Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: março 2012 (Page 2 of 2)

O jeitinho brasileiro e a estupidez bipolar.

Jeitinho brasileiro é expressão consagrada pelo uso amplo, que acarreta ambiguidade e perda de precisão. Qualquer coisa usada muito prodigamente sofre esse problema da perda de significação precisa, o que deveria levar as pessoas a pensarem o que pretendem dizer realmente.

Isso que se chama jeitinho brasileiro é uma forma de agir derivada da apropriação pelas massas do exemplo fornecido pelas classes dominantes. Todavia, a raiz desse agir costuma ser escamoteada por meio do destaque de aspectos laterais ou, simplesmente, pela não abordagem do objeto e de suas origens: é a técnica da caricatura, que pinta as coisas em tintas fortes e contrastantes até serem somente uma representação pitoresca que nada tem a ver com o representado.

O jeitinho é, pois, algo que o brasileiro acredita ser uma criação original, exclusiva e, mais importante, popular. Ele não é popular na origem, porque ao povo não são dadas essas liberdades para o protagonismo na definição dos comportamentos prototípicos de um povo. Na verdade, ele é a reivindicação do povo na participação no vale-tudo que sempre foi possível às elites.

As camadas populares assim pediram e assim obtiveram uma pequena complacência e possibilidade de flexibilizarem regras que insistentemente se dizem gerais, amplas e obrigatórias para todos. Ou seja, um pouco do que a minoria sempre teve e nunca escondeu, embora sempre a dizer que as regras existem e valem para todos. Aqui, vem à mente a inevitável pergunta: para quê a insistência em regras?

Com relação ao jeitinho brasileiro, duas inclinações são nítidas, diametralmente opostas, embora ligadas uma à outra. Há os que o celebram como criação originalíssima dos brasileiros e há os que o atacam a partir da lógica da tolerância zero. São duas formas de propagar a estupidez. Não pretendo ater-me à má-fé como motivo, tanto da celebração, quanto do ataque, que essa motivação é menos interessante, na medida em que é racional.

A celebração da originalidade, da espontaneidade e da felicidade que seriam ínsitas ao jeitinho é filha da ignorância histórica e de outras culturas. Ora, o jeitinho brasileiro não é mais original que outras formas de estar no mundo próprias de sociedades com profundas concentrações de rendas e divisões estamentais marcantes e sempre veladas. Assim, ele é tão brasileiro como africano sub-saariano, como andino, para ficar em dois exemplos genéricos.

O jeitinho satisfaz a necessidade de sermos os legisladores imediatos de todos os casos concretos das nossas vidas. Assim é que violamos todas as regras de trânsito de automóveis – e todos os dias, reiteradamente – porque é rapidinho, porque estamos prontos a desviola-las. Paramos onde não pode, mas é rapidinho, ou seja, deixa de ser uma violação porque ela é fugaz; retornamos onde não pode, mas é coisa pequenina e tem quem faça pior.

No fundo, é como se disséssemos que a lei é absolutamente inútil. Não é o caso de dizermos que a lei comporta excepções, mas de a interpretarmos tão frequentemente e em causa própria, que significa sua inexistência. A regra torna-se conforme à nossa vontade em todos os momentos; é uma regra tão aberta a interpretações que regra não é, apenas interpretação. Aliás, esse é um aspecto que deixa ver o quanto de plebeísmo tomou conta do poder judiciário, que age da mesma forma.

O jeitinho é personalismo levado às últimas consequências, ao contrário dos traços de gentileza social que pretendemos ver nele. É todo sujeito a agir em benefício próprio, segundo regras que são a negação das regras, fazendo a lei a todo momento para si. Isso é fermento de dissolução de alguma coesão social porventura ainda existente. Não é algo a ser celebrado.

Na visão diametralmente contrária, há quem veja o jeitinho como simples falta de rigor, ou seja, sob a óptica da tolerância zero. Ora, a tolerância zero equivale à inteligência zero. A total falta de escape é incompatível com a vida, pois as excepções existem. A lógica da tolerância zero é contrária à noção de julgamento segundo as intenções do agente. Na verdade, é a instituição da punição sem julgamento, porque se a tolerância é zero, não se toleram defesas!

