Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: agosto 2014

Nova política é direitismo messiânico.

Tudo que recorre aos adjetivos novo e moderno, como qualificação positiva, leva-me à desconfiança. Identificar o novo ao melhor é uma maneira de raciocinar na fraude, porque não há relação de necessidade entre o novo e o melhor. Isto é somente a indução discursiva para massas.

O novo é algo constante, porque o presente inexiste, na medida que é sempre superado. A novidade pode ser o mesmo, pode ser diferente, pode ser melhor ou pior, a depender de para quem se o considere. Ou seja, dizer novo como sinônimo de melhor é apenas desonestidade intelectual de propaganda, com base na sinonímia fraudulenta.

Hoje, no Brasil, uma postulação à Presidência da República ampara-se neste discurso: a de Marina Silva. Houve dois casos relativamente semelhantes, coisa que muitos estão apontando com propriedade: os de Jânio Quadros e Fernando Collor. Ambos tinham o discurso centrado na novidade de cunho moralizante e na proposta de supressão das mediações institucionais.

O caso atual, assim como os dois paradigmáticos antecedentes, filia-se à ideologia direitista, ou seja, creem na igualdade natural como igualdade social e de oportunidades, no mérito e na naturalidade das desigualdades e professam um aberto entreguismo. Propõem um modelo que aprofundará as desigualdades sabe-se lá até onde, porque não há limites para isso.

Interessante no direitismo messiânico é que ele leva ao paroxismo a incoerência ou, melhor dizendo, ele serve-se dum discurso que disfarça muito bem as intenções. Ele propõe a supressão dos canais de intermediação institucional, notadamente as que se fazem pelas corporações estatais. Propõe a ligação direta, como se se buscasse a chefia do Estado e do Governo para purgar a sociedade destas instâncias públicas.

Daí que é permeado de ligações com as famosas organizações não-governamentais – repletas de boas intenções – e impregnado de convites à sustentabilidade e ao socialmente responsável, embora estas coisas sejam impossíveis de se definirem.

A velha direita não pode propor ao sujeito comum sua desgraça, claramente. Estar impedida de fazer esta proposta impede-a de leva-la a cabo integralmente, também. Há um comprometimento vasto com os canais institucionais, não se oferece a supressão dos intermediários, nem a demonização irrestrita do Estado e de seus funcionários. Na verdade, a proposta da velha direita fala diretamente às porções altas da classe média, porque lhes oferece boas oportunidades de ampliação da predação direta do Estado, na forma de cargos, basicamente.

A nova direita messiânica tem um desenho quase anarquista. Uma figura ungida será posta no comando e todo o resto será desmantelado, esta é a idéia por trás de tudo. É interessantíssimo que este despudor seduza o pessoal habituado à velha apropriação do Estado ao nível de empregos, ou seja, é notável que a classe média deixe-se seduzir pela idéia messiânica de Marina Silva.

 

A ocultação da ideologia por meio da objetividade fraudulenta. Narrativa da direita.

Os números, todos sabem, dizem o que quisermos que eles digam. A direita, por outro lado, sente enorme dificuldade de abrir-se na sua coloração ideológica própria, numa espécie de vergonha mal-disfarçada. Precisa então construir uma narrativa que pareça ideologicamente neutral, ou seja, que remeta apenas a aspectos gerenciais, supostamente objetivos, de uma realidade que é naturalmente imutável.

Precisa, mais que tudo, ocultar e negar a existência de classes com interesses diversos e conflitantes, tanto relativamente à divisão e apropriação das riquezas, quanto culturalmente. Precisa, vistas as coisas por outro lado, construir e servir-se de um discurso de naturalizada objetividade e negar as experiências bem sucedidas de alteração das desigualdades.

Resulta que a pequena burguesia urbana, profundamente descontente com a melhora dos que estão abaixo de si e alimentada pela imprensa mainstream, reproduz um discurso de objetividade fraudulenta, que parece tratar de um mundo onde inexistem opções guiadas por ideologias.

Quem escuta essa narrativa fria e aparentemente sem juízos valorativos percebe que ela foi purgada de qualquer elemento de escolha, como se opções não houvesse e tudo se limitasse a aspectos gerenciais. Eis o grande fetiche da narrativa direitista: tudo é questão de gestão.

De carta forma, a base deste discurso é já meio antiga, pois cuida-se do triunfalismo que emergiu no final da década de 1980, quando alguns aspirantes a profetas anunciaram o fim da história. O fim da história seria o resultado de um consenso nunca havido, em que o liberalismo absoluto ter-se-ia afirmado como verdade revelada.

