Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: junho 2015

Terra arrasada.

A imprensa tornou-se o maior poder dos países ocidentais, mais poderosa do que a legislatura, o executivo e o judiciário…precipitação e superficialidade são a doença psíquica do século XX e mais do que em qualquer outro sítio é na imprensa que tal doença se reflete.

Alexander Soljenítsin

 

Incapaz de vencer eleições presidenciais nos últimos doze anos, os entreguistas brasileiros resolveram paralisar o país, disseminar o medo, o ódio, a intolerância, a percepção de crise, tudo isso por meio da imprensa, que serve aos desígnios entreguistas com fidelidade e dedicação.

Os resultados são tão previsíveis quanto terríveis. Há o efeito de autorrealização das profecias e a economia, por exemplo, acaba por retrair-se mais por conta das más expectativas. Mais que cairia normalmente este ano e que é muito pouco, diga-se.

Porém, o pior desta estratégia de disseminar-se que tudo está ruim e em níveis sem precedentes é que a classe média acredita nisso. Já de si é bastante tola e ignorante; com essa ajuda da imprensa, para piorar o ruim, torna-se insuportável. E essa gente é afirmativa, ou seja, reproduz as idiotices que lê ou escuta e sai a pedir confirmações para elas.

Nada no Brasil está pior que há 15 anos. Nem economia, nem distribuição de rendas, nem saúde, nem educação, nem segurança pública, absolutamente nada. A percepção disso seria facílima para qualquer pessoa que olhasse à sua volta e pensasse com sua própria cabeça. Um pouco de memória é necessário também, evidentemente.

O extraordinário foi ter-se instalado o clima de terror, a percepção de caos, a noção de que as coisas estão a piorar. Isso é a grande obra da imprensa e os frutos serão uma ingovernabilidade que não ajudará nem aos grupos de oposição. O sujeito médio – aparentemente possuidor de um cérebro pensante e de memória, além da tão aclamada liberdade – nega a realidade, os números, as séries históricas, nega sua própria percepção e repete o que lhe disse a imprensa e o que lhe desdiz a realidade.

Chegou-se a ponto da histeria macartista contra a corrução – mesmo que ninguém saiba onde ela está e como funciona – lançar âncora no judicial, que a pretexto de a combater promove a quebra de grandes empresas, desempregando milhares de pessoas. As massas enlouquecidas não param a pensar que não é preciso destruir empresas e por na rua trabalhadores para se combater qualquer coisa.

Humano: a diferença específica não é natural.

O fato de termos consciência de nós mesmos e de termos subjugado as demais espécies na terra, levou-nos à busca tão frenética quanto justificável da diferença específica a permitir a definição do humano. Neste processo, todavia, elementos místicos adentraram e a confusão instalou-se.

Não havia porque, racionalmente, confundir diferença específica com natureza. Isso é derivar para o axiomático e isto ocorreu com quase todos quantos tiveram bons êxitos no isolamento da diferença específica. O sujeito que encontrava – ou cria tê-la encontrado – apressava-se a dizer natureza humana. Muito fetichista, evidentemente; o fetiche do dedo de Deus encontrado sorrateiramente…

Houve um debate interessante, na Alemanha, entre Michel Foucault e Noam Chomsky, dois intelectuais valorosos e rigorosos. Não sei a data do encontro, mas a julgar pelos trajes, deve ter ocorrido em 1969 ou 1970, por aí.

Chomsky, mansamente, constrói um discurso que culmina na postulação da potencialidade criadora da linguagem como a definidora da natureza humana. Ele poderia ter-se ficado pela diferença específica e muito provavelmente ainda estaria entre o axioma e a petição de princípios, mas foi além: natureza humana!

A linguagem, qualquer um lembra-se, não é nossa exclusividade. Daí ser necessário acrescentar-lhe a potencialidade criadora. Porém, esta potencialidade é a própria linguagem, meio combinatório, a par com código e instrumento de comunicações. Vários mamíferos permitem observá-lo, na medida em que se deixaram domesticar ou perceberam as vantagens de viver perto dos humanos – alguma vantagem deve haver.

Estranho também é definir por potência, pois aproxima-se de nada. Um carro não se define por seu motor ser capaz de, a certas regimes de rotações, desenvolver cem cavalos vapor. Ele pode, sim, definir-se por mover-se e chegar, em dadas condições, a tantos ou quantos quilómetros por hora de velocidade. Ou seja, ele define-se por ato.

E aí percebe-se que o humano, no que tem de natural, é profundamente inespecífico. Por natural ele precisa alimentar-se, excretar, fornicar, dormir. A história, essa a marca humana, nada tem de natural nem é potência, sim uma sucessão de atos, construídos uns sobre outros e muitas vezes drasticamente dissociados.

 A localização da diferença específica na potencialidade linguística e sua caracterização como elemento natural é de inspiração curiosamente religiosa. Curiosa, porque a criação divina não fica maculada pela não naturalidade do humano. São coisas que não interferem reciprocamente. Mas as prisões da alma são fortíssimas…