Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: dezembro 2012 (Page 1 of 2)

O Congresso Nacional pode resistir ao golpe judiciário.

A opção do 01% brasileiro para o golpe de estado que visa a impedir a reeleição da Presidente Dilma ou a eleição do ex-Presidente Lula, em 2014, não foi pelas baionetas. O momento permite alternativa mais simples e barata e, ademais, com vantagem de manter aparências democráticas: é o golpe judiciário, dado no mais alto tribunal de justiça do país.

O julgamento da ação penal 470, ainda não encerrado totalmente, foi o ensaio geral do modelo. Inaugurou-se solenemente a condenação criminal sem provas, o processamento no stf de réus que deveriam responder em primeira instância, a supressão do direito de defesa ampla, a tentativa de encarcerar réus antes do trânsito em julgado da sentença e mesmo que não haja ameaça de fuga e, o mais significativo, a tentativa de emascular o Congresso Nacional e decretar a cassação de mandatos parlamentares sem a intervenção do próprio Congresso.

A facilidade com que esse enredo foi posto em cena deveria servir de alerta para quantos ainda crêem não estar em curso o golpe de estado. Aberrações jurídicas evidentes foram praticadas sob os aplausos da imprensa ávida pelo linchamento dos réus. E este apoio mediático incutiu em grandes parcelas do público a impressão de que se estava a fazer grande campanha de limpeza moral. O público, de resto, é muito inclinado ao linchamento e para ele sabe bem o gosto a sangue.

É interessantíssimo notar a facilidade de se cooptarem juízes da corte suprema para esta empreitada de estupro da constituição e da democracia. Não se trata de suborná-los ou de prometer-lhes vantagens, basta que seus egos sejam acariciados na imprensa, para que assumam a tarefa espontaneamente, em busca de nacos do poder estatal.

As pessoas que conseguem auto-limitar-se e passar imunes pelos fotógrafos e repórteres contam-se em número bastante reduzido. Tão ou mais reduzido é o número dos que prezam o jogo democrático para além do discurso nitidamente hipócrita. Assim, estão sempre presentes as condições para a judiciocracia, desde que as personagens erradas sejam escolhidas para os postos mais altos.

O erro quanto à personagem do juiz do supremo tribunal e do acusador-geral da república dá-se com relação ao caráter e não prioritariamente com relação à capacidade técnica. Este último aspecto é parte de uma farsa mitológica, porque os elegíveis todos têm condições de manejar as técnicas jurídicas, sejam no campo mais rasteiro, sejam na parte mais complicada da teoria do Estado.

O indicado, independentemente da coloração política que tenha intimamente, deveria ser o mais discreto e quiçá com o maior complexo de superioridade posssível. Claro que alguém poderá objetar que incorro em contradição, porque complexo de superioridade seria campo fértil para a sedução mediática. Mas, não é nada disso, antes o contrário.

A abertura para a sedução ególatra vem antes do recalque e do íntimo conhecimento das insuficiências. Ou seja, o oportunista que se entrega por promoção pessoal extrai-se muito mais frequentemente do campo dos aparentemente mansos e sensatos que dos realmente auto-suficientes. Os seres menores, a maioria estrondosa naturalmente, dão rasteiras e pontapés por baixo da mesa e, pior, depois revelam as práticas. Com esses dá-se o golpe.

Por outro lado, é ilusório acreditar em reações populares eficazes, por maior que seja a capacidade de mobilização de líder extraordinário como o Lula, por exemplo. O caso é que as pessoas inclinam-se facilmente ao imobilismo, reféns de uma crença quase inabalável em que as coisas tendem a não piorarem para elas.

Por isso, as tais reações populares tendem a ser muito localizadas em corporações específicas como sindicatos, o que facilita sua classificação como defesas pontuais e perigosas, que devem ser vistas como ameaças à vida cotidiana do prototípico ser de classe média, aquele cuja maior característica social é o medo. Esse grupo tem medo de tudo que possa parecer ameaçador da aparente estabilidade e por isso não vê com bons olhos manifestações populares, nem se elas destinam-se a defender coisas vantajosas para a própria classe média.

Outra ilusão – auto-ilusão, talvez – que aponta a ineficácia das reações populares é da impossibilidade de retrocesso. Ora, para seguir o mesmo caminho tem-se o grupo que já aí está. O golpe é precisamente para mudar os rumos e retroceder a pouca melhora na distribuição de rendas obtida nos últimos dez anos. Por o não poder negar, o golpe não fala de economia sob tal perspectiva, fala apenas em moralidade.

A maior contradição interna ao golpe, quando ele adquirir mais inércia, será o ser apoiado por grupos que perderão com ele. Isso, se se tratasse de golpe militar e sucessiva instalação de ditadura mais ou menos abertamente seria problemático, pois os grupos insatisfeitos externariam sua insatisfação e teriam que ser reprimidos à força, o que sempre é complicado.

Todavia, no modelo novo de golpe, a necessidade de repressão violenta é afastada e a insatisfação quando emergir será conduzida a um beco-sem-saída. Ele operará por meio da interdição seletiva, no início, e em bloco, ao depois, de opções políticas, razão porque poderá manter eleições diretas. Tudo quanto for possibilidade real de escolha será banido judicialmente e os eventuais insatisfeitos ficarão sem possibilidades reais de escolhas e, pior, profundamente confusos.