A desonestidade dessa gente saltava aos olhos já naquela época, porque nem mesmo o tal liberalismo tem a realidade que nos papéis é fácil aparentar. Realmente, os profetas liberais nunca abdicaram de apropriar-se do Estado para que seu liberalismo funcionasse na medida correta de apropriação, o que significa dizer sempre em maior medida.

Discutem-se números, indicadores, resultados de balanços de empresas estatais, variações da bolsa de valores, estatísticas, tudo quanto possa parecer sintoma de uma coisa natural a funcionar melhor ou pior conforme a administração que tenha. Isso, todavia, além de mesquinho é fraudulento.

Mesquinho porque é micro demais e nega o planejamento e possibilidade de alterar-se a realidade social. Fraudulento porque os números, a depender do ângulo porque se os vejam, dizem qualquer coisa. No fundo, trata-se de investir contra os movimentos de desconcentração de rendas com um discurso que não pareça ideológico.

Tudo que for aparentemente sem valor ideológico, que for terceira via, que for apolítico, que for gerencial é discurso de direita. Isso fica evidente porque o núcleo do discurso direitista é a instalação de um modelo que só resulta em aprofundamento das desigualdades e não sou eu que o digo de forma inovadora, é a história que o prova fartamente.

É compreensível a dificuldade que se põe para um discurso sinceramente direitista, porque a enorme maioria das pessoas não se sentirá atraída por uma proposta de empobrecimento, nem mesmo se ela vier cuidadosamente embalada em palavras complicadas. Daí a necessidade de se recorrer à objetividade fraudulenta e acusar os promotores da redistribuição de gestores ruins.

Interessante é perceber como a pequena burguesia que repete o recebido da imprensa sem pensar incorre em contradições a cada dois ou três meses. Fosse eu da imprensa e fosse mais refinadamente pérfido, teria muito prazer em divertir-me assim com as classes médias, levando-as a dizerem as maiores asneiras e a desdizer-se mês depois com outra asneira ainda maior.

Se se anuncia uma redução de um preço administrado, de um serviço prestado por alguma empresa concessionária de serviço público, correm todos a dizerem que isso é ruim porque a empresa perderá dinheiro e prejudicará seus acionistas! O sujeito vai pagar menos, mas reclamará disso porque foi ensinado que isso é ruim, embora seja… bom.

Pois bem, se este mesmo preço sofre uma elevação alguns meses depois, isso é ruim, o que é mesmo óbvio. Mas, isso é ruim como uma enviesada confirmação da profecia anterior de que baixar o preço também era ruim. A imprensa joga o jogo do ganha-ganha e leva seus alunos a repetirem felizes e lépidos as contradições mais atrozes.

Essa crítica mediática que sempre desagua no ruim, mesmo que duas coisas estejam nos extremos de uma escala – e pensemos no preço da gasolina, por exemplo – revela que se trata puramente de ideologia. Não há objetividade em ser contra a redução do preço da gasolina e contra o posterior aumento pelas mesmas razões. É ilógico para qualquer pessoa que pense com sua própria cabeça.

Detenho-me neste particular dos preços administrados e concernentes a empresas públicas porque o principal objetivo da direita brasileira é vender duas jóias cujo capital ainda é maioritariamente público: a Petrobrás e o Banco do Brasil.

Para vendê-los, caso a direita tenha êxito nas presidenciais de outubro, será  necessário algum discurso, porque não haverá condições, nem coragem de simplesmente vender porque é melhor entrega-las que receber os dividendos que repassam ao Estado como detentor da maior parte do capital social. É preciso dizer que estas empresas são um mau negócio para o Estado, mesmo que isso não faça qualquer sentido, principalmente quando se pensa na Petrobrás.

 Semelhante acontece com programas e órgãos voltados à segurança social e a ações redistributivas. É moda falar das contas da seguridade social como se se tratasse de uma sociedade anônima exploradora de atividade econômica, ou seja, como algo que persegue lucro. Aqui a fraude é enorme, porque os objetivos e a natureza dos órgãos e programas são totalmente esquecidos na construção da narrativa.

Esta narrativa aquela velha estória do Estado mínimo, que é recontada com tênues variações em todas as latitudes e em todos os tempos. Esse Estado só deve ser mínimo para as maiorias, porque ninguém da classe média para cima sobreviveria nos mesmos padrões sem parasitar o Estado de alguma maneira, seja por isenções fiscais, seja por salários, seja por empréstimos a juros baixos e mil outras formas criativas.

O Messias, ou veio, ou ainda virá, ou não virá. As proposições são reciprocamente excludentes…

Não pretendo avançar até conclusões, apenas indicar algo interessante e sugerir possibilidades. Fato é que reformados pentecostais e neo-pentecostais tornam-se, mais e mais, filo-judaicos.

