Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

A viagem mágica e misteriosa.

Um texto de Alcides Moreira da Gama

A inocência pairava no ar. O que importava era ser famoso. Fazer sucesso. Por isso o momento era de pedir por favor para me agradar e agradar a todos, escrever carta com declarações de amor, gritar e remexer. E assim continuou por algum tempo, mês a mês, um dia após o outro, passando por algumas noites de alguns dias difíceis, até chegar o momento de gritar por socorro, pois estava precisando de alguém.

A partir desse momento, uma mudança se inicia. Comecei a questionar sobre várias coisas, até sobre nossa própria capacidade. Experiências novas. E fui me perguntando, sentado num quarto de madeira norueguesa, se pertencemos a algum lugar, se temos ponto de vista, se sabemos nossa missão, se sabemos para onde iremos. Todas as pessoas solitárias, de onde elas vêm? Por que o padre escreve o seu sermão se ninguém o ouvirá? E tudo ficou tão diferente, mais misterioso, mais reflexivo, mais introspectivo, até que descubro que todas as coisas gentis que ela disse não fazem mais sentido, aqui, ali e em qualquer lugar. Eu disse: você está me fazendo sentir como se eu nunca tivesse nascido. Passo, então, a desligar minha mente, entregar-me ao vazio, flutuar correnteza abaixo, perceber que isso é não estar morrendo, renunciar a todos os pensamentos. Estou apenas dormindo. É nesse momento que chego ao auge da criatividade, impulsionado por substâncias e experiências novas. Muitas visões e alucinações que me inspiram. Muitos galopes soberanos.

Decido criar uma banda fictícia para fazer apresentações por aí. E assim inicio o show. Acomodem-se e deixem a noite passar. Vocês acham que estou cantando desafinado? Com uma pequena ajuda dos meus amigos eu consigo. O ácido lisérgico me domina e começo e me imaginar em um barco num rio, com árvores de tangerina e céus de marmelada. Lembro-me do tempo da minha escola. Como eu me aborrecia. Muitas regras para serem seguidas. Mas agora está melhorando o tempo todo. Tudo está melhorando. Algo começa a bloquear minha mente. É um buraco onde a chuva entra. Quando minha mente está viajando, começo a pintar um quarto de uma maneira colorida. Não quero que isso bloqueie minha mente. Preciso de mais substância. Chego ao êxtase da inspiração. É quando tenho a visão de que, após escrever um bilhete, a garota está indo embora. Adquiriu independência. Descobriu que a diversão é a única coisa que o dinheiro não compra. E encontra seu parceiro. Em seguida, entro num circo, as famílias assistindo um show de acrobacias. Vejo tudo rodando, parece uma ciranda musical. Está garantido um ótimo espetáculo para todos. Começo a ter inspiração indiana. Perceber que tudo está dentro de nós mesmos, que as pessoas ganham o mundo e perdem suas almas. Começo a me ver velho, com sessenta e quatro anos, junto de meus netos, tentando conquistar a adorável policial. Até a convidei para um chá. Durmo e me acordo numa fazenda dando bom dia a todos. A fazenda está cheia de capim mágico. Os animais se misturam. Pessoas correndo em volta da cidade que está escurecendo. A nossa banda fictícia começa a se despedir. É quando leio um jornal e chego a um orgasmo musical incrível. Isso acontece um dia na vida.

Começo, então, a turnê mágica e misteriosa. Passo por um tolo na montanha. Ele permanece só, errático, sorrindo. Sentado num floco de cereal, misturando-se com sacerdotisas pornográficas e comendo creme de matéria amarelada. Não parecia se preocupar com nada. Nada parecia real. Fecho os olhos e percebo que viver é fácil, principalmente quando se está, para sempre, num campo de morango.

Fico disperso e um tanto quanto revoltado, mas mantenho a unidade, não é querida Prudence? Tenha cuidada. Toco minha guitarra e percebo que ela chora gentilmente. Quero ter a felicidade mas ela parece ser uma arma quente. Decido ir a uma festa. É o nosso aniversário. Depois da festa vem a tristeza. Pela manhã acordo com vontade de morrer. Anoitece e continuo com o mesmo sentimento. Muita confusão na minha mente, até que me despeço e digo “boa noite”.

Pela manhã as coisas parecem mais alegres. Tudo muito colorido, todo mundo sorrindo e indago se todos nós vivemos num submarino amarelo. Uma mulher passa na rua carregando um buldog, bem agitado e interessantíssimo, querendo falar comigo. Atrás dela vem um velho. Parece ser chato. Ele tem cabelos até o joelho. Volto minha atenção na mulher. Percebo algo nela que me atrai. Parece ser tão pesada, mas eu a quero. Oh, querida, não me deixe. Veja que o sol está chegando, porque o céu está tão azul. Curta seus sonhos dourados, bela adorável. É o fim.

Não, antes, como arremedo, deixar tudo como está: um sentimento que não posso esconder, numa longa e sinuosa estrada a percorrer…

3 Comments

  1. Marco Antônio

    Uma avalanche de elementos como poesia, música, flower power, insensatez, inconsciência e outros vários temperos dos fab four.

  2. Severiano Miranda

    Bacana o texto Alcides!

  3. Sidarta

    Aos 61 anos, operado de próstata e hospitalizado cheio de sondas urinárias e abdominais, me deram um STILNOX para eu conseguir dormir … e tive emoções parecidas.
    Esse medicamento não dá amnésia, bota mesmo para dormir e para divagar. E voce se lembra dos sonhos, ou do que deve ter mesmo acontecido,… depois.
    No delírio, eu conduzia uma KOMBI com uns 6 metros de altura pela av. Rosa e Silva em Recife, dei de cara com um tunel baixo em frente ao Habibs, avaliei que não dava para entrar no tunel com a alta KOMBI, recuperei por um segundo a lucidez e me lembrei de que não havia tunel algum na Rosa e Silva, entrei no tunel disposto a arrancar o teto da KOMBI e saí do outro lado inteiro e conduzindo um fusca.
    Ao deixar o hospital fiz questão de ir conhecer o tunel da Rosa e Silva e o devem ter demolido enquanto eu ainda estava no hospital, em uma eficiência construtiva monumental, pois decorreram somente poucos dias entre a minha aventura de conseguir reduzir a altura da KOMBI para passar no tunel e a minha passagem de novo pelo local, e não havia o menor sinal da existência de um tunel por lá.
    Para cabeça de engenheiro, dilema similar é sonhar que se está debaixo de um sinal de raiz quadrada e não se é um quadrado perfeito. Matematicamente você pode tentar diversas mágicas para sair do sinal da raiz quadrada, mas sempre vai ficar algum pedaço de você lá dentro..
    Deixo os meus parabéns ao autor do texto por bem descrever a realidade do universo paralelo.
    Uma sugestão: se alguém for experimentar o STILNOX com a finalidade de ver o universo paralelo, é interessante ter uma pessoa conhecida com você; é uma maneira de se assegurar que não vai ficar de uma vez no tal universo…

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