Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: julho 2014

Um forasteiro, um domingo qualquer e a redenção de pecados.

Um texto de Ubiratan Câmara.

POA

Amanheceu o domingo, mas não parecia, estava cinza, frio e chuvoso lá fora.
Quando esperanças não mais havia, os céus se abriram e um novo dia parecia acontecer.

Romper a inercia da comodidade era preciso, e na mesma medida se tornou imperativo aproveitar o dia, pois as dádivas do tempo e da disposição física não merecem ser despendidas sob amarras de lençóis solitários ou tolices virtuais… Era hora, portanto, de andar pela cidade.

Porto Alegre, cidade dos outros, que apática e caótica me recebeu, se tornou minha, ensolarada e prazerosa acolhida.

Destino não poderia ser outro senão um espaço público, onde meus descuidados passos fossem indiferentes e a fotográfica permanecesse alheia à cobiça de terceiros. O Parque Farroupilha, mais conhecido como Redenção, se apresentou como uma opção, enfim.

No Parque, nos dias de domingo em que o bom tempo permite, estranhos se reúnem para negociação dos mais variados artefatos. São antiguidades, artesanato, obras de arte, porcelanas, livros, vinis, quadros, mosaicos, cacarecos de pouca ou nenhuma utilidade também repletam as calçadas. Ao escambo dominical deram o nome de brique da Redenção.

Andar calma e despretensiosamente, sem receios de qualquer natureza, é algo que me apetece em desmedida e que sinto falta no calor excessivo do nordeste, onde sou refém de um automóvel, na imensa parte do tempo.

Além das sutilezas que são comercializadas, não passam desapercebidas as pessoas que dominam algum tipo de habilidade e, com isso,  deixam um chapéu emborcado para receber contribuições dos mais surpreendidos.

O primeiro a se apresentar foi um argentino, que me lembrou Segovia, ao dedilhar com destreza, em seu violão cansado, Asturias. Ofereceu, em seguida, Piazzola, Gardel, Paco de Lucia e, até mesmo, para o deslumbre das maduras mulheres que ali passavam,  Roberto Carlos.

Nao ficou por aí. Eis que solta o violonista de rua, desta vez para delírio meu, o tema de Zorba. O meu tímido e improvável ímpeto de sozinho começar a dançar hedonisticamente como o Grego, foi levado a cabo por alguns germânicos que descansavam abaixo do Monumento ao Expedicionário.

Talvez estivessem eles despreocupados com o jogo da Alemanha, que aconteceria com a Argélia no Beira Rio. Ou, quem sabe, já estivessem comemorando a profecia da conquista do mundial.

Ciclistas, cadeirantes,  bebês e muitos cachorros testemunharam a dança. As testas franzidas e os sorrisos incontidos, como os meus, distinguiam aqueles que não tinham a menor noção de que se celebrava, daqueles que sabiam, respectivamente.

O argentino precisou descansar.

Próximo dali, se ouvia ainda uma uruguaia cantando o hino francês, acompanhada com um tambor. Em seguida, ofertou gracias a la vida. Piaff e Mercedes foram lembradas, como diferente não poderia ser.

Alguns passos adiante, compatriotas tocavam, cantavam e dançavam alegremente O Barquinho. Cantaram ainda mais bossa, em harmonia, com um tom de samba. Imagino que Vinicius sorriu e dançou junto, esteja onde estiver.

Se não bastasse, pequenos peruanos, sob os olhos cuidadosos de uma mãe, tocavam el condor passa e outros tons andinos; confrontando com a gaita e o violão elétrico de um rapaz que tocavam blues, convidativo para um bourbon, se não fosse ainda manhã.

Opções de gastronomia – até mesmo tapioca, acarajé, quentão e cachorros quentes com duas, três,  quatro ou mais salsichas –  se encontravam com facilidade. Até uma boa confeitaria estava ao alcance, apesar do nome, no mínimo, curioso: Maomé Doces Bárbaros.