Este cenário só poderá ser evitado se o Congresso Nacional o perceber e quiser regir a ele. Claro que parcela dos congressistas sentir-se-á à vontade para acomodar-se ao novo modelo, em que terão pouquíssimo poder efetivo, reféns de interdição judiciária seletiva e casuística, a partir da acusação mais pueril. Se não quiserem ser parlamentares emasculados, terão que reagir e fazer valer os poderes que só os eleitos têm, legitimamente.

O mais importante a ocorrer nos próximos meses será a reação do Congresso à cassação de mandatos de deputados condenados na ação penal 470. Ela não é automática, como quer o stf, mas depende de processo autônomo no Congresso. A constituição brasileira de 1988 não abriga a cassação judicial de mandato parlamentar, ainda que abrigue a posterior cassação de diploma do eleito, por faltas prévias ao processo eleitoral.

Um parlamentar legitimamente eleito simplesmente não pode ser cassado pelo judiciário, embora o stf insista nisso e conte com a enorme ajuda da imprensa na divulgação dessa aberração.

Preconceito de classe.

O caso mais evidente de preconceito de classe, a unir parte do 01% a parte da classe média escrava dos primeiros, é aquele que resulta na Lulofobia. Não é disso que pretendo falar brevemente. Lula é figura emblemática, mítica mesmo, que concentra essas manifestações, como alvo preferencial, e concentra também comentários e análises.

Todavia, o preconceito de classe tem várias manifestações, algumas delas até mais interessantes, afastando-se o viés puramente político, que a Lulofobia. Ele, o preconceito de classe, é mais forte que o verniz técnico e acadêmico que a classe média ostenta orgulhosamente. Ele está em tudo e sua mais interessante manifestação é a contradição de um grupo que se diz democrático pregar diretamente contra a democracia.

Ocorre, no Brasil, de se elegerem, aqui e ali, parlamentares não extraídos do empresariado e das máfias do direito, da medicina, das igrejas cristãs e da engenharia. Ainda é raro, mas tem havido a escolha popular de representantes populares. Um dia, teria que haver.

Esses parlamentares, deputados federais, deputados estaduais e vereadores, costumam ter alcunhas deliciosamente arcaicas, daquelas que associam a um nome a profissão ou o lugar de origem do sujeito. São os Chico da Feira, Zé da Sopa, Antônio Sapateiro. Isso dos nomes faz a delícia da pequena burguesia, grupo ávido pela chacota vulgar e apontadora do dedo. Ávido por rir da queda, do aleijão, da gagueira.

O médio-classista típico, ascendido socialmente há uma ou duas gerações, orgulhoso do seu diploma de alguma coisa, piegas e grosseiro porque o diploma não o instruiu nem o tornou delicado, volta suas baterias contra o palhaço, o futebolista e o feirante que se elegeram parlamentares. O foco centra-se precisamente na origem do parlamentar, que se evidencia nas suas posturas, expressões corporais, na maneira de falar, na sua vestimenta. A crítica pequeno-burguesa é baseada nos símbolos que ela percebe e a partir dos seus padrões distorcidos e pobres.

Dirão, em uníssono, que é absurdo o nível dos parlamentares que se encontram nas casas legislativas. E o dirão com ares e falares que são exclamações a cada pausa. Dirão que esse povo é mal educado e por falta de educação elege representantes inadequados, porque vestem-se, falam e têm origem social que os associam ao burlesco.

Esquece-se a pequena-burguesia enfurecida que ela é meio de cultivo da grosseria, do arremedo de modos estranhos, da cultura semi-letrada, da moralidade de mão única, do oportunismo, do cultivo da falsa ingenuidade e da falsa modéstia, da covardia. Ela é incapaz, salvo por alguns exemplares que devem sua excelência ao azar, de valores positivos e não copiados.

O pequeno-burguês afirmativo faz-se forte na meritocracia, que identifica ao seu saber meramente técnico, que não transborda um mililitro para outras sendas. O sujeito licencia-se em direito – para usar o exemplo mais comum – e não sabe coisa alguma que não seja o besteirol que aprendeu na faculdade e nos  cursos para ingressar no nirvana do serviço público.

Ou seja, são vagas de técnicos superficiais, ruins até na técnica que estudaram, incapazes de juízos estéticos, incapazes de pensarem por sí próprios, desconhecedores de história, de literatura, de ciências naturais, de boas maneira, de tudo, enfim, a porem o dedo acusador sobre o personagem burlesco que traz a legitimidade popular.

E essa gente repete – sem saber o que significa – o discurso aprendido segundo o qual há um estado de direito, que passa por eleições e é, por isso, democrático. Mas, no fundo, ignora o que pode haver por trás do discurso, seus fundamentos; sabe nada de democracia e suas noções de encadeamento lógico são primárias.

O que o pequeno-burguês linchador acusa no parlamentar de origens humildes é ele mesmo, é o que há nele mesmo, exceto o oportunismo, claro.

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