Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: março 2011 (Page 2 of 5)

Loucura, linguagem e liberdade, um trechinho de Lacan.

“Longe de a loucura ser um fato contingente das fragilidades de seu organismo, ela é virtualidade permanente de uma falha aberta na sua essênsia. Longe de ser um insulto para a liberdade, ela é a sua mais fiel companheira, seguindo seu movimento como uma sombra. E o ser do homem não somente não poderia ser compreendido sem a loucura como não seria o ser do homem se, em si, não trouxesse a loucura como o limite da liberdade.”

Paulo Henrique Amorim: a sutileza genial.

Transcrevo, adiante, a postagem do blogue do Paulo Henrique Amorim chamada A fonética do Ministro Marco Aurélio e o “I”. Paulo Henrique é o jornalista e blogueiro brasileiro mais inteligente e de escrita mais elegante e simples  que há. Às vezes, supera mesmo o padrão elevado que tem.

 

Este ansioso blogueiro assistiu a trechos da votação da Ficha Limpa – clique aqui para ler “Fux ilumina o STF – ele aqui e o Gilmar lá”.

Este ansioso blogueiro se impressionou com alguns traços do Ministro Marco Aurélio de Mello, ao anunciar seu voto.

Tão impressionado que decidiu recorrer ao notável professor de fonética Henry Higgins, que o amigo navegante conheceu no My Fair Lady.

– Professor Higgins, de onde vem aquele “l” final das frases interminaveis do Ministro Mello ?

– Quisera eu saber, my dear, respondeu com humildade.

– É um “l” que se prolonga, que não tem fim, que parece que vai esbarrar no próprio eco.

– Meu filho, na língua portuguesa,  normalmente …

– Normalmente, interrompi.

– Sim, normalmente, o “l” se pronuncia como um “u”. Fauta, pauta, brasiu, funiu, tiziu …

– Sim, mas o “l” do insigne ministro não se rebaixa a um “u” …

– Repare que os gaúchos ás vezes empregam o “l” como em Portugal. Assim, mais longo, puxado para cima

– Sim, mas isso é em Portugal.

– O “l” , meu filho, sai quando o ar passa pelos cantos da boca, ao lado da língua – é assim que é pronunciado.

– Isso, normalmente, no Brasil. E como sai o  “l” do Ministro ?

– Ele nasaliza o som e provoca uma vibraçãozinha, como se o “l” fosse uma consoante uvular e não é.

– Calma, professor Higgins. Não precisa esbanjar … mas, por que há essa promoção do “l” à nobre categoria da consoante uvular ?

– Pedantismo, meu filho. Só pedantismo.

– Outra pergunta, notável professor Higgins: o senhor reparou que o dedo indicador do insigne Ministro não indica, não aponta para a frente ?

– Como assim ?

– Na hora agá, professor, o dedo indicador fica no meio do caminho. Ele imbica para baixo. Interrompe a trajetória prevista. Ele dribla o espectador.

– Você já ouviu falar em “body language”, não é  isso ?

– Sim, linguagem do corpo.

– Claro, respondeu o professor Higgins. É a mesma coisa. Chamar a atenção, afetação.

– O senhor sabe quem inventou essa tragédia ?

– Qual delas ?, ele pergunta.

– A transmissão ao vivo da sessão pública do Supremo, pela TV.

– É pior que uma tragédia. É ridículo !, sentencia Higgins.

– Pois, o pai do ridículo é o Ministro Marco Aurélio de Mello,  quando Presidente do Supremo.

– Eu desconfiava. Elisa me disse qualquer coisa sobre isso.

– E o dedo indicador que não indica mas imbica ?, pergunto.

– Pedantismo !

– O senhor recomendaria algum gesto que chamasse ainda mais a atenção do Ministro Mello no horário nobre ?

– Sim, sim, claro. Ele poderia imitar aquele truque genial do Marlon Brando no Poderoso Chefão

– Qual, professor ?

– Colocar algodão no vestíbulo, entre a gengiva e o lábio superior. Ninguém sabe bem por que, mas teve um efeito espetacular ! Sucesso total ! A frase mais banal parecia primorosa !

– Mas, aí, professor, o Ministro vai perder o “l” uvular.

– Meu filho, ele tem que escolher. A vida no horário nobre é feita dessas escolhas.

Pano rápido!

Paulo Henrique Amorim

Khadafi, o bem-amado!

 

Esse painel de fotos é lindo! Nele, vê-se o Leão da Cirenaica – o apelido é por minha conta – junto a simpáticos amigos: Obama, Sarkozy, Berlusconi, Aznar e Blair. Que homem bem-querido!

Na cara de Sarkozy é possível distinguir, com algum esforço de interpretação fisionômica, a gratidão.

Porém, bastou-lhe a audácia de anunciar que venderia petróleo somente para a China, Rússia e Índia para… tornar-se um enviado do Príncipe do Mundo e tome bomba na cabeça.

Abram-se faculdades de medicina em cada esquina!