E assim foi passando o dia… suave e despreocupado, na Redenção.

Dele me despedi com a impressão de que minhas transgressões estavam redimidas, ou, ao menos, esquecidas em momento, tamanha a leveza do domingo…

O pequeno-burguês, a justificação, o exemplo e a tara.

As interdições morais não reduziram a sedução dos interditos, nem visaram a isto. Talvez tenha-se dado precisamente o contrário, o que é muito conforme à percepção do senso comum de que o proibido é mais saboroso. As interdições, em verdade, são impostas exatamente pelo exagerado gosto pelo interdito.

O gosto pequeno-burguês não é temperado pela liberdade, nem pela estética. Ele é curado numa vinha d´alhos de proibição moral, morbidez, sexualidade confusa e, principalmente, necessidade de justificação. O vulgo gosta de sangue, vísceras expostas, cabeças partidas, feridas purulentas, acidentes automobilísticos; gosta de todo tipo de sexo, pois é feito da mesma matéria humana; aprecia o grotesco, o humilhante, as quedas, o ridículo.

Esse acervo de preferências não é exclusivo do pequeno-burguês, porque o feio é parte da realidade e principalmente do que ela tem de natural. Ou seja, o feio é basicamente inumano, não criado, ele é natural como a putrefação. Todas as classes inclinam-se ou pelo menos têm seu número de integrantes que se inclinam ao feio.

Particular da pequena-burguesia é a vergonha e a necessidade de encontrar justificações para sua inclinação para a descomposição, o sangue, as carnes, as fezes, os vermes, o feio natural e fisiológico, enfim. 

As maneiras de justificar a busca e a envergonhada apreciação do feio são sua interdição moral e uma suposta aproximação por busca de conhecimento e fornecimento de exemplos. Ora, é claro que se abordam muito mais à vontade as coisas proibidas que as permitidas e que é livre o uso de qualquer coisa para dar exemplos moralmente edificantes.

Vem-me à memória algo exemplar: nas escolas de direito, é usual haver uma ou duas disciplinas de medicina legal. Há dois pólos centrais de interesse na medicina legal e são as psicopatias e os exames cadavéricos. Por isso, são usuais visitas dos acadêmicos, guiados pelo professor, aos institutos de medicina legal, onde se examinam cadáveres.

Poucas coisas são tão concorridas no curso de direito quanto estas visitas às morgues, onde há cadáveres abertos do externo à virilha, de ombro a ombro, escalpelados, onde há órgão internos a serem pesados, sangue por toda parte.

Embora concorridas estas visitas ao santuário dos corpos mortos e abertos, ninguém diz ter prazer nelas, o que é de uma mendacidade grande até para acadêmicos de direito. Convém dizer que estas visitas aos institutos médicos legais não são obrigatórias e não há sanções para os alunos que não quiserem ir. Quase todos vão, todavia…

Esse gosto tem de justificar-se por um discurso científico, ou seja, os apreciadores de cadáveres abertos dirão que recolheram muitas e preciosas informações naquele espetáculo de corta e costura, dirão que foi muito proveitoso cientificamente e coisas do gênero. Ora, ninguém aprendeu coisa alguma nessas duas horas de contato com a morte talhada, nem poderia, que não há como recolher conhecimentos de anatomia em duas horas.

Nesse ponto, é interessante notar que a única coisa a chegar perto de rivalizar, em volume, com a pornografia, na internet, são as imagens de acidentes com corpos destroçados, sangue, vísceras e coisas do gênero.

Semelhante a esta apreciação da morte justificada por aquisição de conhecimentos científicos, acontece com a interdição moral da homossexualidade. É precisamente esta proibição que permite a abordagem constante do assunto, o eterno retorno ao assunto com uma justificação moralizante.

