Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: agosto 2013 (Page 1 of 2)

Síria: porque mísseis são melhores que discursos de direitos internacionais.

Os EUA bombardearão a Síria em breve, por razões que não incluem a morte de sírios por armas químicas. Eles, os mandatários norte-americanos, nunca se preocuparam com a morte de ninguém, por qualquer razão e meio que seja; eles sempre promoveram matanças enormes quando isso lhes interessou. O problema não é esse, até porque provavelmente as armas químicas foram fornecidas por eles aos mercenários recrutados para desestabilizar o governo sírio.

A ONU presta-se ao papel ridículo de sempre, ou seja, a preocupar-se com formalidades e com aparências, quando isso vale nada na decisão do governo americano de despejar mísseis de cruzeiro sobre o território de alguma nação soberana, destruir infra-estrutura, matar muita gente. A ONU, enfim, cuida da parte do falatório e das aparências; o governo dos EUA cuida da destruição e está tudo assim bem resolvido.

Ainda me assusto um pouco com a parte dessa estória que paga tributo à hipocrisia em doses elevadíssimas. Falo da necessidade de mentir, de fazer discurso com solenidade, como se o discursante acreditasse no que diz e como se todos os restantes fossem absolutamente imbecis, quando é verdade que somente 95% das pessoas são totalmente imbecis.

No rastro dessa crença – quase sempre exitosa – na imbecilidade de 100% das pessoas, ouve-se a aberração lógica da destruição humanitária e coisas do gênero. E cria-se o falso problema da autorização da ONU e traz-se à cena a farsa da legitimidade de um punhado de países autorizarem a destruição física e a matança humana. Isso tudo é conversa para induzir sono em bovinos.

No oriente próximo só há dois países que não são vassalos do esquema EUA, Europa e Israel: o Irã e a Síria. Estes dois articulam-se comercialmente com a China, a Índia, a Rússia, mas não têm com estes países relações de vassalagem. Isso não convém aos EUA, nem a Israel e em menor medida não convém à Europa.

Por um lado, trata-se de petróleo, mas de uma forma mais sutil e complicada do que pode de início parecer. O ataque norte-americano significará um aumento imediato nos preços do petróleo e, se a coisa se tornar crônica, pode significar o estabelecimento de novos e estáveis patamares para o preço do óleo.

Aumento do preço do petróleo significa despesas maiores para quase todos os países do mundo; redução do preço do dólar norte-americano e aumento de receitas dos exportadores do óleo. Além disso, torna economicamente viável a exploração do gás de xisto nos EUA e do petróleo das areias betuminosas do Canadá. Além dessas consequências relativas ao óleo, há as despesas militares e o aumento da demanda por crédito. Ou seja, é um belo negócio.

A par com esta parte logicamente compreensível, temos o que todos negam. A guerra tem seu quê de não utilitária à vista de parâmetros econômicos e estratégicos mais evidentes. Israel quer ser territorialmente duas vezes maior do que é presentemente e quer matar todos que ao seu redor não sejam depositários da verdade revelada por seu deus mesquinho, guerreiro, sanguinário e fútil. Isso não é desprezível e eles são capazes de fazer a guerra até se for para a perder.

Tito Flavio Vespasiano teria muito a dizer sobre essa inclinação até honrosa a criar confusão e leva-la até ao sacrifício. O Arco do Triunfo até hoje nas ruínas do Foro de Roma conta pouco do que foi a campanha de 70 contra a sedição dos judeus. Uma campanha que resultou em pouco saque, muitas mortes e muito trabalho, para reduzir um povo desprezado, em uma província pobre.

Mesmo depois de ricos e não mais desprezados, persiste a inclinação bélica desmesurada, para além do cálculo cuidadoso dos banqueiros que verão a guerra desde a Côte D´Azur, pouco preocupados que suas mãos sequem e seus olhos ceguem, caso Jerusalém pereça esquecida por eles. Os do cálculo são os menos arqueologicamente judeus; eles ganham com a guerra, mesmo que ela liquide o templo pela terceira vez.