A condenação veemente do jeitinho como simples falta de rigor é ignorância histórica profunda. Nunca faltou rigor, no Brasil, para as classes menos favorecidas, o que se evidencia nas suas condições de vida: são as maiores vítimas de violência; são as maiores vítimas da deficiência do sistema de saúde pública; são as maiores vítimas do péssimo sistema de educação privada.

São ridículas – ou hilárias, a depender do senso de humor do observador – as acusações de leniência e falta de rigor, como raízes do jeitinho. Ele nasceu exatamente como forma não autorizada de escape das violências profundas sofridas diariamente pela maioria das pessoas no país. Ele não inverte a equação, ou seja, ele não torna justamente pagas as violações historicamente sofridas.

O jeitinho brasileiro não é original mesmo no que parece ser. É o conúbio, para pior, dos interesses do 01% e dos 99% restantes.

EUA: primeiro, fica-se rico, depois, atribui-se isso a uma superioridade ética. Depois, fica-se pobre…

O governo norte-americano vive aqueles deliciosos momentos precedentes a uma grande guerra, que se fará nos interesses de Israel e de meia dúzia de banqueiros, fabricantes de armamentos e vendedores de petróleo. Deve ser algo muito excitante, realmente, isso de gozar os momentos que antecedem à declaração, ao bombardeio mediático, aos bombardeios explosivos, à matança generalizada. Sangue! É bom, todos que comeram uma picanha mal-passada sabem-no.

Que os países façam guerras, é coisa que se explica pela lógica da dominação e da permanência; pela lógica da dominação interna por certos grupos; pelos interesses econômicos de alguns. Mas, dizer que uma guerra é justa, ou qualquer outra tolice desse tipo, que visam a inserir explicações analógicas para uma questão de interesses, é agressivo e revelador.

A guerra precisa de justificativas. Ela, que é o rompimento com as explicações, as regras, a civilidade, precisa de justificativas. Ela levou as pessoas ao paroxismo de teorizarem um direito a ela próprio! Um direito da guerra é das maiores contradições em termos que se podem conceber, porque a guerra é a superação de qualquer direito.

Os EUA precisam fazer a guerra, como precisaram todos os impérios. O povo também precisa dela, porque as migalhas que lhes restam caem das mesas dos que ganham muito com o belicismo contínuo. Não há inocentes, embora haja enorme diferença na apropriação dos ganhos e na composição das infantarias.

É preciso dizer que se vai matar os outros porque eles são inferiores. E, não basta que sejam inferiores tecnicamente, eles têm que ser inferiores segundo o mais intangível dos critérios: eles são inferiores moralmente. São maus, os inimigos, e guiam-se só e só por instintos malvados; não são apenas diferentes nos interesses, falar e trajar, são maus em oposição aos bons.

Eu mato e mato e mato porque sou bom, porque os mortos são ruins, porque, afinal de contas, sou ungido de Deus e ele deu-me licença absoluta para, em nome Dele, matar. Eu não mato porque quero enriquecer ou submeter o outro à escravidão, apenas porque sou o intérprete juramentado da vontade divina e posso fazê-lo.

O signo da minha superioridade, da minha ascendência divina, é minha riqueza e meu domínio militar. Assassino a lógica mais elementar sustentando essa tese de que sou rico e poderoso porque sou filho autorizado de Deus. Observem que se os termos forem invertidos o resultado é diverso! Não sou filho de Deus – e único – porque sou rico; sou rico e potente porque sou o escolhido Dele!

Tudo bem, seja assim. O problema é que a minha filiação divina precisa ser atemporal, ou seja, sempre fui. Ora, se sempre fui – e por isso sempre pude matar e sempre fui poderoso – como posso explicar ter sido pobre e não ter podido matar sempre, impunemente e com aprovação das massas? Como posso estar na história, se meu postulado é essencialmente anti-histórico?

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