Na verdade, o mergulho na proibição moral da homossexualidade, interdição nitidamente religiosa, deve-se ao gosto pelo assunto. É interessantíssimo observar uma aberração conceitual muito em moda recentemente, uma coisa que atende pelo nome de cura gay e é divulgada e praticada por pastores reformados neo-pentecostais.

A idéia é absurda, na medida em que não se curam coisas normais, mas isto não é o que interessa aqui. Interessa é que os ferrenhos praticantes da cura gay frequentemente são flagrados na prática de atos homossexuais! Muito frequentemente, na verdade, o que indica, além de sentimento de culpa, o interesse em estar em contato com o assunto com uma justificação, uma desculpa.

Erigiram a justificação moralizante e exemplar em muro a esconder os gostos e desejos reais, inconfessáveis porque o vulgo sente muita vergonha de ser humano.

Vôo MH17 da Malaysian Airlines: mais do mesmo.

O vôo MH17, da Malaysian Airlines cobria a rota Amsterdam – Kuala Lumpur, na quarta-feira passada, quando caiu perto de Donetsk, no sudeste da Ucrânia. Havia a bordo 298 pessoas, somando-se tripulantes e passageiros e todos morreram. Especula-se que foi abatido quando estava em altitude de cruzeiro, algo à volta de 10.500 metros acima do nível do mar.

A região da queda é território de populações maioritariamente russas, que se querem separar da Ucrânia. A vista desta aspiração à separação, as forças armadas ucranianas têm promovido dura repressão na região. Há grupos armados que oferecem resistência às forças ucranianas, embora em franca desproporção. Houve incidente de derrubada um avião militar ucraniano em vôo baixo por separatistas munidos de mísseis anti-aéreos pequenos, guiados por emissões de infravermelho, disparados do ombro.

No mesmo dia em que se soube da queda do avião, órgãos governamentais norte-americanos e europeus, a OTAN e veículos de imprensa norte-americanos e europeus disseram em uníssono que o avião havia sido abatido por mísseis disparados pelos russos.

Os russos em questão, se forem os habitantes da região ucraniana, não têm condições de abater aviões a 10.500m, simplesmente porque os mísseis Igla, de que dispõem, não tem alcance vertical superior a 3.800m. São misseis pequenos e leves, disparados por um homem, do ombro, que servem para alvos a baixa altitude e a curta distância. Os russos de Donetsk não têm baterias de mísseis terra-as – SAM – guiados a radar ativo e com médios e grandes alcances.

Como era absurdo demais até para quem tem a imprensa a favor incondicionalmente, os russos que abateram o avião passaram a ser os propriamente ditos, que o teriam feito desde o território russo. A tese, avançada rapidamente e sem fundamento em qualquer coisa concreta, é tão absurda quanto a primeira. Disseram os governos e repetiram os media, que a coisa tinha sido obra de mísseis Buk, russos, de médio alcance.

O local da queda do avião fica a aproximadamente 60 Km da fronteira com a Rússia. Os mísseis das baterias Buk têm alcance total de 42 Km para aviões e podem atingir alvos voando até a 25.000m. Mesmo que houvesse uma bateria exatamente na fronteira, seria dificílimo um míssil destes conseguir abater o avião. Basta considerarmos o afastamento horizontal de 50 a 60 Km, mais a altitude de 10 Km para percebermos que estava fora do alcance.

Aquela região tem sido evitada por vôos comerciais há algum tempo. Curiosamente, ou estranhamente, dois vôos anteriores da mesma Malaysian, com as mesmas origem e destino, nos dois dias imediatamente anteriores, descreveram rotas ao sul da Ucrânia, por sobre o Mar Negro. O MH17, contrariamente ao que ocorrera dias antes, descreveu uma rota a passar exatamente sobre Donetsk…

As forças armadas ucranianas têm várias baterias de mísseis Buk, como as têm quase todas as ex-repúblicas soviéticas. Especula-se, a partir de comunicado do governo russo, que baterias destas foram deslocadas precisamente para os arredores de Donetsk no princípio desta semana. O ministro da defesa da Rússia afirmou taxativamente que foi detectada atividade de radar de bateria Buk na região.

