Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: junho 2011 (Page 1 of 3)

Poder e as prisões da alma. O prisioneiro concorda em dar sua dignidade.

 

Uma velha doente, tem leucemia, de 95 anos, foi submetida a uma revista e a retirar a fralda geriátrica, em um aeroporto da Flórida, nos EUA. O funcionário da segurança do aeroporto percebeu algo estranho em sua perna. Levada para uma sala à parte, a filha da idosa foi obrigada a assea-la, sim, porque estava suja, antes que os funcionários a revistassem detalhadamente. Revistar detalhadamente uma idosa de 95 anos, despida!

Sim, os funcionários de um aeroporto norte-americano vêm perigos em velhas de 95 anos, doentes, incapacitadas. Põe-nas em situações mais aviltantes que aquelas já proporcionadas pela vida. Reduzem a dignidade ao rés do chão, porque afinal não têm qualquer rasto dela; não acreditam nela, não a têm em si e, assim, não podem reconhecer a perda do que não conhecem.

Dirão a palavra segurança, mil vezes, se se acharem obrigados a dizerem algo. Mas, segurança não têm a mínima idéia do que seja, escravos de uma engrenagem demoniacamente democrática no rebaixamento. Sentem prazer em fazê-lo? Provavelmente, um prazer difuso, mal percebido, mas sempre um prazer. De poder, de rebaixar indistintamente, de deixar claro o poder que reside em igualar desigualando na insensatez. Fazer triunfar a insensatez animalesca com alguma desculpa que mal compreendem.

E está tudo ordenado para que o agredido, o humilhado, um pouco menos bestializado que o agressor, ainda assim sinta-se obrigado a buscar para a agressão uma explicação racional. Para submeter-se fazendo sua submissão ser algo voluntária, como que inescapável, porque afinal os poderes são fortíssimos e ser diferente é indecente.

Terá passado pelas cabeças da idosa e de sua filha mandarem tudo à puta que os pariu e dar meia volta, desistir da viagem? Talvez, mas seria escandaloso nesse país campeão em hipocrisia e violência, que fala em liberdade, como de um nada qualquer, e não respeita qualquer liberdade. Seria mais constrangedor ser livre que ser escândalo a não aceitar voluntariamente a falta de liberdade e a humilhação da canalhocracia.

Assim operam os poderes fortes nos discursos técnicos ou científicos. São irresistíveis até sem coacção física, porque são poderes do discurso epistemológico. Encarceram coercitivamente apenas nos casos mais extremos, como a prisão, o manicômio ou o hospital. Não há recursos, não há apelações, não há outras instâncias, pois todas são escalas da mesma coisa.

Sem coerção física coagem pelo medo da diferença. E não se cuida do medo da diferença social, somente, mas do medo da diferença entre o normal – aquele que acredita no saber técnico – e o anormal, aquele que acredita em si. Dá medo duvidar do especialista, do detentor do saber técnico, seja ele jurídico, psiquiátrico ou médico, ou seja, de qualquer enunciador de um saber poder.

A liberdade é Monicelli, mas há poucos dele…

B Fachada, uma pequena reação aristocrática. Ele parece reinvindicar Hermes.

Alheio a tudo que não conheço – o que é um truísmo purinho – obviamente não sabia quem era B Fachada.

Olívia voltou de Portugal e trouxe-me a única coisa que me podia agradar, a mim que não queria e não quero nada trazido de viagens, porque fico sem conseguir disfarçar minha indiferença. Mas, Olívia é inteligente e trouxe-me simplesmente o Público de ontem, em papel. Trouxe-me ainda outras coisas boas, como portadora, manifestações de uma cordialidade e de uma inteligência que me fazem falta: livros bons mandados por Miguel, mas essa é outra estória.

O jornal de sexta-feira vem com um razoável caderno cultural, um que acho ruim e complicado ler nas páginas da internet. Nada como papel, convenço-me cada vez mais. No papel do caderno estava uma reportagem com entrevista, sobre Deus, Pátria e Família, música de vinte minutos de B Fachada.  Evidentemente que é uma provocação, e principalmente com aqueles que aparentemente não são os destinatários dela. Sim, porque o destinatário aparentemente natural não verá a coisa senão vulgarmente, como reedição de um jogo já jogado.

O cara, o tal B Fachada, apresenta um pouco de reação aristocrática, que se percebe tanto na música, quanto na letra. A música tem frases melódicas lineares, simples, agradáveis pareceram-me. Tem fragmentações harmônicas bem marcadas, porque são vários pequenos andamentos nitidamente separados. E não recorre à batida, ou seja, ao ritmismo marcante.