Os do meio, que são empregados com muita autonomia, esses vão até ao fim, ao que parece, não apenas pelos ganhos financeiros.

Se se tratasse somente de elevar os preços do petróleo, subitamente e até para outros patamares estáveis, havia outros meios mais fáceis. Qualquer afundamento de um grande petroleiro, posto na conta de ação terrorista de algum grupo de mercenários seria suficiente. Além disso, convém lembrar que a Síria tem pouco ou nada a ver com petróleo; a questão é o Irã e não é apenas aumentar o preço do óleo, que isso já se conseguiu, resta apenas esperar alguns dias.

Há pouco, celebrou-se a negativa do parlamento inglês ao ataque à Síria, porque faltam evidências da autoria dos tais ataques. As pessoas que transitam no espaço que o poder deixou para a burocracia dos bacanas bem intencionados que acreditam e falam em direitos disse que isso era importante. Não é. Os EUA farão o ataque sem a Inglaterra e com ou sem a França – pouco importa – porque esses países contribuem com nada ou quase nada do esforço bélico.

Que o parlamento inglês tenha rejeitado o ataque foi ótimo para o bandido Cameron, mas foi nada para a realidade próxima da destruição. Que o bandido prêmio Nobel da Paz Obama leve o ataque a cabo sem se preocupar com Parlamento Inglês, ONU e outras besteiras mais é ótimo também. É mais uma volta no parafuso do império incondicionado, que não precisa pedir desculpas.

Ao final e ao cabo, o certo é que melhor que ONU, parlamentos, discursos, evocações humanitárias, pruridos europeus por aparências e outras mais idiotices, são sistemas de defesa anti-aérea e anti-navios.

Liberdade é algo que implicaria não ser humano.

A má-compreensão e a falta de significado de um termo são praticamente a mesma coisa. O termo liberdade é, juntamente com justiça, dos que menos significado têm, ou porque sejam vasos a comportar qualquer coisa, ou porque sejam mais juízos valorativos morais que representações de algo.

Claro que alguém pode objetar que esses termos são pouco ou nada mais que designações de juízos morais amplamente vagos e cambiantes, mas o problema reside exatamente em que os objetantes não acreditam, sinceramente, nestas ambiguidades decorrentes da dependência total das circunstâncias. Até os supostos objetantes da falta de significado querem sempre acreditar que se trata de termos unívocos portadores de verdades imutáveis.

As pessoas aceitaram tacitamente a convenção de somente falar de liberdade das formas mais tolas e superficiais possíveis, o que revela sua insegurança, ignorância e medo do assunto. Por outro lado, o grau de interdição de um assunto ou de um nome revela bem sua importância efetiva. Não foi à toa que o inteligentíssimo Camus afirmou que o suicídio era o único tema sério da filosofia para as pessoas: ele não era inseguro, nem ignorante, nem medroso.

Isso de liberdade vem imediatamente ligado ao lugar-comum da escolha, da decisão que seria sempre tomada entre alternativas pesadas por alguma vontade agente. Acontece que a vontade agente e una deixou entrever, primeiro para alguns artistas e, depois, para certos cientistas, o que tinha de reflexo condicionado e de plúrima. A questão do reflexo incondicionado pela vontade é menos problemática, mas a superação da unicidade será apostasia eterna.

Não deixo de voltar a pensar em textos de Sperry, de Gazzaniga e de Bogen, alguns co-escritos por eles, outros apenas de Sperry, na sequência das maravilhas resultantes da pesquisa com a seccão dos corpos calosos: Language in human patients after brain bisection, Observations on visual perception after disconnexion of the cerebral hemispheres in man e Brain bisection and mechanisms of consciousness.