Baterias de SAM guiados por radar têm algo em comum. Ao contrário de mísseis guiados por buscadores de calor, passivos, os SAM guiados por radar implicam a busca e iluminação do alvo. Ou seja, é preciso ligar o radar de busca, que é bastante potente e tem um padrão de emissões bem conhecido. Esse ativamento do radar de busca da bateria é impossível de ser escondido e os russos certamente o captaram.

Há um boato interessante a dar conta que o avião Boeing 777 da Malaysian foi escoltado por dois caças ucranianos. Pode ser algo a induzir a crer no perigo de voar ali, ou seja a reforçar a tese de que foram as forças armadas russas que abateram o avião. Mas, a ser verdade, já teriam revelado as informações de vídeo e radar dos calças de escolta. Especulando dentro deste boato, se houve mesmo escolta, pode ter sido ela mesma a abater o avião com mísseis IR.

Ao fim e ao cabo, bastaria uma simples pergunta para constatar a absurdidade da atribuição do abate à Rússia: o que ganharia a Rússia abatendo um avião comercial sem finalidades de espionagem e fora de seu espaço aéreo? Nada, evidentemente.

Ou seja, é preciso supor que os russos são absolutamente imbecis para fazerem algo que nenhuma vantagem lhes traz. Ao contrário, os obriga a esforço imenso para dar combate à máquina de desinformação e calúnia que é a imprensa mainstream norte-americana e europeia.

No sentido inverso, é interessante perguntar-se quais vantagens adviriam para os EUA e seus asseclas europeus deste abate: vantagem, no sentido mais imediato, nenhuma, mas dentro de sua habitual lógica, sim. Dá-lhes, como sempre ocorre, um pretexto para escalar a tensão, a instabilidade e, no limite começar uma guerra.

Assim agiram no Iraque, em busca de armas de destruição em massa que não havia. Para justificar a brutal invasão, deixaram ou ajudaram a derrubar edifícios nos EUA, por exemplo. Sempre precisam de um pretexto, porque os mais canalhas andam sempre à espreita de algum argumento moral.

Genocídio de palestinos: hipóteses de cessação.

Que a minha mão direita definhe, ó Jerusalém, se eu me esquecer de ti!
Que a língua se me grude ao céu da boca, se eu não me lembrar de ti, e não considerar Jerusalém a minha maior alegria!
Lembra-te, Senhor, dos edomitas e do que fizeram quando Jerusalém foi destruída, pois gritavam: “Arrasem-na! Arrasem-na até aos alicerces! ”
Ó cidade de Babilônia, destinada à destruição, feliz aquele que lhe retribuir o mal que você nos fez!
Feliz aquele que pegar os seus filhos e os despedaçar contra a rocha!

(Parte do Salmo 137)

É permitido tirar o corpo e a vida de um gentio.

(Talmude – Sepher ikkarim III c 25)

Há uma gente a viver entre o mediterrâneo e o deserto que antecede ao Levante fértil e que muito honra o profeta Josué, homem profundamente distinguido pelo Deus dele, que parou o curso do sol para que matasse sem impiedade, pois ainda havia inimigos a liquidar. Essa mesma gente prefere perder a mão direita e ter a língua pregada ao céu da boca se porventura esquecer-se de Jerusalém.

Piedosíssimos, tiveram ofertada uma coleção de interpretações rabínicas que os governam, atualmente, em que várias passagens aconselham a morte dos goyim e os comparam a cães, em algumas ocasiões, e a nada, noutras.

Ademais de tão sábios e mansos ensinamentos a serem seguidos, receberam a titularidade de algumas terras diretamente de um zeloso Deus, o mesmo, não convém esquecer, que deteve o curso do sol, porque não deixaria seus escolhidos matarem à noite, porque seria impiedade.