Pode ser bom escrever com raiva, desde que se saiba bem estar possuído por tal inclinação. Saber-se disso já é deixar a raiva escoar. E, escrever nesse momento mantém a incisividade que o passar do tempo pode retirar.

A escassez de médicos e outros profissionais do tratamento de saúde cobra um preço enorme da sociedade. E gera boas remunerações para os que aí estão, mas não é disso que se trata, não se trata de ganharem bem ou mal, que entrar nessa discussão é cair voluntariamente em armadilha.

O problema é do outro lado, ou seja, do lado dos destinatário dos serviços. Esses pagam – ou o governo paga por eles, embora haja médicos que recebam dos dois – e recebem um serviço ruim! Recebem um serviço pouco, qualitativa e quantitativamente e demorado e arrogante e que se supõe impossível de ser de outra forma.

Abram-se faculdades de medicina em cada esquina, pois. Aumente-se o número de médicos, para que o serviço melhore, ao menos quantitativamente e que tenha reduzido seu componente de arrogância, derivado direto da escassez.

O argumento elitista e sofístico contra essa ampliação gira em torno a qualidade ou, melhor dizendo, a uma possível queda da qualidade dos profissionais. Esse argumento é, ele próprio, imensamente arrogante, pois baseia-se na suposição de que a qualidade de todos os profissionais é grande.

O que é grande, na medicina brasileira, são os investimentos materiais, em equipamentos, em clínicas com assinatura de arquitetos que se poderiam chamar decoradores do mau-gôsto dominante de cada ciclo de dez anos. Ontem, mais doirados, hoje mais painéis escuros, amanhã qualquer bobagem visual que a moda dite.

Só piora o que é bom, deve-se ter isso em mente, bem fixadinho, para evitar os raciocínios de inverdades óbvias. E a saúde, serviço público ou privado de resolução e criação de estados mórbidos não vai bem, neste país. É difícil fazê-la pior do que está.

Os grandes médicos são poucos, como em qualquer outra profissão. E isso faz sentido, porque os grandes problemas clínicos também são poucos. E os grandes médicos são precisamente aqueles que não se ocupam de fazer o discurso contra o aumento do número de cursos e de profissionais, porque sabem que isso é uma questão estatística.

A enorme maioria dos problemas é trivial, algo que um profissional que saiba ler e escrever e tenha boa-fé resolve. O grande problema, enfim, é de disponibilidade e de não se entregar à estupidez absoluta. Havendo uma e não havendo a outra, estará tudo bem.

Mas, os preocupados com a manutenção da reserva de mercado discursarão bravamente, eles mesmos que não fazem mais que atender em escala industrial, utilizando 10% de alguma ciência médica que tenham decorado na faculdade e tenham-se apressado em esquecer, ao depois de receber a carteira do CRM. É natural, quem faz reclama de quem fará o mesmo.

Mas, o triunfo do discurso pela qualidade – pelos que não trabalham com ela – implica na manutenção das esperas de três ou quatro horas por alguma bobagem, implica nas mortes de pobres em hospitais públicos, implica nas cobranças duplicadas ao governo e aos pacientes.

A questão é saber-se se o país, um conjunto discretamente maior que o número dos médicos, quer isso.

Tristango, de Astor Piazzolla.

Tristeza são harmonias complicadas ainda que perceptíveis; uma linha melódica que não chega a ser uma fuga, mas quase. Uma coisa que roda, o tango – velho ou novo – é uma coisa que roda, uma coisa concéntrica. Rodinhas menores que ao rodar traçam uma roda maior, uma dança, enfim, de morte…

Escute, quem for escutar, até ao fim, com calma, deixe-se levar, mas preste atenção.

Dignidade mantida: Mantega, Pimentel, Mercadante, Tombini e Lobão.

Uma palestra, ou encontro, ou a coisa sob qualquer nome que se lhe queira dar, ocorreu em Brasília, a reunir centenas de empresários brasileiros e norte-americanos. À tarde, chegaria Obama, para falar a essa audiência sôfrega pela visão do deus encarnado.

Cinco Ministros de Estado brasileiros foram ao tal encontro: Guido Mantega, da Fazenda, Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Edison Lobão, de Minas e Energia, Aloísio Mercadante, de Ciência e Tecnologia, e Alexandre Tombini, Presidente do Banco Central.

A segurança, toda composta de agentes norte-americanos, quis impor aos Ministros de Estado revistas de segurança, daquelas que fazem o revistado tirar até os sapatos. Isso, no país deles, Ministros! Vejam, não se tratava de identificar as personagens, mas de revistá-las.

Negaram-se a essa indignidade os nomes ai de cima e foram-se embora, pura e simplesmente, como qualquer homem minimamente honrado faria.

Retrato do Brasil: a opinião de um jornalista sobre o médico preso.

Lê-se, hoje, no Jornal da Paraíba, na coluna de um jornalista, uma nota que é um instantâneo do modelo de sociedade que criamos: excludente e consagradora da igualdade relativa.