Roger Sperry e Michael Gazzaniga perceberam que a unicidade não era mais que predomínio da linguagem, algo que Stevenson havia percebido antes de 1886 e que certamente muitos outros dotados de arte e paciência perceberam antes ainda. O estranho caso do doutor Jekyll e do senhor Hyde e o único essencialmente duplo, a deliciosa contradição que tem toda realidade despida de suas fantasias. Um são dois, por que não?

Como sempre, a ciência andou mais lentamente que a arte, embora não signifique mais capacidade de penetração de uma ou outra, porque ambas são opacas para o vulgo. Nunca foram libertadoras, nem demolidoras de lugares-comuns, ao contrário do que pensam os dogmáticos limitados e medrosos. Não há porque travar-lhes o caminho para evitar que a massa se instrua e supere os lugares-comuns. Isso é investir contra a coisa errada. O contato do vulgo com a arte e com ciência dão em nada, já com a política é fértil, e é para aí que os conservadores devem mirar.

Os doutores neurocientistas norte-americanos postularam, nos anos de 1960, algo que implica, sem eufemismos, a falsidade da pessoa una e agente livre. A unidade, embora óbvio convém dizê-lo, é de ordem material, o que significa que um corpo é todo ele coerente e movido pela mesma e única vontade, segundo a dogmática de matriz religiosa dominante.

Poucas coisas poderiam ser mais demolidoras que os fenômenos da mão alheia e da incompreensão total por falta de abordagem por linguagem, que eles viram e estudaram na sequência da separação dos hemisférios cerebrais. Nem a vontade era única no mesmo corpo, nem o mesmo corpo compreendia algo igualmente a depender de que metade lateral recebesse os estímulos visuais, tácteis ou sonoros.

Não causa escândalo algum falar em dominância lateral e afirmar que a linguagem associa-se ao hemisfério cerebral esquerdo. Curiosamente, causa escândalo lembrar o que antecedeu a essas conclusões e o que se infere, posteriormente. Se há dominância lateral, há um dominado.

O dominado, no humano, é aquilo que o vulgo generosa e acriticamente chama de natural. O natural é, em via inversa, exatamente o que o vulgo não quer que seja: amoral, imediato, incapaz de desculpas, incapaz de disfarces, tão livre quanto preso à fome, ao sono, à lubricidade periódica, mas sempre livre porque incondicionado por linguagem.

Pois bem, esse natural é preciso que não seja natural nem livre, duas supressões que o dominador hemisfério esquerdo desempenha muito bem e que resulta que seja visto como a realidade natural e livre.

Quero apontar que uso neste texto termos valorativos comuns – que se aceitaram como termos absolutos não valorativos nem relativos – como são natural e livre, apenas para dar a ver a inadequação que têm para a compreensão do assunto. Se existem e têm algum sentido natural e livre, esses termos passam a inexistir e a não terem qualquer sentido se virmos como são usados para coisas diversas, como são usados imprecisamente e como poderiam ser usados igualmente para coisas antagônicas.

Recentemente, a ciência, a mesma que anda atrás da arte, descobriu que o campo da chamada liberdade de escolha é mais restrito do que gosta de supor o vulgo. Fê-lo por imagens do cérebro que identificam áreas ativadas por atividades específicas. Em resumo, há um padrão de respostas pré-estabelecidas, o que tem um quê de arqueológico e antigo, mas inegavelmente diminui o tempo de resposta aos estímulos.

Nenhum animal tem liberdade ante o fogo e talvez este seja o exemplo mais elementar de resposta condicionada. Todavia, isso vai se tornando mais sutil à medida que as supostas alternativas são menos drásticas, mas ainda assim o acervo de respostas mais ou menos estabelecidas existe e as respostas dão-se conforme a este repertório de sim e não, numa lista binária muito longa de se isso então aquilo.

Porque não convém ao vulgo perceber que a enorme maioria de suas escolhas não são mais que reações a rigor involuntárias? Porque reconhecer que o âmbito de escolha é muito restrito implica aumentar o valor da escolha e da liberdade, por escassez. No fundo, o vulgo quer isso que canta em loas constantes reduzido a algo comuníssimo e abundante, enfim, barato.