Hoje, constituem um Estado pseudo-moderno: Israel. O exército de Israel, noutra coisa muito simbólica, jura por Masada, a fortaleza onde todos morreram a resistir aos romanos, que reprimiam mais uma confusão feita no seio do Império.

Honraram a promessa e a exortação contidas no Salmo 137. Vingaram-se dos de Babilônio, impondo a esta florescente zona califados maníacos e, por fim, impondo-lhe o caos, a desagregação e a pobreza. Vingaram-se de Tito Flavio Vespasiano e de Roma por meio de um preconceito emanado do judaísmo, que entranhou-se no Império, impôs-lhe a massificação, destruiu o pensamento, introduziu a moralidade do escravo e desmembrou-o.

Nenhum outro grupo invoca a propriedade de terra por outorga divina; pelo menos ninguém o faz sem corar de vergonha se for instado a falar a sério desta invocação. Os grupos humanos detém terras porque nelas estão há tempo, porque as conquistaram pondo a correr os anteriores detentores, porque as acharam vazias e etc. Por mandato divino é realmente tão atrevido quanto ridículo.

Pois bem, hoje o sionismo que dirige a política de Israel promove nova etapa do contínuo genocídio dos palestinos, que ocuparam aquelas terras por mil anos antes do estabelecimento do Estado de Israel. O sionismo é engraçado, pois ao mesmo tempo que se serve da parvoíce do mandato divino, serve-se da desfaçatez total no afã matador.

São profundamente eficazes, pois matam palestinos na razão de 10:1, o que é um êxito sob qualquer critério. E este êxito objetivo é tornado em êxito moral na chamada opinião pública, porque eles detém a comunicação de massas, não apenas por meio da imprensa, mas principalmente por meio da indústria do entretenimento, o que significa a produção cinematográfica e televisiva norte-americanas.

Em termos vulgares, os assassinos que matam dez dos seus inimigos enquanto morre um dos seus são os coitados do mundo. Isso deve-se a ter a indústria de comunicações, como acima dito, deve-se a terem o Holocausto – o fato que mais ajudou o sionismo – e deve-se a terem mais ou menos 50% do sistema bancário mundial. Com tais condições, é possível matar a dez para um e ser vítima para o homem vulgar que se alimenta de jornais e séries televisivas e filmes de Holywood.

Mas, além do objetivo seriamente perseguido de tanger ou eliminar todos os não judeus de Israel, há quem veja nisso a oportunidade de divertir-se de maneira um pouco mais sutil. Eles levam o mundo a discutir seriamente formas de cessar o morticínio e a pensar em todas as maneiras inúteis de estancá-lo.

Só há, em condições limites, uma maneira de cessar alguma belicosidade profunda: a liquidação total de um dos lados. É precisamente o que busca Israel e quando o atingir o problema terá acabado, assim como se terão acabado os palestinos. Claro que a solução, em termos abstratos, poderia dar-se também no sentido inverso, mas isso, em termos práticos, é impossível, porque Israel tem 250 bombas atômicas e os palestinos nem exército têm.

Ou seja, Israel eliminará ou expulsará do território que Deus lhe deu todos os não judeus; isso é questão de tempo. E pouco importa que seja uma matança crudelíssima, a vitimar inicialmente crianças pequenas com bombas de fósforo branca. Os que saberão disso serão tão poucos quanto os que lerão este texto. O vulgo verá foguetes caseiros caindo na periferia de Tel-Aviv e não verá gente a banhar-se tranquilamente nas praias perto de Haifa, nas águas quentes do Mediterrâneo.

Já me permiti cogitar se a detenção da bomba atômica pelos persas não estancaria o afã matador de Israel e cheguei à conclusão que não. Na hipótese de vizinhos tão capazes belicamente, eles não atenderiam ao convite da sensatez, prefeririam levar à destruição do mundo inteiro. Israel, como se sabe, tem mísseis nucleares apontados para Moscou, Berlim, Teheram, Roma, Nova Iorque.

