada importa essa alternância que se dá nos estratos médios – superiores da sociedade, porque essa camada ganhará as migalhas e sempre prestará vassalagem ao poder real.

Para que se constitua o que chamo empulhocracia jurídica são necessárias demandas e problemas judiciais em grande escala. O setor privado não as consegue prover na quantidade suficiente, a despeito das causas trabalhistas. Então, o Estado tem que desempenhar esse papel de criar o problema cuja existência interessa a todos.

O Estado atende a esse chamado, porque afinal sua vontade resulta das muitas vontades minimamente divergentes dos funcionários que dele se apropriam. Nesse ponto, alguém pode objetar o previsível, ou seja, que não se faz isso ou aquilo deliberadamente para que dê errado e crie problemas.

Realmente, se se vir a coisa toda com lupa, tomando-se um agente público isolado e o analisando, indagando suas inclinações psicológicas, seus motivos determinantes, suas finalidades declaradas, não se extrairá que aja deliberadamente para alimentar o sistema de problemas artificiais que se retro-alimentam.

Mas, o sistema todo confirma a tese e age por uma cumplicidade inercial independente dos seus componentes isolados. Se é preciso uma justificação, ainda que aparente, se são precisos atos que depois parecerão absurdos, para que um grupo tenha seus momentos de destaque, eles serão feitos.

No caso da empulhocracia jurídica, convém dizer que o sistema não atende somente aos interesses de uma burocracia estatal, porque os advogados privados são parte de uma estreitíssima simbiose, em que todos têm interesse nos problemas. Claro que todos viverão a falar mal da qualidade das leis, do desrespeito a elas, dos arbítrios do Estado, ou seja, de tudo que lhes resulta em ganhos.

A parte maior da litigiosidade judicial brasileira envolve o Estado. Alguém que não seja parte dessa cumplicidade, quero dizer, alguém que veja a coisa de fora e que tenha conhecimentos jurídicos, dirá que isso é um absurdo. Sim, porque o Estado – na forma de república democrática representativa constitucional – é a entidade em que o poder soberano do povo está funcionando praticamente.

Ora, a ação estatal não pode resultar em tantas e tamanhas ilegalidades, na medida em que ele é e faz a legalidade. Um problema do Estado ou contra ele resolve-se legalmente, nele. A demanda judicial contra o Estado é, portanto, uma anomalia, uma excepcionalidade, assim como são suas consequências práticas: uma justiça só para demandas estatais, um corpo de advogados do Estado, um corpo de fiscais da lei deste próprio Estado.

Se o número estupidamente elevado de causas deve-se aos defeitos das leis, está óbvio que todos são partes interessadas em que as leis tenham defeitos, porque não se cuida aqui de uma ciência obscura, para iniciados, senão que se cuida pura e simplesmente um sistema hierarquizado de adequações modelares.

As engrenagens desse sistema terão que seguir seu rumo de repetição de críticas aos erros e abusos, sempre dos outros, assim indefinidamente, porque não podem ou não conseguem ver o substrato do que está em marcha. Os serviços, entre eles os de resolução de conflitos legais, existem para a excepcionalidade deles acontecerem e, não o inverso. Ou seja, os conflitos não existem para que haja os serviços.

No final e ao cabo, trata-se de decisões políticas, que os agentes políticos tomam para atender aos mais variados interesses e sentem-se à vontade para tomá-las nas piores formatações possíveis. A cumplicidade na má-conformação dos atos legais é amplíssima, portanto, e se alimenta dela mesma.

Se, por exemplo, uma qualquer matéria legal dá ensejo a milhões de causas nos tribunais e se quer sinceramente que essas causas deixem de existir, basta resolver legalmente o que está a ser resolvido no mesmo sentido em milhões de processos diversos! Quem perde com a obviedade, essa é a questão!

 

 

 

Shopping Manaíra, morte, espetáculo e escravidão.