O vulgo precisa ver liberdade em tudo, precisamente porque crê que ela significa nada. Enaltece em prosa e verso ruins o que não estima verdadeiramente.

Por outro lado, saindo do campo da psique, evidencia-se que o discurso de existência da liberdade de escolha a cada passo serve à dominação de muitos por poucos. A liberdade, essa coisa bonita e ampla, se ela existir assim como dizem, justifica todas as desigualdades entre as pessoas. É terrível e ao mesmo tempo genial essa idéia de instilar na maioria a noção de culpa da vítima a partir de algo que se valora positivamente.

A liberdade, em termos políticos e econômicos, está na raiz da desigualdade. Assim, a desigualdade não passa de um estado natural de coisas – e eis aí outra inexistência cara ao vulgo – devidas às vontades de cada qual. Todos livres e uns poucos muito melhor aquinhoados que a maioria, era necessário convencer a maioria de que tudo se devia enfim à sua própria vontade!

Antigos senhores de escravos vivem saudosos.

É longa a recuperação das sociedades que conhecem pessoas com estatuto de coisa, objetos de direitos e não sujeitos deles. Esta situação, a do escravismo legalizado, somente é superada por dois meios: a luta – o que implica escravos relativamente bem instruídos – e a inviabilidade econômica de manutenção da escravidão legal.

No Brasil, que foi aquinhoado por Deus e por seus espíritos mais próximos, caídos ou não, com uma classe dominante especialmente genial, o escravismo legal foi abolido porque não fazia mais sentido econômico e porque prejudicava as exportações de colônias inglesas que não tinham mais este tipo de mão-de-obra.

Ele deixou de ter estatuto legal, mas permaneceu longamente após a aquisição pelos ex-escravos do estatuto de sujeitos de direitos. Os câmbios sociais são muito mais lentos que alguma mudança jurídica abrupta possa fazer crer, o que revela o caráter teatral do jurídico quando se o compara com o social e econômicamente dinâmico.

Um grupo humano ter, em qualquer lugar, nos seus tempos iniciais, a divisão das pessoas entre coisas e donos de coisas é nada mais que evolução da anterior prática de matar os vencidos. Escandaliza os ignorantes e os preguiçosos de pensar a evidência de que a escravização é um passo evolutivo relativamente à simples eliminação de todos os vencidos.

Todavia, outro passo evolutivo é dado quando se reúnem as condições para explorar os vencidos de maneiras mais sutis que simplesmente os reduzir a coisas, objetos de compra e venda. O passo seguinte mantém estratificação social, com classes de cidadãos, embora suprima as distinções legais, exceto por um e outro grupo que mantém privilégios legais explícitos.

No Brasil, o escravismo de pretos era legal até há pouco, precisamente há cento e vinte e poucos anos. A escravidão persistiu muito forte até hoje, o que fica evidente para quem vir a divisão na apropriação de rendas, os índices de mortalidade por crimes, os índices de encarceramento por faixa de renda e por etnia. Enfim, todos os indicadores que se usem apontam para um fosso entre dois grupos.

É óbvio que as coisas estão muito menos ruins hoje, porque ao menos se tem a igualdade jurídica formal, aquela maneira de praticar a injustiça com mais aleatoriedade, o que dá às massas a sensação de que a igualdade material está próxima ou que nem mesmo é algo desejável. Hoje, em poucas palavras, os escravos têm TVs, aparelhos telefônicos móveis, leem tão precariamente quanto a classe média e recebem vez e outra o que os senhores lhes deixaram de pagar.

O aspecto mais destacado da herança escravista no Brasil é o emprego doméstico. Uma pesquisa recente, não me lembro de qual instituição, constatou que não há outro país com mais empregados domésticos que neste paraíso tropical dos 10%. É impressionante, principalmente porque não somos o país mais populoso do mundo e estamos muitíssimo atrás da China, da Índia, dos EUA, da Indonésia e provavelmente do Paquistão.

