Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: dezembro 2011 (Page 1 of 3)

Miguel Nicolelis e o postulado religioso disfarçado em ciência.

O campo das postulações religiosas travestidas em inodora e inerte ciência assemelha-se a essa praga contaminante que são as posições apolíticas. Estas últimas são mais fáceis de se perceberem, porque realmente estão por toda parte e seus disfarces são deveras precários.

A postulação salvífica tecnológica é, digamos assim, mais sutil. Demora mais a percebermos que ela é essencialmente religiosa, embora envergonhada de assim apresentar-se. A vergonha, leva os postulantes a frontais agressões à lógica, a contradições realmente grandes.

Miguel Nicolelis é um neurocientista brasileiro de fama internacional. Ele trabalha com interfaces entre cérebro e máquina, para o estabelecimento de comunicações diretas, não intermediadas pelo corpo, nem pela linguagem. É uma proposta diabólica, realmente.

O cientista gosta de enfatizar o lado mais abstrato das suas investigações, escamoteando um pouco as aplicações possíveis da suas descobertas, nos campos médico e bélico, para ficarmos em duas áreas exemplares.

O discurso é de verniz messiânico e propagandístico, na medida em que não admite uma real contradita científica lógica. Ele encontra-se em campo da analogia, ou seja, da ausência de lógica; não gira propriamente em torno às investigações em si, mas aos supostos efeitos a se produzires; efeitos que, no discurso, necessariamente têm que se admitir desejados.

A propósito desse discurso messiânico, Wilson Roberto Vieira Ferreira escreveu um muito bom artigo, no seu blogue Cinegnose. Ele chama a isso de tecnognose e esmiúça o discurso em suas componentes de proposta de salvação por meio da neuroengenharia.

Adiante transcrevo um trecho, um parágrafo claro, em que se enuncia a falácia da redenção tecnológica, com mestria:

O elemento transcendentalista é evidente na retórica do delírio digital: se Deus puniu o homem com a pluralidade de idiomas (como narra o episódio bíblico da Torre de Babel) para condená-lo à prisão do espírito na incomunicabilidade da linguagem, agora a neuroengenharia vai trazer a solução através do atalho tecnocientífico. Exterminando corpo e linguagem, o potencial do espírito (a Vontade) se libertará.

A proposta da redenção digital de uma punição divina – é necessário assumir esse pressuposto – tem que se servir da analogia, ou seja, da falta de lógica.

Lógico seria o postulado: se Deus puniu o homem com a incomunicabilidade da linguagem, só Ele pode suspender a punição.

O que é claro fica anuviado pela analogia, que viola os termos da proposição e postula uma fuga. Ora, se há Deus no postulado, nada há fora Dele. Não será o punido, o homem, a superar a punição, extinguindo a própria pena – a linguagem.

Por outro lado, a enunciação da redenção tecnológica serve-se da confusão. Ora, a saída da prisão dar-se-ia pela superação da intermediação pela linguagem e uma consequente libertação da vontade – o potencial do espírito – por meio da neuroengenharia.

Sim, mas a neuroengenharia é uma linguagem!

Nova classe média e a segunda etapa das demandas.

Convencionou-se chamar nova classe média ao grupo de pessoas que ascenderam da pobreza profunda para a possibilidade de comprarem roupas, bens de consumo duráveis e um pequeno imóvel financiado. É coisa recente e deve-se às políticas públicas inauguradas pelo ex-Presidente Lula.

Essa nova classe menos baixa trouxe uma forte demanda por bens e serviços, coisa fundamental na criação de um mercado interno robusto. Esse aspecto econômico tem sido bem percebido, embora ainda haja quem o negue.

Coisa pouco percebida, todavia, são as outras demandas que haverá. A segunda etapa do aumento de demandas das classes ascendidas a médias será por informação. A primeira foi evidentemente por bens que não podia comprar.

Em seguida, a tal nova classe média quererá saber quanto custam as coisas, incluindo-se aí o estado. Passada alguma euforia de poder comprar o que não se podia, as pessoas tendem a preocupar-se com os preços. Primeiro, com os mais evidentes, depois com os mais difusos.

Essa vontade de saber quanto custa o estado não será artificial como a da classe média estabelecida, que vive do estado mas finge quere-lo menor e distribui tolices contra a carga tributária, por exemplo.