A perder Jerusalém, eles preferem que percamos o mundo

Manipulação mediática.

Primeiramente, deve-se dizer que a imprensa mainstream tem lado, trabalha para os interesses plutocráticos e não leva a sério a tolice da imparcialidade. Não é indústria de divulgação de fatos, mas de construção de discursos de suporte político dos grupos que defende.

A imprensa mainstream não conhece realidade e não trabalha com qualquer aspecto de empirismo. Ela constrói discursos com finalidades precisas, à revelia de qualquer coisa que se aproxime do que se chama realidade. Na verdade, ela desconstrói a realidade nessa sua indústria de construí-la segundo conveniências propagandísticas.

A imprensa nem educa, nem informa, embora esta segunda finalidade ela a declare a primordial. Não é. Ela ensina a pensar de uma certa forma e liquida as possibilidades de qualquer outra forma de pensamento. Fornece os pontos e contrapontos pré-estabelecidos, extremos que delimitam o vai-e-vem esquizofrênico dos seus dominados.

Afirma-se liberal, mas não é. Nem é indiferente ao Estado, nem contra ele. Ela depende do Estado ser leniente com a concentração e com a fraude e depende dos recursos do Estado, usurpados imperialmente da maior parte da população. Ela, mesmo quando opera no espaço da concessão pública, como dá-se no uso do espectro de rádio difusão, preda os recurso públicos em troca de publicidade.

É necessário, para a imprensa, que avance a imbecilização sem recuos. Isso não é somente o estabelecimento de baixos níveis de cultura formal, mas a incapacitação para qualquer pensamento autônomo. Este último é o mais destacado meio da imprensa mainstream e sua finalidade precípua é defender a plutocracia.

A manipulação das massas tem de ser bem feita, porque a missão de capturar a democracia implica levar as maiorias a votarem contra seus próprios interesses. Em condições ideais, ou seja, abstraindo-se de fatores externos, seria missão dificílima, daí que a primeira coisa a ser feita é inserir muitas coisas na vida do sujeito comum, todas elas estranhas a ele e às suas circunstâncias, e fazê-lo crer que são todas muito pertinentes à sua vida.

Isso é técnica de dissolução de identidade, tanto pessoal, quanto de classe. Ampara-se no fornecimento de uma moralidade que supostamente é invariável e permeia todas as classes. Nisso há fraude porque a plutocracia, o 01%, não tem moralidade nem honra, as pessoas de exceção tem honra e não moralidade e o restante, da burguesia para baixo, tem moralidade, mas ela é fortemente cambiante.

A par com o fornecimento de uma moralidade supostamente estável e universal – que fará o papel de critério de julgamento de tudo – despejam-se quantidades imensas de informações dispersas, incompreensíveis e, principalmente, inúteis como pontos soltos. O manipulado saberá que houve um abalo sísmico em Sumatra e logo depois que o exército de Israel matou palestinos com munições de fósforo.

Incapaz de relacionar as notícias com qualquer conceito ou abstração, pois não sabe o que são acomodações tectônicas, nem o que é sionismo, terá recebido dois fatos desconexos, atemporais, sem relações com quaisquer outras coisas. Apenas entulho informativo a baralhar as idéias, ocupar espaço nas poucas prateleiras cerebrais e conduzir à desintegração da identidade.

Daí advém a incapacidade de distinguir o relevante do irrelevante, porque tudo é lançado sucessivamente, coisas depois de outras, em desconexão evidente. As diferenças estarão somente na maior ou menor ênfase moralista dada a uma ou outra notícia. Assim, se as coisas apenas se diferenciam a partir da ênfase moralista, tudo é igualmente relevante ou irrelevante, ou seja, a relevância é dada pelo emissor, pois o recetor é já incapaz de perceber diferenças.

