Antes da receita, advertência que faz sentido nestes tempos de tanto pensamento quase-calvinista: hoje é dia feriado. Dia de todos-os-santos, dia de finados, como o celebramos por aqui. Devia ser feriado apenas para os mortos, mas o é também para os vivos; portanto, celebremos com aquilo que se leva do mundo dos vivos para o dos mortos: o que se come e se bebe.

O dia está muito quente e seco, mesmo a partir das horas mais precoces. Às seis da manhã, o céu encontra-se meio nublado, mas já se pode saber que breve ventos discretos afastarão as poucas nuvens e o sol queimará forte. Não é caso de beber-se vinho tinto no almoço, portanto.  Estamos para um branco bem fresco e o habitual chardonnay chileno cumpre o papel.

Saí de casa em direção ao mercado a pensar num arroz. Não convinha que fosse de carnes e embutidos, por conta do calor. Seria de frutos do mar, o que punha o problema de sua oferta, pois não estamos propriamente em frente ao oceano.

Garoupa e polvo seria boa mistura, a despeito dos diferentes tempos de cozimento, mas não havia um nem outro. Havia, como sempre, camarões, e havia mariscos e sururu descascados. Sururu, para quem não souber, é marisco de água salobra, delicioso, que se colhe nos mangues, nas foz de rios em que a água é meio doce, meio salgada.

Vieram do mercado arroz italiano para risoto, camarões de água salgada, mariscos e sururu descascados, alho, cebolinha, tomates e cúrcuma, que é açafrão de pobre.

Complicado de um arroz desses meio italianos é que se fazem dois cozimentos distintos: o primeiro é dos ingredientes que darão o caldo, o segundo do arroz propriamente dito, o que resulta em bastante trabalho, pois se mexe todo o tempo, à medida em que se despejam conchas do caldo.

Em panela ordinária, do tipo caçarola pequena, deitei quatro colheres de azeite. Antes, aquela parte que é terapia para mim, envolveu picar uma cabeça de alho, um molho de cebolinha e três tomates maduros, em pedacinhos pequeninos.

Azeite quente, alho, cebolinha e tomate na panela e tampa e fogo baixo. Cinco minutos e abre-se a panela e mexe-se a mistura. Entretanto, os camarões tomam cinco ou mais minutos de fogo apenas na água e sal. Essa água de camarão aplacará a fervura louca do refogado e será a base gustativa do caldo que cozerá o arroz.

Baixada a temperatura do refogado com a água de camarão, entram os mariscos e o sururu. Isso toma apenas dez minutos de fogo baixo e mais cinco a partir da entrada dos camarões já cozidos. O caldo está pronto.

Esse arroz italiano para risotos dá trabalho, mas recompensa-o. Numa caçarola de fundo grosso, pôe-se três colheres de azeite e quatro dentes de alho picadinhos. Mexe-se sempre, com fogo alto, e joga-se uma xícara de arroz, continua-se a mexer. Quando a mistura de arroz e alho insinua interesse muito grande em aderir ao fundo da panela deitam-se conchas do caldo dos marisco e camarões, aos poucos.

Todo o caldo que estava na panela dos camarões e mariscos passa à do arroz, aos poucos. É preciso não deixar de mexer o arroz e não por caldo de mais ou de menos. A certa altura, prova-se o arroz e se estiver quase ao ponto, ou seja, um pouco mais duro que o esperado, deitam-se os camarões e mariscos, o conteúdo da primeira panela, no arroz.

Pus meio copo de água e tapei o arroz. Deixei mais cinco minutos e resultou excepcional!