Uma quinta posição relativa a par com uma primeira absoluta – e considerando-se a imensa diferença para os mais populosos – é realmente uma vitória indiscutível nesta modalidade. É extraordinário em termos quantitativos e em termos qualitativos e revela que ficamos com o escravismo em realidade muito mais que com traços arqueológicos que se possam encontrar.

O emprego doméstico até há pouco não tinha jornada limitada em lei, não tinha fundo de garantia contra despedidas arbitrárias, coisas que todos os demais empregos têm há mais de cinquenta anos. A distinção, para quem se disponha a pensar – só a pensar, esquecendo-se de seus interesses de classe e pessoais – era simplesmente absurda, por destituída de qualquer razão.

Mas, vale a pena observar a distinção entre o tratamento legal de um trabalho e dos demais e a recente supressão dela. Ela, a supressão da escravidão formal e da violação ao princípio da igualdade, gerou reações que beiram a loucura. Além dessas reações, permite ver o quão longeva era uma diferenciação baseada em nada e que sempre pareceu a coisa mais comum e aceitável do mundo.

Tornou-se hábito repetir o lugar-comum tolo de que o texto produzido pelo congresso nacional em 1988 é a constituição cidadã. Ora, essa magnífica obra dos jurisconsultos brasileiros oriundos da oposição permitida ao regime ditatorial de 1964 a 1985 continuou a distinguir todos os trabalhos do trabalho doméstico.

Agora, o trabalho doméstico assemelha-se juridicamente, formalmente, aos demais e isso causa escândalo às classes médias e altas. Esse escândalo revela algo feio de ver-se, que é a estupidez. A burrice é mais feia que a má-fé, em qualquer perspectiva que tome em conta a estética e a história. A burrice é muito mais nociva que a má-fé pura.

Os médio classistas brasileiros, useiros contumazes do trabalho doméstico semi-escravo, insurgem-se contra a igualdade de direitos dos trabalhadores domésticos apenas com a sua raiva de quem perdeu algo e quer que esta perda tenha alcance de argumento. Assim, neste ambiente, tornou-se comum dizer-se que bons eram os tempos antigos, que as pessoas antigamente sabiam dos seus lugares, que se faz um favor oferecendo um trabalho doméstico a alguém e outras tolices do gênero. Claro, neste ambiente povoado por estupidez, há o argumento do mérito…

Para comparação, posso dizer que bons eram os tempos em que o Estado pagava 40% de juros ao ano, sem riscos quaisquer, sem ameaças inflacionárias, a troco de nada mais que ter o que emprestar ao Estado, por intermédio de algum banco. Era bom para mim, se tivesse o que emprestar, mas era absurdo para todos os mais que 90% que nada emprestam ao Estado.

Se eu ou a personagem que se enquadre neste papel for além de cuidadoso consigo um pouco menos estúpido, saberá que o assalto revertido não será uma violação de lei divina e estável, apenas a recomposição de forças e algo que me contraria. O que é ruim para alguém decorre de alguma vitória de quem estava perdendo, apenas.

Ter que pagar um pouco mais caro por escravos domésticos não é algo a violar os estados naturais, até porque o humano, pessoal e coletivamente, nada tem de natural: É algo violador dos interesses pessoais e de grupo e não significa violação de algum balanço natural de forças e de classes e de trabalhos.

Para as classes médias moralistas brasileiras, isso agrediu até um de seus patrimônios mais valorosos: a idéia de estar a fazer favores. Quando algo torna-se direito escrito, reduz-se um pouco o campo do discurso da concessão graciosa do que sempre se deveu. Eis aí algo mais importante que o preço em si: suprimiu-se de certa classe média piedosa a sempre conveniente oportunidade de dizer-se caridosa porque dá aquilo que a lei não exige.

Revista Veja nos estertores finais?

