A política é o espaço dos conflitos de interesses de grupos e classes, ou seja, o espaço próprio da luta de classes. Na política, está pressuposto o escolher, o tomar decisões a partir de alternativas possíveis. Não se trata, portanto, do âmbito do bem e do mal, não é o campeonato da moralidade. Aqui, está em jogo a apropriação de parcelas da riqueza gerada num certo espaço; quem fica com quanto.

Os grupos minoritários precisam esconder essa realidade a qualquer custo e, por isso, oferecem o discurso moralizante como forma de afastar o que efetivamente está em jogo. Os grupos minoritários, que correspondem aos dominantes, precisam evitar que os maioritários percebam que não há correspondência de interesses entre as diversas classes.

No Brasil, a disparidade na apropriação das rendas é de fazer corar qualquer pessoa bem alfabetizada que não esteja a soldo de interesses maiores. Ela, em resumo, justifica-se discursivamente na mitologia do mérito, o nome que se usa para inércia social. 90% dos meritocratas brasileiros estão onde estão porque nasceram onde nasceram. Mas, para a rapina é preciso crença, então essa gente acredita na mistificação da meritocracia.

Pois bem, de alguns anos para cá, anos que correspondem precisamente aos dois governos do Presidente Lula e aos quatro da Dilma, a desigualdade recuou. A melhora na distribuição das rendas resultou bem para todos, mas evidentemente esses benefícios não foram proporcionalmente iguais para todas as classes.

Os mais acima ganharam muito, tanto vendendo bens de consumo e imóveis, quanto vendendo dinheiro. Os mais abaixo ganharam mais, relativamente, porque tiveram acesso a pouco, depois de muito tempo com acesso a nada. Os do meio também ganharam, mas menos que os demais estratos. Os do meio e principalmente da parte superior do meio, são a pior gente que há, não apenas no Brasil. Incapazes de guerra, recorrem à sabotagem.

A redução das desigualdades fez-se de maneira óbvia: programas de rendimentos mínimos e aumentos do salário mínimo. Isso, além de certo conforto material, levou às fronteiras do rompimento do pensamento da eterna servidão e às raias da crença quimérica na igualdade. Os de muito de cima acharam ótimo, à exceção de um e outro profunda e sinceramente imbecil e fascista in pectoris. Os de cima celebram o aumento do mercado interno, salvo quando são entreguistas a ponto de trabalharem contra si próprios.

A classe média alta, esta não perdoa a inclusão social de vastos milhões de concidadãos. Ela é capaz de perceber que o movimento de ascensão dos pobres reduziu tensões e criou mercados para seus serviços, mas não tolera que o Estado tenha despendido com os ascendidos dinheiro que ela classe média alta queria para si. A questão é de divisão do roubo e de simbologia do poder.

Hoje, às vésperas de eleições presidenciais, a classe média alta vota para tomar para si os dispêndios estatais com programas de redução de desigualdade social. São contra aumentos do salário mínimo e contra o bolsa família porque querem estes dinheiros para si, na forma de isenções de imposto de renda e de isenções de imposto de importação de automóveis.

Para essa gente, a disputa é por dinheiro e, secundariamente, por manutenção de símbolos de poder. Os funcionários domésticos encareceram, no Brasil, de doze anos para cá. O trabalho doméstico é estigmatizado como o mais próximo ao nada e ainda permanece destituído de direitos e assimétrico a todos os outros trabalhos, sem que haja razão para isso.

A classe média alta viu-se obrigada a gastar mais para manter seus servos domésticos e, mais que isso, obrigada a fazer de conta que os considerava iguais, embora apenas pessoas com salários menores. No íntimo, encheram-se de rancor e buscam reverter esta situação. Aí está a esperança de quantos se oferecem contra a candidatura da Presidente Dilma: o rancor da classe média alta.

Precisam convencer os da classe baixa a votarem contra quem lhes melhorou a vida materialmente. Contam com a preciosa ajuda da imprensa dominante, que é contra qualquer coisa que diminua a concentração de riquezas, porque teme que venha na esteira a desconcentração do poder mediático. Só há uma forma de levar a classe baixa a votar contra si mesma: fazer acreditar na identidade de interesses.

Para tanto, é fundamental fazer acreditar na inexistência da luta de classes e na indiferenciação política. Isso implica espetáculo e moralismo, o que é ofertado maciçamente na imprensa. Tal estratégia tem boas chances de êxito, mas resta algo a considerar.

Caso a direita ganhe as eleições presidenciais de outubro e tenha mandato para executar seu programa concentrador e entreguista, terá que dispor de meios para aplacar as reclamações que emergirão inevitavelmente dos que rapidamente regridirão. Será difícil fazê-lo somente com editoriais de jornais televisivos e novelas. Mais difícil ainda será fazê-lo com repressão policial.

Como quer que seja – e não é remota a possibilidade da direita ganhar – fica para a classe baixa e para a esquerda clara a necessidade de evidenciar que política é conflito de interesses e não campeonato de moralidade.