Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: junho 2012

Rio + 20: teatro verde.

Encena-se uma conferência mundial, no Rio de Janeiro, sobre meio-ambiente e sustentabilidade, essa última a palavra fetiche atual. A reunião é uma má encenação teatral, porque não chega perto de ser arte. É teatro no sentido de disfarce, de cenário puro e simples para o desfile de personagens desinteressantes, com falas artificiais.

Esse tipo de contubérnio dá oportunidade de se dizerem coisas essencialmente contraditórias como se fossem as mais puras harmonizações. O discurso bonitinho das soluções possíveis dentro do mesmo modelo aí triunfa e obtém vasta audiência acrítica.

A deterioração do meio ambiente é fato, mesmo que não seja provado o aquecimento global antropogênico, a pedra de toque de todo o discurso verde. Aliás, há bastante má-fé na insistência monocórdia no aquecimento global, que é apenas um aspecto a ser considerado nesta questão.

A queda da disponibilidade hídrica e os danos resultantes da exploração e consumo de minerais é que revelam mais claramente a deterioração do meio ambiente. Há menos água disponível para consumo humano, para geração de energia elétrica, para a indústria, para a pecuária e para a agricultura, tanto por esgotamento frente ao consumo crescente, quanto por contaminação, no que se refere a consumo humano.

Muito embora haja efeitos globais da deterioração do ambiente, os efeitos locais são muito mais sensíveis. Isso foi rapidamente percebido pelo parte do mundo mais rica e resultou em inteligentes exportações de danos ambientais.

A Europa é o exemplo de mais êxito nessa inteligente política. Manteve o cultivo agrícola nas áreas viáveis, aumentou bastante a produtividade onde havia água disponível e deu estímulos protecionistas aos produtos agrícolas. Partiu para geração de energia elétrica de matriz nuclear, a par com a queima de hidrocarbonetos importados.

Ou seja, a Europa exportou a devastação ambiental para as áreas pobres do mundo, de quem compra minérios e outros insumos. Os resultados negativos da exploração de minérios – metálicos, não metálicos e petróleo – ficou para as áreas produtoras. Os resultados negativos da produção de alimentos intensivos em extensão de terra e consumo de água, como é a produção de carne bovina, ficaram para os produtores.

Hoje, com o empobrecimento relativo do sistema Europa – América do Norte, o discurso verde é mais uma tentativa de dividir os custos com quem não auferiu os benefícios que alguma coisa realmente voltada para a conservação ambiental. É vil servir-se dessa linguagem para impedir que os mais pobres e maiores produtores de recursos naturais aufiram, agora, algum benefício dessa exploração.

Quando todas as commodities estavam relativamente baratas e os preços eram apropriados por um diminuto grupo ligado aos interesses externos, nunca houve discurso verde. A apropriação pelos compradores era dupla: tanto os preços eram baixos, como eram repatriados aos pagadores. Ou seja, tratava-se de simples exploração. Isso funcionou muito bem na África e na América do Sul.

Quando os produtores passaram a ficar com parcela maior do resultado da exploração e a dividi-lo menos concentradamente, as coisas mudaram de figura e o verdismo assumiu ares de discurso salvífico.

É interessante notar que o ambientalismo, como proposto, é uma contradição em termos. A farsa é propô-lo como possível a par com o aumento do consumo. Ele não se harmoniza com o modelo capitalista, o que não é invectiva contra ele, nem contra o capitalismo.

O capitalismo não conhece travas, nem limites. Os poucos limites em que os crentes na vacuidade que se chama direito acreditam atuam apenas nas margens e, quando é necessário, são afastados pela exceção, que reivindica para si a qualidade de insitamente jurídica.

O capitalismo implica produzir mais e mais, sempre, sob pena de não ser. Ele não conserva algum fator de produção, porque considerou que ele poderia esgotar-se mais ou menos rapidamente, ou porque considerou que o exaurimento do fator pudesse gerar algum inconveniente mais adiante. Essas considerações são-lhe totalmente alheias.

A conservação do ambiente e o aumento da produção são coisas incompatíveis e não se tornam compatíveis porque algum processo produtivo tornou-se mais eficiente, marginalmente. Os ganhos de produtividade são apropriados pelos aumentos da produção e, assim, mais que diluídos, são em muito superados pela marcha. Somente imensos saltos na produtividade – nomeadamente em geração de energia – podem ter efeitos positivos na conservação ambiental e esses ganhos estão longe de ocorrerem.

Existem duas linhas de fuga para a conservação ambiental. Uma pode ser confundida com o empobrecimento global e a confusão passa por crer que a redução dos níveis de consumo signifique redução de qualidade de vida. A redução do consumo do que depende de insumos cuja retirada é ambientalmente danosa não implica necessariamente a queda da qualidade de vida. Basta imaginar que é possível as pessoas continuarem a deslocar-se sem a necessidade de milhões de novos automóveis serem vendidos mensalmente.