Tenho a impressão de que o pior da imprensa brasileira, que são a Globo e a Veja, experimentam mais uma volta no já apertado parafuso do baixo nível, do partidarismo aberto e da desinformação mal-disfarçada. Chegaram a tal ponto de maniqueísmo rasteiro e de destinação evidente a semi-alfabetizados e nazistas de nascimento que a coisa parece um pedido de socorro.

No caso da Globo, tenho para mim, com poucas dúvidas, hoje, que é sim um pedido de socorro e de acordo com o governo federal. A Globo deve muito a credores privados nos EUA – algo à volta de 2 bilhões de dólares norte-americanos – e deve muito ao Estado brasileiro, por conta de sonegações oceânicas de tributos federais, dívida que corrigida e acrescida de juros chega próximo a 800 milhões de reais.

Não é pouco dinheiro nem para uma grande corporação detentora de alto poder de desinformação e chantagem. Por isso, calculou cuidadosamente os movimentos de ataques infundados e violentíssimos ao governo e seus integrantes, sempre por um nada ou quase nada, na medida cronológica certa para interditar a presidente para as próximas eleições, dando o golpe, ou fragilizá-la a ponto de não precisar do golpe mediático judiciário e ganhar o pleito com qualquer um dos postulantes à direita.

Talvez a campanha moralista dos amorais natos tenha iniciado-se muito cedo, notadamente para empresa que se serviu de expedientes demasiado iníquos até para padrões da imprensa brasileira. Parecia que o governo seria mais covarde que o habitual, mas houve alguma reação à campanha sistemática de agressões quase sempre fundadas em puras inverdades.

Vieram à tona os casos das enormes dívidas de subsidiárias da Globo nos EUA onde, inclusive, a coisa foi parar nos tribunais e soube que girava em torno aos expressivos 2 bilhões de dólares. Soube-se, também, que a empresa fora autuada pela Receita Federal por vários ilícitos contra a legislação tributária brasileira, notadamente manobras para escamotear a ocorrência de fatos geradores de tributos.

O processo no fisco brasileiro montaria, em valores atuais, a cerca de 800 milhões de reais de multa. Este caso teve o agravante de envolver episódios dignos de novela, como foi por exemplo o caso da funcionária do fisco que roubou os autos e teria desaparecido o processo.

Particularmente, apesar das discretas mas desesperadas propostas implícitas de acordo, não creio que fosse inteligente o governo anuir porque acordo com a máfia só faz quem é mafioso e se dispõe a assim agir do começo até ao fim. Aconteceria o previsível: o governo deixaria de ser maltratado por qualquer coisa por três ou quatro meses e mais tarde voltaria a tomar pau no lombo em editoriais e matérias supostamente jornalísticas diariamente, ainda a tempo de jogar-se o resultado do pleito de 2014.

O caso da revista Veja é mais interessante, porque algo vertido em linguagem escrita apresenta por contraste e pela expectativa gerada contornos mais nítidos da baixeza de visão e superficialidade de abordagens. A Veja não pode ir além no maniqueísmo, na superficialidade, na manipulação, na negação da realidade, na distorção dela, na mentira pura e simples, porque ela chegou aos limites viáveis.

Mais além do que já foi, somente se se dispuser a estimular o assassinato de pretos, pobres e petistas somente por o serem, sem mais quaisquer arremedos de desculpas ou sofismas de botequim.

Uma revista destas semanais pseudo-informativas vive, entre outras coisas, do mito da imparcialidade, algo que lhes confere autoridade junto a seu público. Sua prática, além de violar evidentemente a imparcialidade, coisa que não existe nem é necessária na imprensa, consiste em levar o público ao desconhecimento. Assim, muito mais importante que noticiar e moldar respostas do público é deixá-lo na escuridão quanto a tal ou qual assunto, seletivamente.

Não era à toa que o falecido barão da Globo dizia, com muita sagacidade, que o importante não era o que o jornal da noite dava, mas precisamente o que não dava, porque assim era inexistência. Não é preciso ser tão sagaz quanto o barão global para saber que esta lógica diabólica funciona muito bem, mas pressupõe o monopólio da comunicação de massas.