O cidadão da chamada nova classe média não tem idéia realmente precisa do que o estado é obrigado a dar-lhe em serviços. E, tem menos idéia ainda de quanto os agentes do estado recebem por isso.

Posso chamar Fernando Henrique Cardoso de patético? Ou de farsante?

Não o posso chamar de ladrão – e não o faço aqui – porque não tenho provas e porque seria um tanto vulgar além da medida. Mas, de patético ou de farsante, posso?

Bem, o sujeito é acadêmico das academicices franco-brasileiras. O termo qualificativo, assim junto, é de significação complexa, pois vai além da mistura dos dois adjetivos gentílicos.

Se fosse só acadêmico francês, na idade dele, poderíamos supor leituras de Levi-Strauss, de Lefebvre, dos franquefurteanos tão aparentemente franceses; poderíamos supor um grande intelectual, contemporâneo de Gilles Deleuze, Félix Guattari, Michel Foucault. Poderíamos até decepcionarmos-nos por não ter resultado em obras como as desses últimos. Poderíamos achar natural uma e outra cópia, que esses franceses copiavam-se muito…

Se fosse só acadêmico brasileiro, com a idade dele, com o prestígio biográfico que tem, poderíamos supor que serviu ao governo de João Goulart, ou até, por precocidade que a grandeza permite imaginar, ao de Juscelino. Mas, não.

Se fosse só o filho do General Leônidas Cardoso e sobrinho do General Felicíssimo Cardoso, Fernando seria mais facilmente apreensível. Quanto a isso, quem quiser procure saber o que os tais Generais achavam de filho e sobrinho, em episódio sobre a campanha O Petróleo é Nosso.

O problema é que Fernando Henrique era e é precisamente um acadêmico franco-brasileiro, assim mesmo com o qualificativo gaulês na frente. Curiosamente, tanto francês, como brasileiro, revelam seu embuste, sua inclinação para a farsa calcada na superficialidade intelectual paralela à extrema objetividade política. Ele é cálculo, e tão bem-feito, que não foi para Harvard ou Yale. Só tinha que ser em Paris!

Muita gente sociologizava e filosofava nas grandes universidades brasileiras, antes do golpe militar e civil de 1964, que instaurou uma ditadura reticente em aceitar o nome. Antes do golpe, essa gente falava e escrevia coisas que seriam repudiadas pelo pessoal que se instalaria no poder, por vinte e um anos. Parte deles ficou no país, parte saiu. Uns, saídos, voltaram logo. Dos que voltaram logo, muitos apegaram-se ao fato de terem saído, após a chamada redemocratização: era uma boa marca a se vender.

Alguns saíram porque podiam, e era mais aprazível viver em Paris ou em Boston que aqui. É difícil imputar certos comportamentos apenas ao cálculo, porque significaria supor inteligências maiores que eles mesmos acreditam ter e fizeram o público crer. Mas, sinais de farsa não faltam.

Fernando Henrique era o sujeito que voltou ao Brasil com a lei de anistia, a lei de auto-anistia do regime ditatorial. Caberia pensar se teria saído obrigado, ou se apenas foi viver em locais mais agradáveis, ou acrescentar ao seu currículo trabalhos em universidades mais famosas. Mas, o principal é que era um retornado e isso contava pontos.

Era, mas deixou de ser, rapidamente. Ele rompe com a imagem do esquerdista que foi banido pela ditadura e assume as vestes do moderno sem coloração ideológica. E, fá-lo antes do tempo em que isso era óbvio politicamente. Nisso, é profundamente sagaz.

A sagacidade na escolha do disfarce revela, todavia, um sujeito sempre pronto à mutação. Ou, talvez, ao retorno sem riscos à posição de sempre ou, quem sabe, revela o que teriam achado pai e tio…

Pois bem, Fernando Henrique foi grande acadêmico franco-brasileiro, foi morador de Paris, é filho e sobrinho de Generais do Exército Brasileiro, foi político que se aproveitou do ter-se exilado e foi Presidente da República. Neste último posto, disse que introduzia o Brasil na modernidade do capitalismo que não precisa de Estado. Vendeu o que deu tempo de vender.