A letra é a recusa do meio, do meio-termo, do meio bom, do meio ruim, do bonzinho e ruinzinho. Da intermediação pelos profissionais medíocres da representação política. Gente meia, de acordo a meio a meio, de precaução, de cuidados, de está ruim, mas, áh, podia estar pior.

Não à glória nacional
Não á força não letal
Já não canto sobre amores
Nem me perco no recheio
É que em terra de amadores
Basta ter o pau a meio

Isto, como se vê no verso acima, se não for um embuste do autor, é abordagem aristocrática. Desprezo pelo vulgo, afirmação de que entre amadores basta ter o pau a meio, não pode ser mais claro. Assim sendo, vai ser catalogado como alguma vanguarda, ser escutado muito por pouco tempo e percebido por quase ninguém.

Ele parece sair do binômio Apolo e Dioniso. Não parece estar a reclamar do predomínio apolíneo medíocre. Não clama propriamente por a entrada em cena de Dioniso, para ocupar o espaço e contrabalançar Apolo em sua versão vulgar. Ele parece convocar Hermes, o que resulta muito diferente…

Sim, outro característico muito aristocrático: está disponível gratuitamente aqui:

http://mbarimusica.com/download.aspx?file=B_Fachada_Deus_Patria_e_Familia.zip

 

Presidente Dilma: um discurso de Kennedy que merece ser ouvido.

http://youtu.be/OB6klulKffE

Presidente Dilma, a imprensa brasileira vai tentar retira-la da presidência, cedo ou tarde, porque distribui migalhas que os nazis, ou retém ou jogam fora, avaros ou com mania de limpeza!

Vão fazê-la manter secretos documentos que em nada ameaçam o país. Ameaçam, sim, as reputações dos que não nas têm! Ameaçam um país com menos de quinhentos anos de história a comportar-se como se tivesse nascido ontem.

Há momentos para rompimentos, é preciso percebe-los. Se se perdem os momentos, os rompimentos ocorrem de toda forma, mais ou menos cedo. Adia-se. É grande conquista adiar?

Paraíba masculina, de Humberto Teixeira, por Luiz Gonzaga.

O que se conta é o seguinte: Antônio Silvino era o canganceiro mais conhecido dos sertões nordestinos, até aparecer Lampeão. Silvino chamava-se, de batismo, Manuel Batista de Morais e adotou o novo apelido em homenagem e demonstração de fidelidade ao antigo chefe, depois deste morrer.

Uns dizem que essa música de Humberto Teixeira refere-se a um episódio de invasão da cidade de Princesa Izabel, na Paraíba, pelo bando de Silvino, em 1927. Na ocasião, dava-se uma seca tremenda e os homens teriam saído todos em busca de trabalho. As mulheres teriam defendido a cidade e posto o bando para correr, armadas de porretes de pau pereiro.

Há um problema nisso, é que Antônio Silvino foi preso em 1914 e ficou encarcerado no Recife até 1937, quando recebeu um indulto do Presidente Getúlio Vargas, por comportamento exemplar. Na prisão, ele trabalhava com couros – era exímio nisso – e ensinava o ofício aos outros presos.

Por outro lado, é conhecido o respeito que Silvino tinha com as mulheres, ao contrários de outros bandos, como o de Lampeão, onde as violações e espancamentos eram frequentes. Assim, o enfrentamento entre as mulheres de Princesa Izabel e os homens de Silvino não é plausível.

É mais provável que o episódio inspirador tenha sido a Guerra de Princesa Izabel, em 1930. Um conflito grande, dadas as circunstâncias, entre chefes políticos locais e o Presidente da Província da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque.

O líder de Princesa era o Coronel José Pereira Lima, que chegou a ter quase dois mil homens sob seu comando e criou o Território Livre de Princesa, área autônoma que não atendia ao governo da Paraíba. As forças públicas da Paraíba não conseguiram conquistar Princesa e sofreram derrotas humilhantes.

Seu Otávio, o Duque de Caxias e o forno de microondas.

Um texto de Sidarta.


Seu Otávio, já idoso e aposentado como coletor de impostos de Finismundi, dava sempre uma passada no bar Flor de Liz nos fins da tarde de volta da padaria onde diariamente ia comprar o pão do jantar.