A revista Veja não tem o monopólio das comunicações escritas, mas certamente atinge e seduz metade da classe média brasileira, o que se percebe a toda evidência quando se chega ao trabalho na segunda-feira. Qualquer ambiente de trabalho e principalmente alguma repartição pública terá dois ou três versões faladas do que continha a versão mal-escrita do final de semana passado. Essa gente chega ao trabalho ávida por reproduzir as propostas de linchamento que leu no seu veículo instrutor, bem como as jóias de ciência de astrólogos que a revista veicula.

Ora, a aposta na burrice é das mais seguras que existem, porque ela é superabundante. Acontece que nem todo o público cativo de alguma publicação deste nível integra uma malta criminosa organizada, ou seja, nem todos são empregados diretos e beneficiários do pessoal para quem trabalham as Vejas. Daí que essa gente que é apenas moralista histérica, semi-alfabetizada e demofóbica pode sentir-se traída em certas ocasiões.

Se se retirarem os associados e beneficiários diretos e indiretos da atividade mafiosa da revista e de seus patrões e os visceralmente conservadores – mesmo quando seu conservadorismo é contra si mesmo – restam as pessoas de boa-fé que se assustam e se escandalizam com a imoralidade da semana. Se a revista omite algum escândalo de roubo de dinheiros públicos, como no caso dos trens de São Paulo, ela pode estar sucumbindo à burrice que contra encontrar nos seus leitores.

A parcela do público médio que, mesmo com raciocínio binário, conservador e moralista, vir na capa de outra revista que um esqueminha desviou 500 milhões de reais do Governo de São Paulo, ao longo de vinte anos, e que foi comprovado por depoimentos dos que pagaram o suborno, ao ver na capa de sua Veja a milésima reportagem sobre exercícios físicos, boa forma, emagrecimento e que tais pode sentir-se um tanto traída.

Pois a Veja ignorou solenemente o que nem mesmo a Globo, o Estadão e a Folha de São Paulo tiveram coragem de fazê-lo. Esses outros meios deram a notícia banhada em eufemismos, mas a Veja suprimiu, pura e simplesmente.

A Globo, a Folha e o Estadão são demofóbicos e entreguistas e trabalham a bem da demofobia e do entreguismo, mas parecem não ler ligações umbilicais com certo partido político – ou a disfarçam razoável e esporadicamente – e têm algum instinto de sobrevivência. Dá-se algo notável com a Veja, que é sim e claramente um panfleto de um partido, sem mais disfarces.

Seu jogo é arriscadíssimo, porque o governo não a procurará e porque parte dos que a leem sentir-se-á traída pela gritante seletividade que omite algo impossível de ser ignorado, como é o caso oceânico de roubalheira nas compras de trens à Alstom e Siemens pelos sucessivos governos tucanos em São Paulo. Há conservadores que não integram bandas criminosas: são apenas conservadores e demofóbicos, mas emprestam sinceridade ao seu moralismo pós-udenista. Estes podem sentir-se feitos de tolos.

Penne com galinha desfiada e pesto.

Muitos franceses não provençais creem que a chamada cozinha francesa é a melhor do mundo que exclui a Ásia. O restante deste mesmo mundo acredita nisso com a mesma fé que leva multidões a adorarem um livro ou uma personagem histórica. De minha parte, considerando-se este mundo em extinção, deposito minhas crenças e volto minhas preces para a cozinha italiana.

A culinária francesa é demasiado grassa naquilo que frio fica rançoso e tende a mudar de estado. E, embora rica de carnes e de pão, a expressar a riqueza de um dos países mais férteis que há, não teve a inteligência criadora da pasta e das combinações vegetais mais simples e extraordinárias.

