Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Mês: julho 2015

O tolo prolixo.

Esse tipo social é interessantíssimo se o pudermos observar um pouco à distância. Interessante ainda que maçante e perigoso. Ele, geralmente, afeta mansidão, mas manso e pacífico não pode ser, tanto pelas idéias professadas, quanto pela forma de pensar não pensando. Sua aparente mansidão é efeito de preguiça, ou de covardia, ou de complexo de inferioridade – sua face mais sincera e portanto escondida.

É profundamente violento, pois são violentos os que mesmo prolixos não aceitam qualquer dialética e, ademais, operam a partir de um acervo prévio e limitado de idéias. Não gostam de ver correr sangue, mas pouco se lhes dá se este sangue correr fora do seu alcance visual. A hipocrisia evidentemente não poderia ser ingrediente alheio ao tipo.

O tipo não se pretende intelectual, o que, à partida, pode levar a crer não ser pretensioso; mas é profundamente pretensioso, contudo. Está certo de ser um ser atualizado – esta é sua marca e aspiração – e portador de informações gerais a comporem o acervo da conversação em sociedade.

Pretensioso também por julgar-se merecedor de feed back para todas as reproduções que faz do que recebeu da TV e de revistas supostamente informativas. Ora, não lhe passa pela cabeça que essas coisas não foram feitas para serem objetadas ou contrariadas, tamanha sua vacuidade. Não é capaz de um grama de originalidade – de nada que saia de sua própria cabeça – nem de reproduzir algo de nível.

Mas o tolo prolixo quer entreter uma conversação e aparenta querer ouvir opiniões contrárias ou diferentes. Quer opiniões até quando se trata de fatos ou absolutas desimportâncias que não dão ensejo a opiniões. Na verdade, o que quer é a discussão do detalhe sobre alguma idéia, do que absolutamente não infirma a tolice que reproduziu, de algum aspecto lateral. Assim, segue a conversa sem qualquer dialeticidade, mas repleta de lateralidades inócuas. E mantém-se o monólito da tolice inicialmente colocada para discussão.

O mais terrível, contudo, é não aceitar o silêncio, esta grande homenagem que se faz a si mesmo e ao tolo prolixo…

Reza Aslan é um autor no mínimo sagaz.

O que segue não é resenha do livro Zelote: A vida e a época de Jesus de Nazaré, escrito por Reza Aslan, pela razão suficiente de não o ter lido. A sagacidade de Aslan pode ser percebida sem ler o livro, todavia. Ele teve muita sorte também, deve-se dizer sem mais.

O autor concedeu entrevista a uma fulana da TV norte-americana Fox. Ela fez questão de provar a estupidez do norte-americano médio e de quem o alimenta com informações: principiou a entrevista a perguntar porque um maometano escrevia sobre Jesus…

O escritor fica visivelmente desconcertado com a pergunta – estúpida até por padrões norte-americanos – mas deve ter ficado agradecido ao depois. A indagação dá-lhe ocasião de alinhar os múltiplos graus de PhD que tem, as fluências em línguas, as universidades onde leciona, os livros que escreveu e por aí vai.

Foi ótimo para ele, até porque livros sobre o Jesus histórico há muitos e não é fácil despertar interesse por algum novo. Há basicamente quatro linhas de abordagem neste assunto: uns dizem que Jesus foi só judeu, outros que foi o proposital fundador do cristianismo – e aí há quem proponha ter sido só homem ou só Deus – outros que foi um revolucionário social e uns poucos que dizem o que disse Aslan.

Ele propõe que Jesus foi um revolucionário político nacionalista judeu. Um bandoleiro muito empenhado em contrariar a ocupação romana por meio duma espécie de guerrilha. A mim, particularmente, não me parece a linha mas plausível, mas é defensável, como, aliás, quase tudo que diga respeito a esta extraordinária personagem com tão poucas fontes históricas.

O Jesus mais interessante que já li foi o de J. J. Benítez, que teve a inteligência de fazer crer à maioria que a parte importante dos seus Cavalos de Tróia era a ficção científica. Ele fez uma pesquisa histórica exaustiva e conseguiu escapar à prisão das análises e resenhas acadêmicas, usando essa capa de ficção científica.

Mas, Aslan conseguiu algo raro; muito raro, na verdade. Ele pautou reações judaicas; ele pôs as condicionantes destas reações; chegou perto da anedota. Beira o cômico uma resenha do livro por um fulano também multi PhD, na Jewish Review of Books.

O doutor resenhista ficou com raiva da proposta de Aslan de um Jesus herói da causa nacional judaica, evidentemente. Jesus não é um herói judaico, embora possa ser estudado. Geralmente, é um não assunto, uma desimportância.

Para atacar Aslan e apontar o dedo a supostas imprecisões e ilações, defendeu o Novo Testamento! É, no mínimo, engraçado ler a defesa do Novo Testamento por um acadêmico judeu com raiva de um livro… Isso Aslan conseguiu e não foi pouco.