No bar, passava os olhos nos jornais que já tinham chegado das grandes cidades do Nordeste, tomava uma cerveja “mais para natural do que para gelada” e comia uma ou duas empadas ou umas coxinhas de galinha feitas pela mulher do dono do bar (sempre teve a curiosidade de conhecer a cozinha do bar, mas, educado como era, sentia-se constrangido em fazer o pedido, coisa que poderia lhe ter evitado uma boa encrenca digestiva algum tempo depois).

Como um grande apreciador de livros de história, tinha recebido do seu filho mais velho, que viajara aos Estados Unidos recentemente, um livro em inglês com o resumo biográfico da história do que o autor americano considerava os 100 maiores generais ou líderes militares da história.

O seu filho tinha trazido também dos Estados Unidos a mais nova maravilha da cozinha americana nos fim dos anos 1960’s, um forno de microondas, um equipamento fabricado pela GE, grande e pesado e que exigia um potente transformador de 220V para 110V, a sua voltagem original de trabalho nos Estados Unidos, transformador esse projetado e feito por Manuel do Carburador (durante o dia), ou Tenente Manual (durante a noite – era o chefe da guarda noturna de Finismundi) e que cabia em uma caixa de madeira de garrafas grandes de cerveja e zumbia alto quando era ligado.

Leu o livro avidamente mais de uma vez e descobriu que eram citados na antiguidade 18 notáveis líderes militares, dentre outros, Alexandre, o Grande, Júlio César e Átila, o Huno.

Admirador inconteste de Napoleão Bonaparte, buscou a biografia do seu ídolo na parte dos generais da Era Napoleônica e foi aí que começaram as suas frustrações: a biografia de Napoleão Bonaparte escrita pelo autor americano só tinha míseras duas folhas descrevendo fatos menores das conquistas do grande imperador francês: só podia ser ignorância ou inveja desse escritor americano em não colocar Napoleão como o maior líder militar da história do mundo.

Para completar ainda mais o insulto aos realmente notáveis, o autor do livro louvava como líderes militares mundiais três indígenas americanos, dentre eles, Nuvem Vermelha e Cavalo Doido.

Continuou tentando entender o contexto e a idéia do escritor ao selecionar os seus generais, e se deu conta de que o livro não falava nem na Guerra do Paraguay, onde se destacou o Duque de Caxias como comandante das tropas brasileiras.

Isso era demais; há alguns anos já vinha desconfiando de que os americanos tinham minimizado a participação dos combatentes brasileiros na segunda guerra mundial e iria exigir que quando esse livro fosse eventualmente traduzido para o português fosse acrescentada uma resenha biográfica decente do Duque de Caxias e um ou dois parágrafos sobre a guerra do Paraguay.

Carregava sempre no bolso, ao lado de um monte de cédulas para pagar as suas despesas em dinheiro, uma cédula mais antiga que continha a efígie do Duque de Caxias, já fora de circulação, para mostrar de vez em quando aos amigos que o Brasil tinha herói militar.

Ao terminar de ler várias vezes o livro americano sobre os 100 maiores generais ou líderes militares da história, e de formar uma opinião sobre o critério de escolha e sobre a parcialidade evidente do autor, convidou alguns amigos mais próximos para se reunirem no Flor de Liz, na sexta-feira um pouco mais cedo para que ele, Seu Otávio, pudesse relatar sobre o que tinha lido mais recentemente e sobre como pensava que os americanos estavam distorcendo a história do Brasil.

Um evento desses puxava mais cerveja, empadas e coxinhas do que o habitual e, como Seu Otávio foi quem convidou os amigos, a bebida e a comida correram soltas por conta do conferencista.

Lá pelas 9 da noite, alguns já mais alegres do que o conveniente, saíram os primeiros protestos verbais de “isso é mesmo coisa do imperialismo americano”, tendo um ouvinte também criativo escrito em uma tira de papel higiênico a frase “Yankees GO Home !!!” e pregado a faixa na entrada do bar.

Perto das 10 da noite todos foram embora para as suas casas e Seu Otávio começou a sentir a barriga “ferver” ainda no caminho de casa.

Conseguiu segurar a barriga até sair da vista dos amigos, mas aí as empadas e as coxinhas de galinha da mulher do dono do bar mostraram o seu poder desvastador: Seu Otávio já chegou em casa com a cueca e a calça branca do terno completamente sujas e correu para o banheiro chamando a sua esposa para ajudá-lo na situação constrangedora em que estava.

