É cansativo e redundante falar em má educaçã0, pois leva, também, a confusões, equívocos e a mal entendidos. As pessoas pensam que se fala de etiqueta ou de formalismos, apenas, quando se trata de muito mais que isso. Mais que isso, mas também sobre isso.
As convenções sobre as formas de se estar e de se portar em convívio têm razão de ser. Não teriam, evidentemente, se todos estivéssemos sempre sós e se fôssemos todos destituídos de qualquer rigor connosco, mesmo estando sozinhos.
São regras – como quase todas as outras – que só visam a que não nos matemos ou agridamos tão constantemente que a convivência torne-se em algo animal entre animais que se dizem e se prontificam a reputar-se racionais.
A convivência entre os animais não humanos não precisa de regras extra-biológicas. Pode-se dizer que há modelos sociais em certas espécies e, tudo bem, elas existem. Todavia, são regras não criadas por algum consenso social racional. São regras biológicas no sentido de não derivarem de posições consensuais aparentemente racionais e, mais, conscientes.
As pessoas humanas são as páginas em branco que podem ou não receber algum escrito bom. Geralmente, ou permanecem em branco, ou veiculam um escrito ruim. Mas, fazem questão de afirmar sua realização, mesmo que ela seja uma mísera fração da potencialidade da página em branco.
A má educação – quem aposta nela sempre quererá negar o que se dirá adiante – é mais resultado da ignorância que da vontade. Por mais raiva e insatisfação que ela gere em quem a vê e sofre seus efeitos, convém lembrar que ela é algo menos voluntário que estúpido.
Uma estupidez bovina – para usar a expressão consagrada que ofende os bois – e repetida convictamente, afirmativamente, sem possibilidades de ser diferentemente. O sujeito que agride o outro com algum comportamento mal educado, contrário à minimização de atritos no convívio, geralmente fa-lo só por acreditar que não há outra formar de comportar-se.
O fulano mal educado e os fulanos todos mal educados não significam que haja uma conspiração do mundo contra quem aja preocupado em não atingir e em não impingir dificuldades aos outros. Significa apenas que o fulano não conhece regra alguma. Não no sentido de conhecê-las e desprezá-las, mas no de não as conhecer e não ver sentido nelas, ainda que as entreveja.
Vou a um mercado, de carro, entro no parque de estacionamento, e tem um imbecil com o carro parado extamente na faixa para pedestres e no local em que se faz a curva… A coisa é absurda, pois o carro está precisamente onde não podia estar. Ali, ele impedia qualquer outro de fazer a curva, de seguir adiante para qualquer direção.
Mas, esse imbecil estava com as lâmpadas de alerta, aquelas amarelas que piscam aos mesmo tempo, dos dois lados, acessas. Ou seja, ele reputava-se em situação peculiar, fora do comum; em situação que merecia ser anunciada como extraordinária pelo uso das lâmpadas de picar amarelas.
O fora do comum, aqui, é só o detalhe e a armadilha psíquica. O parque de estacionamento estava vazio! Quer dizer que o fulano podia ter estacionado o carro sem quaisquer dificuldades, em uma vaga próxima à entrada do mercado. Quer dizer mais que isso.
Seria tolo e superficial dizer que o fulano é um criminoso com idéias pré-concebidas e que sabia perfeitamente o que fazia. Ele sabia perfeitamente o que fazia dentro do pouco ou nada do que sabe ou acha razoável como normas de convivência.
Ele faz o maior absurdo, gera uma imensa fila atrás de si, e permanece na mesma atitude, porque ele não tem a percepção de que a conduta seja proibida ou lesiva aos outros. É algo normal, algo normal e somente passível de uma parcial desculpa ou aviso pelas lãmpadas piscantes. Uma coisa que ele mesmo aceitaria se fosse ele a esperar por conta do mesmo absurdo; aceitaria o absurdo por conta da lógica da conivência e da ignorância.
O vale-tudo brasileiro é, no final das contas, muito mais de ignorância que de má-fé deliberada. Não significa que as punições sejam inúteis, mas que a educação é mais útil. Significa que, entre nós, o axioma jurídico de que ninguém se desculpa de descumprir a lei por desconhecê-la é uma falácia.
A lei é das muitas coisas desconhecidas. Há delas mais importantes; o desconhecimento é geral e tendente ao vale-tudo gebneralizado.