Outra passa pela reordenação geopolítica, o que é mais complicado. Assim, uns passariam a consumir menos, para que outros pudessem elevar seus níveis – historicamente deprimidos – até um equilíbrio. Isso se faria por meio de preços, mais que por discurso ou mecanismos de compensações artificiais.

Exatamente por ser mais complicada a segunda e por ser impossível de proposição a primeira, o teatro Rio + 20 ficou a passear em torno de quase nada. Abstraindo-se do que é conversa para induzir sono em bovinos, ficaram pelas beiradas do segundo caminho e a reunião, na verdade, foi uma medição de poderes.

Foi bom que tenha sido assim, porque tangenciou-se a irrealidade e pôs-se na mesa o início do que será profundamente antipático: os preços vão subir.

Os deuses morrem de rir.

A proposta mais interessante que já vi, para interpretação do conhecido postulado de Nietzsche, é de Deleuze. Ele diz que os deuses morrem de rir quando um deles afirma-se único.

Poucas coisas fazem rir mais que a afirmação de desigualdade a partir de aspectos que, ao contrário, embasam precisamente a igualdade. Se fosse um deus, eu riria muito também, se escutasse tal reivindicação.

A necessidade de afirmação – em termos que são mesmo políticos – de monoteísmo é paradoxal. O um não precisa afirmar-se senão em face ao dois. Afirmando-se contra o dois ele o reconhece, porque seria ocioso fazê-lo contra o nada. Ou seja, é proposta tendente a girar em círculos.

A única saída para o um, se existisse, era ser absolutamente positivo, ou seja, afirmativo de nada. Ser negativo significa admitir os outros – ao menos como referências potencialmente existentes – e implica necessariamente o tempo, duas coisas com que o um absoluto é teoricamente incompatível.

Lembro-me bastante de um precioso trecho de Ortega e Gasset sobre a simples negação ou contrariedade. Ele diz que afirmar-se anti – Pedro não passa de afirmar-se favorável a um momento anterior à existência de Pedro, ou seja, não é uma proposta, senão um anseio de regresso.

Daí, se um teísmo que se quer único afirma-se contra outro – ainda que tenha o cuidado retórico de dizer do outro que é falso – simplesmente está a propor o retorno ao momento em que o outro não havia, proposição que não tem qualquer relação com a unicidade ou pluralidade.

No fundo, essa necessidade de afirmar-se transparece a única coisa verdadeira que existe; coisa que é mais forte que a busca por afirmações coerentes e não paradoxais. Coisa que é mais forte que as tentativas do paradoxo esconder-se pelo esforço de quantos catedráticos de Bolonha ou Paris haja.

Não se trata aqui de elogiar essa coisa, mas de tentar deixá-la evidente pois, na verdade, é desejável que ela não se manifeste tanto e que se manifeste menos não por conta de racionalizações profundamente irracionais. Isso é o desejo de guerra, a unica realidade, ao fim e ao cabo. Um significado quase sem significante.

Convém não tentar aprisionar esse desejo com racionalizações superficiais e desonestas, extamente para que o âmbito da organização pelo racional possa ser plenamente desenvolvido, para que a potência racional torne-se em ato no seu espaço próprio, que não é negativo.

Apenas para inserir um fato – que não precisa ser visto sob a perspectiva acima, necessariamente – digo que o centro de Campina Grande tem visto um grupo de dez ou quinze ciganas, todas coerentemente trajadas. Nada tenho, contra ou a favor de ciganas, apenas não quero conversa com elas.

Não vou parar para escutar alguma coisa sobre as linhas da minha mão, mesmo que surja uma disposta a ler a esquerda, a que não veicula qualquer mensagem, estranhamente. Também não gosto do detestável hábito delas de pegarem nas pessoas; de porem as mãos nas pessoas, de se dirigirem a elas com um contato físico.

Mas, não vou parar em frente das ciganas para lhes dirigir insultos ou questões. Elas que se fiquem onde estão, que não fazem mal a ninguém.

Pois bem, outro dia desses, um evangélico – desses tão radicais quanto estúpidos – prestou-se a fazer um discurso repleto de insultos e asneiras, aos berros, de uma forma tal que constrangeu as ciganas, o que se sabe não ser coisa fácil. Imagine-se a violência desse discurso.

No fundo, ele reclama seu público, pois não faz mais que ler mãos, também. Reclama por conta da mistura louca da racionalização que é seu disfarce e das erupções da verdade, a ponto e ponto, que é seu desejo de matar.