Outro dia desses, via um programa de TV de um cozinheiro inglês que faz muito esforço para ser simpático. Geralmente, não levo esse pessoal de TV a sério, porque afinal é de TV e pouco ou nada de bom vem dela. Mas, o rapaz mostrou que não é burro, pois estava em Veneza e cozinhou inspirado em Veneza. Mais precisamente, o cozinheiro fez um carpaccio de carne, encimado por uma salada belíssima das mais coloridas e extravagantes folhas e , afinal, deitou por cima um pesto feito na hora.

A feitura do pesto chamou-me a atenção. Algo trivial que nunca me ocorrera é que os quatro ingredientes do pesto são todos maravilhosos individualmente: manjericão, alho, nozes ou pinhão, azeite e queijo parmesão. Claro, há variações e há quem use pinhão ou nozes ou mesmo castanha de cajú ou mesmo outro queijo forte que não o parmesão. Os pestos industrializados, reparei cuidadosamente que usam óleo de girassol ao invés de azeite de olivas e castanha de cajú, além de serem processados de forma a ficarem muito homogéneos.

O sujeito da TV fez da forma tradicional, triturando e moendo com um pilão e ajustando o alho e o azeite e o queijo aos poucos. Percebi que ele era sincero ao dizer que o instrumento primeiro e mais importante do cozinheiro é o pilão, a forma mais primitiva de misturar ingredientes. E percebi o quanto me faz falta um pilão de madeira…

Por via das dúvidas, adquiri um vidrinho de pesto industrializado, da marca italiana Barilla, para a hipótese do meu dar errado. E adquiri um molho de manjericão fresco, alhos, um pedaço de parmesão e nozes, porque pinhão aqui é impossível encontrar. Separei as folhinhas de manjericão, à mão, cuidadosamente, uma a uma. Descasquei os dentes de alho, todos os que compõem uma cabeça, e não os piquei à faca. Cortei as nozes em pedacinhos.

Pus num potinho de vidro as folhas, as seis nozes picadas e os alhos ralados e um pouco de azeite e comecei a amassá-los com uma colher de pau. À medida que são amassados, deita-se azeite. Esse processo é tão simples quanto demorado e trabalhoso, pois trata-se de amassar mesmo, o máximo possível, para que as folhas, as nozes e o alho derramem suas essências e se misturem ao azeite, veículo a que nada aquoso se mistura.

Depois de algum tempo, é hora de por o queijo ralado e misturá-lo e amassá-lo com força. Convém não exagerar no parmesão, pois é muito saboroso e pode desbalancear a desejada harmonia. No início, a impressão é que a coisa resultará em nada ou quase nada, por conta da aparência. Mas, à medida em que as folhas são trituradas, começamos a ter uma visão de algo mais uniforme.

Para comer com o penne e o pesto, escolhi galinha cozida e depois desfiada. A princípio, pareceu-me estranho e talvez inadequado, porque o peito da galinha é carne de pouco sabor, principalmente cozida. Mas, isso pode tornar-se uma vantagem, se a galinha for mais um veículo para o sabor intenso do pesto que uma carne protagonista a rivalizar com ele.

Cozinhei o peito da galinha na água, sal e pimenta moída, junto com cebolinha fatiada. Nunca havia cozinhado qualquer carne em água com cebolinhas, porque o comum é usá-las no refogado. Desconfiava que pouco do sabor ficaria, mas foi menos ruim que parecia. Depois de cozinhada a galinha, desfiei-a à mão e deixei-a com as cebolinhas fatiadas, murchas já de tanta agua fervente.

Hoje, nada estava previamente resolvido, exceto o pesto que tentaria fazer. Por isso, a mistura da galinha com o pesto foi resolvida na hora e, para meu gosto, ficou ótima. O penne, cozinhei em oito minutos de água fervente, já com sal e um fiozinho de azeite. Ficou propriamente al dente.

Pronto, nos pratos, penne e a mistura de galinha desfiada e pesto, mais um pouco de parmesão ralado por cima e o acompanhamento de um carménère chileno.

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