Há poucos dias, aconteceu algo notável, em São Paulo: o conhecido pastor Edir Macedo, dirigente de uma igreja neo-pentecostal, inaugurou um imenso templo que se pretende réplica do abatido de Salomão, em Jerusalém. Na cerimônia, o pastor caracterizou-se como rabino e usou quipá! É curiosa a referência, porque se é rabino, não é pastor, e vice-versa.

A reforma, nas suas vertentes pentecostal e neo-pentecostal, é profundamente anti-pauliana e contraditória. O judeu grego que teve visões a caminho de Damasco triunfou sobre a facção de Tiago, irmão de Jesus, e permitiu que houvesse o cristianismo autônomo, ou seja, não como mais uma seita do judaísmo. A sabedoria de Paulo foi muito helênica mesmo, porque a solução é perfeita do ponto de vista lógico formal.

A nova aliança celebrou-se sem limitações quanto a uma parte e sem requisitos prévios para ingresso. Não era necessário ser antes judeu para ser cristão, eis o que permitiu a difusão do novo preconceito monoteísta que se iniciava. E isso fazia todo sentido, porque Jesus foi considerado Messias e, portanto, a ser isto verdade, o encerramento do judaísmo.

A proposta foi audaciosa e bem desenhada, deve-se reconhecer. Nesta perspectiva, os textos do velho testamento foram mantidos como uma genealogia e nada mais. Do surgimento do Messias e da celebração da nova e ampla aliança, salta-se por sobre um imenso vácuo atemporal até a parúsia, a volta que iniciará a comunhão plena dos relativos com o absoluto.

Isso é absolutamente incompatível com o judaísmo, que espera o Messias e opera um esquema lógico aparentemente mais simples. Aqui, não há aliança ampla; há uma aliança com um restrito povo. Isso é fundamental, porque ortodoxamente Edir Macedo pode andar diariamente de quipá e não se tornará judeu em momento algum.

Dessa aliança única e específica decorrem efeitos tão interessantes quanto terríveis. Tendo os profetas calado-se nos últimos 2000 anos, um colegiado de rabinos assumiu seu lugar e elaborou uma codificação sempre mutável nos aspectos marginais. Isso, o Islã viria a adotar, seiscentos anos depois, de maneira algo similar. Assim, por esta codificação rabínica, que é coerente com a tese da escolha divina do seu povo, coisas estão plenamente autorizadas, tais como matar qualquer outra gente.

A posições são absolutamente inconciliáveis, o que não quer dizer que se deva matar por isso, mas logicamente são coisas excludentes. Não se é cristão e judeu ao mesmo tempo, enfim. Mas, as denominações pentecostais e neo-pentecostais pretendem essa solução de compromisso impossível, o que revela muito de sua falta de densidade intelectual, lógica e teológica.

Há quem veja esse filo-judaísmo como decorrente de interesses pecuniários, apenas. Dia desses, um jornalista escreveu um pequeno texto de inteligência ligeira a defender isto. Para ele, a explicação estaria no comércio intenso de turismo religioso para Israel. Essa hipótese parece-me muito restritiva, porque o dinheiro move muitas coisas, mas não todas. E, principalmente, porque o dinheiro das excursões de fiéis a Israel não é muita coisa.

Talvez haja muito de vontade de afastar-se radicalmente do catolicismo de Roma, mesmo que a preço de cair no vazio lógico e na incoerência flagrante. Realmente, isso de incoerência é próprio das religiões, mas apenas na sua parte axiomática. Esses sistemas tem causas iniciais ou móveis que se podem considerar absurdas, mas daí em diante costumam funcionar coerentemente.

O filo-judaísmo pentecostal e neo-pentecostal é abrir mão de qualquer sentido, pelo que já se disse acima: ou o Messias veio ou está por vir. Não resta, na perspectiva dessas religiões, terceiro possível, nem harmonia das proposições, pois são excludentes.

Para mim, isso tem algo de tentativa de aliança com o mais restrito e forte, além de alinhamento ideológico com a elite do conservadorismo mundial. Grande parte do poder financeiro e bélico do mundo está em mãos da elite judaica. Daí que convém adular esse pessoal e querer parecer-se com eles, mesmo que os emulados intimamente riam-se dessas patetices de quem nunca será o que não nasceu.

Interessante é que isso é por-se em condição subalterna, render homenagem a imitar aquilo que se não é, nem será. Além de ser potencialmente o caminho da dissolução, porque não há perspectivas para novas seitas judáicas…