Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: setembro 2011 (Page 2 of 3)

Turismo no Brasil: uns números que deviam fazer pensar…

Leio no jornal matéria insípida sobre o turismo no Brasil e o turismo que os brasileiros fazem no exterior. Insípida, porque o assunto o é, se se limitar a alinhar números e propor os lugares-comuns de sempre.

Os brasileiros que viajam para o exterior gastam três vezes mais que os estrangeiros que vêm para cá. Claro, tem o real valorizado, o que permite viagens mais baratas, mas tem muito mais que a simples vantagem cambial.

O Brasil sempre foi muitíssimo fechado e de uma forma paradoxal. Ao mesmo tempo que as classes mais altas sonham com modelos fornecidos na TV de matriz norte-americana, elas vivem sua auto-referência plenamente.

A maioria das pessoas, ou seja, não somente as classes mais altas, acredita em uma espécie de particularismo brasileiro, o que não é sinônimo, nem de patriotismo, nem de avidez por conhecer a história, a geografia ou o desenho social do país. É mais uma crença de quem só tem ao espelho e, portanto, só tem a si.

Assim, as pessoas pensam que temos as praias mais espetaculares do mundo, as comidas idem, a cordialidade e outros lugares-comuns. Ora, há praias e comidas por todo o mundo, afinal há um mundo todo por aí! A única coisa realmente diferente que há neste país é a amazonia, extraordinária mesmo, na sua abundância sem paralelos de água e de árvores.

Nossa surpresa somente decorre da nossa ignorância. Ficamos pasmados se alguém foi a outras praias ou a outras Miamis, porque não sabemos que elas existem e ainda achamos estranho que os viajantes saibam. Realmente, um dos caracteres mais interessantes da ignorância é projetá-la nos demais e, talvez seja a característica mais agressiva.

Além da inexistência de reais particularidades ou delas assim tão marcantes e distintivas, há o preço e a qualidade do que se oferece ao turismo. Aqui, tudo tornou-se caro antes de tornar-se bom e bem feito. A imagem do paraíso tropical, ingênuo, de índios semi-nus a caminharem nas terras, de restaurantes escondidos bons e baratos, é algo que só fez sentido como imagem, e mais, como imagem nossa de nós mesmos.

Insisto a falar em praias porque somente elas – além da amazonia, que é outra estória – podem ter algum atrativo. Dito isto, sou obrigado a concluir algo terrível, mas inevitável: as cidades não oferecem qualquer encanto particular.

O pouco de arquitetura bonita que há, seja antiga, seja moderna, é vulgar. Se se tratar de ver as belezas da arquitetura colonial ibérica, é melhor ir ao Perú e à Colombia. Se o caso é deliciar-se com prédios altos e revestidos de espelhos, melhor e mais barato é ir a Nova Iorque, onde eles estão bem à vontade.

Andar a pé é uma aventura complicada, porque os passeios não foram feitos para serem passeados, os assaltantes ainda são numerosos, tudo é monolíngue. Os transportes urbanos são um desafio, porque são coisas, em geral, para gente desafortunada, que não pode ter um carro. As linhas de metro são poucas e pouco extensas. Os táxis são cariíssimos e muito voltados para roubar os turistas.

Trens, abolimos quase completamente para o transporte de gentes. Servem apenas para levar e trazer minérios. Não há um aeroporto com estação de metro! Não há muitas pessoas que falem mais que o português. Ao mesmo tempo, tudo está muito caro!

Dada essa situação de coisas, porque a surpresa com a pouca atratividade do país para turistas estrangeiros, se o destino é ruim e caro?

 

Amanhã tem caril.

Escrevo agora somente por escrever. Bem, essa foi a fórmula comum e mais simples que achei para dizer que divago ou que tenho tais e quais saudades. Tudo misturado e bem difuso: vontade de escrever, saudades, mania de comida, memória gustativa e olfativa…

Há dois anos e tantos conhecíamos um restaurante indiano, em Braga. Levou-nos a ele o Miguel, sujeito inteligente e capaz de perceber o que poderia agradar. O restaurante tem nada demais, além de uma comida boa. O dono é uma figura curiosa, diz que é sikh, aponta como garantia de pertencimento a esse povo originário do norte da Índia um bracelete fino, prateado, que trás no punho.