A nota, que começa com um lugar-comum tolo de latinice jurídica, permissa vênia, está escrita em tom de opinião. O jornalista diz que pessoalmente entende que as punições ao médico que cobrava ilegalmente por atendimentos pagos pelo Estado não devia estar preso em uma cela comum de presídio, que isso é punição muito rigorosa.

Os lugares-comuns e a redundância de falar-se em entendimento pessoal não importam aqui. Importam a afirmação de excesso de rigor, de falta de necessidade de prender-se o médico em cela comum e, principalmente, o que vem no segundo parágrafo da nota.

No segundo parágrafo, tudo está claro. O jornalista sugere que, para a sociedade, são mais interessantes punições de natureza pecuniária. Subjacente a essa noção está a lógica da igualdade relativa e da inflexibilidade social.

Significa que pessoas não-comuns – médicos, por exemplo – não podem ser presos em celas comuns. Significa, na verdade, que pessoas não-comuns não devem ser presas e, sim, pagar em dinheiro quando apanhadas a delinquir.

Ou seja, devem ser estabelecidos níveis diferentes de punições, segundo as posses das pessoas, e quem não tem dinheiro é punido com a perda da liberdade, ao passo que os possuidores são punidos com pagamentos. É a teoria da punição censitária, suprema afronta ao princípio de igualdade.

Para não parecer a defesa da desigualdade, pura e simplesmente, os propagadores disso inserem nos seus discursos o elemento eficácia. Dizem que a punição em dinheiro é mais eficaz para quem tem dinheiro para suportá-la. Na verdade, ocorre precisamente o contrário, porque quem tem dinheiro teme menos a punição incidente sobre o que tem.

Todos, sem exceção temem mais a reclusão, a privação de liberdade. Assim, sendo a reclusão a represália estatal mais temida, é também a mais eficaz do ponto de vista da prevenção, evidentemente.

O discurso é de uma fragilidade conceitual escandalosa, um sofisma mal-disfarçado, mas sempre se insiste nele e com êxito, pois fica a parecer sutileza intelectual e refinamento. Não passa do suporte intelectual mal desenhado da exclusão e da diferença ,que mantém classes de pessoas absolutamente distintas nesse país, embora as leis, os papéis, isso que nada vale, afirmem o contrário.

Para desmistificar simplesmente essa tese da eficácia das penas pecuniárias para os mais ricos, consideremos o seguinte:

um fulano tem 1 milhão de reais, no banco; uma conduta é considerada ilícita e a lei prevê para ela o pagamento de 100 mil reais de pena; a mesma conduta considerada ilícita agora resulta em reclusão de cinco anos. De qual das penas o fulano terá mais receio? Qual delas será mais eficaz para demovê-lo da conduta ilícita? A que está ao alcance dele ou aquela que não se resolve com dinheiro? É simples…

Bombardeio da Líbia. Ataque cirúrgico!

Os franceses começaram – divertem-se com os capazes Rafales – o bombardeio da Líbia. Os norte – americanos seguiram-nos e dispararam mais de 100 mísseis de cruzeiro Tomahawk. Assim, muito singelamente, começa a intervenção humanitária dos impérios, a bem de defender os civis nos países colonizados: com bombardeios aéreos e míseros 100 mísseis.

A intervenção humanitária com bombas e mísseis faz-se como sempre: matando e destruindo tudo que se diz defender. A intervenção humanitária a bem dos civis merece um nome próprio no jargão militar atual: ataque cirúrgico. Um dos nomes mais cretinos e inapropriados entre tantos lugares-comuns.

Comparar-se um bombardeio com uma intervenção cirúrgica é algo como falar de uma cirurgia feita com um machado, um cutelo e uma agulha de costurar saco de couro. Não há coisas menos assemelhadas que uma saturação de bombas e uma operação cirúrgica.

Uma cirurgia que se comparasse a um ataque com mísseis de cruzeiro seria um sangramento, uma destruição, um esgarçamento de tecidos, um rompimento de todos os vasos sanguíneos que somente poderiam resultar na morte do paciente. E é isso mesmo.

É cirurgia que se faz em cadáver a ser enterrado desfigurado, costurado a pontos largos, cheio de equimoses e crosta de sangue coagulado, cadáver a ser velado em caixão fechado, de tão feio que é.

Assim defendem-se os civis – porque a palavra dá autoridade, como se militares não fossem gente. Defendem-se civis matando-se civis, claro! E defendem-se civis segundo peculiaríssimos critérios de escolha dos civis que devem ser defendidos.

Civis de outros países não devem ser defendidos, mas os da Líbia devem sê-lo, sendo mortos. Civis de países dóceis ou daqueles em que as revoltas foram docilizadas, esses que cuidem de si. Civis que o rei da Arábia Saudita manda matar não são civis, evidentemente. Civis do Bahrain são alguma coisa diferente.

O caso é que a mão pesada dos Rafales e dos Tomahawks cai sobre os inimigos. Certo, assim funcionam as coisas. Mas, digam-nas, às claras. Digam que matam os inimigos, os que têm a ousadia de revelar que os subornaram, os que têm o petróleo de que precisam.

 

« Older posts Newer posts »