Outros característicos da imprensa mainstream no campo tático – porque os acima referidos são mesmo estratégicos – são oportunismo e mesquinheza dignas de um bom funcionário público. Não há pudores em cambiar sentenças taxativas da noite para o dia, assim como não há limites mínimos para desfaçatez e ataques pessoais baseados em baixezas.

Qualquer análise da imprensa mainstream que não esteja comprometida com ela própria, ou seja, com o objeto da análise, concluirá que lhe falta absolutamente algo: coerência. Não haveria nisso problema algum se não insistisse a imprensa nessa estória de coerência, como a criar um novo e universal valor a ser cultivado. Coerência é uma mistificação que parte da suposição absurda da existência da liberdade sempre e incondicionada e, portanto, algo sem muito sentido.

Ocorre que a imprensa cultua e repete o termo continuamente, ao mesmo tempo em que professa uma incoerência profunda. Guiada por oportunismo de fazer inveja a funcionário público, ela é capaz de esgueirar-se por todos os lados e apropriar-se de coisas que atacava um dia antes. E o público recetor, anestesiado, vê a banda passar… O caso que me vem à mente é precisamente o do Mundial de Futebol do Brasil.

A imprensa mainstream brasileira, o que significa dizer basicamente Rede Globo, TV Bandeirantes, SBT, Rede Record, Grupo Abril, Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Diários Associados atacou a realização do mundial de futebol energicamente, como forma de atacar a Presidente Dilma. Eles são contra o governo e isso não é segredo para quase ninguém, até para quem não pensa com a própria cabeça.

Associaram fraudulentamente toda a realização do Mundial ao governo, desde a construção de estádios até a mentirosa isenção tributária dada à FIFA. Disseram que haveria o caos, que os aeroportos seriam ante-salas do inferno, que os transportes não funcionariam, que seria a vergonha nacional frente a um mundo abismado com nossa incompetência total.

Previram que haveria manifestações generalizadas contra o mundial e mentiram muito sobre a construção dos estádios – muito até pelos padrões elásticos da imprensa brasileira – tanto quanto à origem dos dinheiro, como quanto aos preços e possibilidades de atraso nas conclusões. Não houve tempo nem meios de desfazer as mentiras puras e simples, mas o discurso do caos e do fracasso mostrou-se totalmente suicida e informado pela realidade.

Eis então que o mundial é um sucesso, os aeroportos funcionam muito bem, os estádios estão prontos e são muito bons, estão sempre repletos, assim como hotéis, bares e restaurantes. Ou seja, o caos não houve, a vergonha não houve, protestos houve meia dúzia de pequenos burgueses menininhos satisfeitos. O que faz a imprensa? Cambia o discurso imediatamente e só fala do mundial, agora totalmente dissociado do governo.

Se houvesse fracasso e caos, seriam imputados ao governo; se há êxito, foi por conta de qualquer coisa sobrenatural ou mesmo uma novidade de efeito sem causa. Seria ingenuidade demasiada esperar qualquer pudor desta gente, mas esses câmbios são muito súbitos e embutem algum risco de se perceber o oportunismo que abre a porta a tamanha incoerência.

Evidentemente que se a seleção brasileira afinal não for campeã, retornara o estabelecimento de fantasiosas relações de causa e efeito, a por no caldeirão da frustração o governo. Isso é previsível como o escurecer após por-se o sol. Assim como previsível será a volta dos ataques aos estádios e a acusação de não conclusão de obras.

Eles nunca se preocuparam com mundial de coisa nenhuma, exceto pelo que ganham a vender espaços publicitários, nem nunca se preocuparam se foi ou não gasto dinheiro público em estádios, se haverá ganhos em infraestrutura depois, se muita gente ganhou dinheiro com serviços, nada disso. Eles estão preocupados em servir aos desígnios da plutocracia e evitar a qualquer custo a reeleição de Dilma, porque representa um pouco de redistribuição na apropriação das rendas.

E qualquer meio serve, por mais vil, mais incoerente, que seja.