Fala um português razoável, diz que acha mais fácil entender alemão, comenta as ambiguidades da língua nossa e de Camões, que tem várias palavras para a mesma coisa, reclama de vizinhos brasileiros, que são piores educados que os caboverdianos. Enfim, ele faz o papel do indiano legítimo, que é.

Esse restaurante indiano faz parte da minha memória bracarense. A comida boa, a conversa com Miguel, o café depois, depois casa, a gata amarela esperando-nos ou sabendo que chegávamos, o livro, a crônica a ser escrita, o vinho de três euros, o futebol na televisão velha que era quase preta-e-branca.

Hoje à tarde, Braga assaltou-me de surpresa, no trabalho. Ela costuma voltar-me em outras ocasiões, mas hoje foi no trabalho, à tarde, sem pedir licença, sem me dar mais que um leve desconforto de estar aqui, assaltou-me só de saudades inesperadas.

Na verdade, esse assalto não foi o que me inspirou a fazer o caril de amanhã. Já o vinha planejando, mas ele tomou sentido diverso da simples idéia de cozinhar qualquer coisa. Virou caril de saudades, o que vai me tornar mais condescendente com o resultado, provavelmente.

Não fui apresentado ao caril no tal restaurante em Braga. Já o conhecia e apreciava, por conta dos bons que faz Laura, que tem ascendência goense e sabe fazê-los muito bem feitos, um pouco suavizados no picante, para não desagradar os paladares mais sensíveis.

Pois, amanhã será caril de perna de porco e peito de galinha. Eles já estão em sumo de uma laranja – invenção que não sei se resultará bem –  um pouco de sal e gengibre. Amanhã saberei…

Razão, lógica e o crime continuado de Descartes.

O homem propôs que pensa, logo existe. A proposição inspira genialidade – e não é mesmo alguma tolice – mas deve-se vê-la ao contrário, ou em suas outras formas possíveis. Ela implica não apenas um só sujeito cognoscente, mas apenas o sujeito cognoscente. Ela é uma ontologia sem objeto.

Assim, só o sujeito existe, o que torna o problema da existência um não-problema. Essa maravilhosa ontologia racional é a negação pura e simples do ser, portanto, uma vez que confunde pensar – sem dizer o que seria – com ser. Desta forma, o objeto, que é o objeto a que se reporta o pensar e que, por sua vez, define o ser, não existe!

Se eu existo porque penso, o que não pensa não existe e, portanto, meu pensamento, ou é sobre nada, ou é sobre mim mesmo. Como seria estranho que meu pensamento – que define meu ser – dirigisse-se a nada, tenho que admitir que só pode dirigir-se a mim mesmo. Então, sou sujeito e objeto e o resto é nada.

Todavia, se o resto é nada, porque não pensa e consequentemente não existe, meus problemas são pouquíssimos. Não preciso, em tal modelo, pensar o tempo, por exemplo, pois ele não existe, já que não pensa. Penso eu e só posso pensar sobre mim, já que todo o resto é não existência.

Isso, que vai enunciado brevemente, não é lógica, é racionalidade. Por isso, é dramático, mas não é trágico! A razão é dramática, é aprisionadora, a lógica não no é. A racionalidade aprisiona, mas não é inescapável, ao passo que a lógica, sim, o é.

Descartes trabalhou, quisera-o ou não, para o jesuitismo. Sua existência a partir do pensar não é humanismo, senão homenagem a uma existência recebida na forma de participação mais ou menos deformada no pensar criador, esse sim o pensar absoluto, que não precisa de objetos cognoscíveis, porque os teria criado.

O transplante do pensar absoluto para as criaturas é concepção que oferece obstáculos intransponíveis. O pensar dos seres que o receberam incompleto do pensador-criador não pode ser o mesmo do dador, senão estariam todos divinizados e seriam criadores. Para tentar evitar parte do paradoxo, aceitou-se divinizar os homens, parcialmente, mas não se aceitou fazê-los criadores.