Lembrou-se de avisar à esposa do dinheiro para as despesas que tinha em um dos bolsos da calça, mas se esqueceu da cédula com a efígie do Duque de Caxias em outro bolso.

A calça foi logo lavada no tanque de lavar roupas e o dinheiro das despesas cuidadosamente limpo na pia do banheiro.

Terminada a operação da vigorosa lavagem da calça de Seu Otávio no tanque de lavar roupas, a esposa dele teve a genial idéia de secar logo a calça dentro do forno de microondas: em teoria a água evaporaria logo, mas o tecido não se inflamaria.

O esperado foi mais ou menos o que aconteceu; a calça secou logo e a cédula com a efígie do Duque de Caxias, que estava em um dos bolsos, secou também… desaparecendo completamente a imagem do Duque de Caxias do papel moeda impresso há anos.

Ao se lembrar do descaso do autor americano do livro sobre os 100 maiores generais ou líderes militares da história, da completa omissão do Duque de Caxias e da Guerra do Paraguay, e olhando de soslaio para a marca GE impressa no forno de microondas, concluiu que os americanos estavam mesmo por trás da iniciativa de acabar com a memória dos heróis brasileiros e de nos vender produtos programados para destruir o patrimônio e para sabotar a cultura dos brasileiros.


E pensou: “eu devia já ter ido dar uma olhada na cozinha do bar Flor de Liz; vai ver que os americanos estão também sabotando a higiene das comidas no intuito de alguma multinacional deles comprar o bar e logo subir o preço da cerveja, das empadas, das coxinhas, cobrar para se ler os jornais e ainda botar uma bandeira americana em cima de cada mesa do bar… e dar desconto para quem souber recitar as biografias de Cavalo Doido e de Nuvem Vermelha.”


Cozinhar com saudades…

A rotina põe a descoberto a saudade. Experimente-se fazer alguma coisa que sempre se fez em companhia de alguém sem essa presença. Surge o estranhamento que atende bem pelo nome de saudades.

Desempenho minhas atividades de cozinheiro de final de semana em condições muito favoráveis. Os ingredientes que me interessam, posso tê-los sem muitas dificuldades. O tempo, no domingo pela manhã, não costuma escassear, a vontade de cozinhar não me abandona nesses dias e os destinatários da diversão somos Olívia e eu, apenas.

Para mim, é ótimo que sejamos apenas os dois a experimentarmos essas comidas que nem sempre resultam em grandes coisas. Não gosto de cozinhar para muita gente. De um lado, conto com a complacência de Olívia, que consegue amenizar os maus resultados sem, contudo, mentir. Por outro, não gosto da lógica do julgamento. Não que não queira o mau julgamento, mas que não conseguiria disfarçar meu desprezo por ele, como se dissesse: ora, não estive e preocupar-me em agradar especificamente o teu ou o teu paladar! Seria grosseiro e arrogante, realmente.

Ontem, Neide deu-me uns pedaços de galinha muito bem temperados. Alho, alho e mais alho e um pouquinho de sal, como tem que ser. A galinha é das carnes menos naturalmente saborosas que há, portanto convém que apure os temperos com antecedência. Esses pedaços conviveram com a liliácea por mais de vinte e quatro horas!

Hoje, pela manhã, estavam megulhados em um caldo de sumos do galináceo, sangue e alhos esmagados. Precisava de pouca coisa mais.

Entrou em cena a grande potencialidade de uma assadeira usada, sem se ter lavado antes. Explico-me melhor, para não sugerir desprezo higiênico. Ontem, tinha assado uns espetinhos de carne e a pouca gordura dela ficou na assadeira, porque tive preguiça de lava-la em seguida ao repasto. Hoje, a preguiça era a mesma e percebi que aquela gordura fria e gelatinosa não se tinha estragado e facilmente derreteria e se somaria ao novo assado.

Pronto, pedaços de galinha na assadeira, cebolinha cortada em rodelas, molho inglês por cima e tiras de bacon por cima dos cortes da ave, que além de darem sabor evitam que ressequem. Forno baixo por quarenta minutos. O resultado pareceu-me ótimo, a galinha sabia a comida de casa, sem invencionices, sem qualquer sofisticação.

Mas, não sei se ficou bom, Olívia não deu opinião! Não comi à mesa da sala, calmamente, com vinho e alguma conversa. Comi saudoso, na mesa do computador, a escrever. Comi sem sentir bem os sabores…. saudoso.

 

 

« Older posts