Aconteceu o seguinte, conforme lê-se no sítio de notícias WSCOM: um homem de meia idade, pelo 50 anos, estava no Shopping Manaíra, em João Pessoa, na Paraíba. Começou a sentir-se mal e a gritar por ajuda, porque sentia fortes dores no peito. Uma mulher dispôs-se a ajudá-lo, levá-lo ao carro e daí ao hospital.

Nesse passo, chegaram os seguranças do tal shopping center, afastaram a mulher e arrastaram o homem para a calçada, deixando-o lá. O homem morreu na calçada da entrada do centro comercial, de enfarto fulminante, sem socorro.

Há e ainda continuarão as reações previsíveis, ocorridas dentro do modelo e que não o modificam, de indignação emocionada. O lugar-comum dessa indignação é insensibilidade. Será gritado e repetido à exaustão, inutilmente. Cessarão os gritos, esquecer-se-á o acontecido, até que outro escândalo volte a despertar a indignação e a ensejar queixas contra a insensibilidade.

Tudo será percebido como um fato isolado, escandaloso mas isolado. Passados os frêmitos iniciais e cessados os gritos de insensibilidade, passa-se a esperar o fato seguinte, a ser percebido da mesma e exata maneira, ou seja, como se não fossem sintomas de uma moléstia maior.

Ninguém deixará de frequentar esse templo de múltiplos altares, o shopping center Manaíra, nem qualquer outro. O problema está precisamente em que são templos, dedicados à religião do imediato, da abundância mercantil, da dominação avassaladora que os dominados não percebem.

Nessas engrenagens demoníacas, são curiosos os papéis de alguns escravos. Digo alguns porque todos o são, inclusive o morto, então convém apontar de qual deles se fala. Os seguranças do estabelecimento estão entre os escravos pior posicionados segundo uma escala que considere rendimentos apenas. Socialmente, sob uma perspectiva mais ampliada, é um papel que daria várias teses de investigação científica.

O segurança, mais especificamente no Brasil, faz parte de um aparato de contenção social e busca ser simpático com seus senhores, ao máximo. O máximo de simpatia ou de competência no trabalho corresponde às atitudes que julga serem as mais desejáveis pelo senhor.

Os senhores querem tranquilidade, querem os problemas afastados, querem aparência de tranquilidade, para que os sacrifícios possam ser oferecidos nos templos da abundância comprada a crédito. Querem segurança, ou a aparência dela, querem que o evento sujo, estranho, imprevisto, seja afastado para longe.

Os escravos ávidos de bem servir ao senhor serão sacrificados sem oportunidade de invocar em defesa suas competências e  sua lealdade. Se agissem sem competência e deslealmente, seriam sacrificados da mesma forma. Eis o que não se quer perceber: aqui há pouquíssima aleatoriedade, quem perde é sempre o mesmo lado.

A platéia de escravos outros aplaudirá o sacrifício de uns seus semelhantes e o espetáculo seguirá seu rumo.

Me gusta cuando callas, poema de Pablo Neruda.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.
.
Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.
.
Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
Déjame que me calle con el silencio tuyo.
.
Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.
.
Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

Canción para Pablo Neruda, de Atahualpa Yupanqui.

Pablo nuestro que estás en tu Chile,
Viento en el viento.
Cósmica voz de caracol antiguo.
Nosotros te decimos,
Gracias por la ternura que nos diste.
Por las golondrinas que vuelan con tus versos.
De barca a barca. De rama a rama.
De silencio a silencio.
El amor de los hombres repite tus poemas.
En cada calabozo de América
un muchacho recuerda tus poemas.
Pablo nuestro que estás en tu Chile.
Todo el paisaje custodia tu sueño de gigante.
La humedad de la planta y la roca
allá en el sur.
La arena desmenuzada, Vicuña adentro,
en el desierto.
Y allá arriba, el salitre, las gaviotas y el mar.
Pablo nuestro que estás en tu Chile.
Gracias, par la ternura que nos diste.

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