Ficou-se pela metade. O homem pensa porque recebeu a faculdade do pensador-criador; existe porque pensa, já que existe pelo que tem de comum com o criador, e fica impossibilitado de pensar qualquer coisa, porque nada existe, já que nada além dele pensa. Claro, pode pensar no criador, mas tampouco o pode conhecer integralmente, porque ele é, ao final e ao cabo, insondável.

Um homem assim concebido vai buscar saída para seu pensar sem objeto possível. Vai tentar tornar-se ele também criador, mas de criaturas não pensantes, o que não resolve o problema, já que as suas criações não pensantes não existem, porque… não pensam! Ele está condenado ao círculo, à prisão sucedida por nova prisão.

Desintegração dos Estados Unidos da América.

Proposições inteligentes, e carregadas de obviedade, portanto,  costumam esbarrar em obstáculo trivial: querem ser profecias e daquelas com data certa de acontecimento. Como nunca ocorrem na data que o profeta anunciou, ficam desacreditadas como se fossem bobagens. Mas, acontecem.

Um professor russo, de nome Panarin, disse, em 2009, que os EUA iriam desintegrar-se em 2010. Ele teria começado a pensar nisso em 1998, quando surpreendeu-se em perceber tendências à desagregação. Alinha que os colapsos econômico e moral e a imigração levarão a guerras civis fraticidas. Não sei, realmente, porque Panarin fez a bobagem de falar em 2010, quando podia ter silenciado quanto a datas que, afinal, pouco ou nada importam.

Essa idéia não é nova, como não costumam ser novas as grandes idéias. Elas são, no geral dos casos, o resultado da reunião de muitas informações aparentemente dispersas e a percepção da aproximação do episódio. As profecias, como as previsões sísmicas, ganham precisão na razão direta da proximidade do profetizado.

O tal professor diz que resultarão dessas guerras quatro estados: um da Califórnia, um do Texas, um do meio e norte e um do Atlântico. Afirma que o Alaska voltará a domínio russo e que o estado do Atlântico integrará a União Europeia.

É quase irresistível apontar que o profetizador tem à disposição um modelo relativamente semelhante, que ele deve ter usado mesmo, que é a desintegração do império romano. Alguém mais apressado pode objetar que o modelo não serve, porque Roma ter-se-ia desintegrado de fora para dentro. Isso é bastante discutível, porque os bárbaros estavam dentro do Império e há muito.

A desintegração romana deu origem à Europa e ao Norte da África, divididos em Estados. E deu lugar à formação de um império bizantino, que nada mais era que uma enorme Grécia organizada a partir da ortodoxia.

Essa desintegração dos EUA seria muito mais interessante para o mundo que seu declínio unido e lento. Primeiramente, se ela se desse a partir de guerras civis, como anunciou o professor, seriam evitadas guerras externas, que certamente ocorrerão se o país decair unido. Seria melhor, principalmente para os países habitualmente agredidos e também para os vizinhos das Américas.

Evitaria a difusão de certo fundamentalismo neo-pentecostal, porque estariam ocupados em brigarem internamente e lidarem com o próprio empobrecimento. Ou seja, os inimigos do mundo seriam fracionados em inimigos entre si mesmos.

Um problema grande seria a partilha dos arsenais nucleares, que provavelmente atenderia simplesmente a critérios geográficos, já que as bombas estão por todo o território. Outro problema grande seria o fim do dólar como moeda de reserva mundial, porque um dos estados resultantes não teria condições de manter tal moeda. Do ponto de vista do comércio mundial, as coisas não seriam tão complicadas quanto deverão ser com um cenário de decadência unificada, pois o consumo tende a reduzir-se de qualquer forma.

O certo é que se isso acontece assim, no cenário das guerras civis, deve levar muito tempo e esse tempo será de enorme desarranjo no mundo todo, com a fuga do dólar e o medo que a coisa torne-se em ataques para todos os lados, aleatoriamente…

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