Faz nove anos que Fernando Henrique deixou de ser Presidente da República. Está pelos oitenta anos, pois nasceu em 1931. Podia estar quieto, não pela idade, mas pelo tempo, que são coisas diferentes. Mas, não.

O ex-Presidente escreve um livro chamado A Soma e o Resto, que é uma biografia dele, por ele. Curioso, Henri Lefebvre escreveu uma autobiografia chamada La Somme et le Reste, em 1958. Uma coisa é certa, Fernando Henrique sabe francês…

A Privataria Tucana, livro de Amaury Ribeiro Júnior.

Acabo de ler A Privataria Tucana: é demolidor e não encontro adjetivo melhor que esse, por mais lugar-comum que seja.

O livro é um sucesso editorial, para nossos padrões, porque em menos de um mês venderam-se 120.000 exemplares. Nada obstante, a chamada grande imprensa permanece no profundo silêncio com que recebe qualquer coisa inconveniente para os que ela defende.

Se fôssemos um país de leitores de livros, arriscar-me-ia a dizer que José Serra e grande parte dos tucanos  acabaram-se politicamente. Todavia, nem somos muito leitores, nem cultivamos a história, coisas que, afinal, relacionam-se intimamente. Além disso, a comunicação televisiva é dominante e, nas TVs, os tucanos mandam em quase tudo. Os jornais escritos, em sua imensa maioria, são panfletos partidários.

O livro deixa claro que as privatizações levadas a cabo no programa de desestatização dos governos de Fernando Henrique Cardoso foram, na verdade, doações de patrimônio público, que houve uma festa de saída e retorno ao país de dinheiros ilegais, que o estado patrocinou aquela maravilha chamada assunção de riscos empresariais.

O mais importante é colocar face a face a realidade que o livro desnuda e o discurso que esteve por trás da sanha privatista. Dizia-se que haveria aumento de investimentos, que haveria aumento na competição, melhora na prestação dos serviços e diminuição da dívida pública.

Quanto à diminuição da dívida pública, pode-se dizer sem receios que não ocorreu e a promessa foi simples mentira. Ela, na verdade, aumentou bastante. Sim, porque antes de privatizar empresas e serviços estatais, este mesmo Estado endividou-se profundamente para vender empresas com investimentos já feitos!

São casos de banditismo, bem documentados pelo autor. Não quero ater-me aos esquemas de branqueamento de capitais, praticados pelos envolvidos próximos a José Serra, o que o livro afirma e prova. Queria lembrar, como já dito acima, o divórcio radical entre o realizado e as promessas.

O BANERJ – Banco do Estado do Rio de Janeiro – foi vendido por 330 milhões de reais ao Banco Itaú. Acontece que o governo do Estado do Rio de Janeiro demitiu, antes da venda, metade dos 12000 funcionários do banco e assumiu as despesas com as indenizações e com o fundo previdenciário dos funcionários do banco. Para fazê-lo, ou seja, para vender por 330 milhões um banco bem enxuto e sem despesas, o Estado do Rio de Janeiro contraiu um empréstimo de 3 bilhões de reais!

A Vale do Rio Doce, segunda maior mineradora do planeta, foi avaliada sem se considerarem as suas jazidas! Foi vendida por 3,2 bilhões de reias e, hoje, seu valor em bolsa de valores é duzentas vezes maior…

No caso da telefonia, ou seja, do sistema Telebrás, a infâmia e o saque não foram menores. Antes das privatizações, o Estado Brasileiro promoveu aumentos das tarifas que chegaram a 500% em alguns casos, para evitar que os novos donos privados tivessem que enfrentar a antipatia dos consumidores. Ou seja, a antipatia dos consumidores voltava-se para o Estado.

Todos os negócios foram realizados com polpudos empréstimos do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Aceitaram-se as chamadas moedas podres, títulos públicos absolutamente desacreditados, negociados no mercado por frações ínfimas de seus valores de face. Foram aceitos nos leilões pelos seus valores de emissão!

Em resumo, nas privatizações o Estado Brasileiro gastou para entregar a meia dúzia de oportunistas empresas de serviços monopolísticos ou quase – como na energia e nas telecomunicações – e para entregar a segunda maior mineradora do mundo e a maior siderúrgica da américa do sul a controladores que não gastaram nem 05% dos preços de compra. Um conjunto de crimes de lesa pátria, enfim.

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