Gosto muito de contos, que reputo um gênero difícil. Ele não admite facilmente o razoável, oscila entre o bom e o ruim, é traiçoeiro com escritores mal-dotados.

Achei de conhecer Jorge de Sena, muito tardiamente, pelos contos reunidos nas Antigas e novas andanças do demônio. As diferenças entre as duas partes do volume são nítidas, até porque eram dois livros diferentes. Posteriormente, o autor resolveu publica-los juntamente em um só livro.

Ele escreve prosa como um poeta. Não que traga consigo uma métrica que sempre insinue a poesia, mas que se percebe ser principalmente poeta. Um prosador que não faz poesia também tem um caráter singular, que se percebe. Todavia, é muito interessante notar isso em um autor lusófono, porque nesta língua poucos são os que não escrevem nas duas formas.

Algumas coisas nas andanças do demônio, alguns contos, enfim, lembraram-me Guy de Maupassant, o maior contista que já li. Há um traço de extraordinário lúcido e, ao mesmo tempo, apaixonado. Há uma profunda erudição e conhecimento histórico em linhas simples, concisas e quase herméticas.

Houve uma lembrança de algo que fazia quatorze anos que ouvi. Uma estória, ou um mito, que é cara à gênese do cristianismo está mencionada no conto A noite que fôra de natal. Um mito ou episódio caro a esta gênese, mas pouco falado e relativamente pouco conhecido. Plutarco conta o episódio.

Um autor que a ponha em ficção, em um formato menor que a novela ou o romance, com resultado bom, é um autor invulgar. O grande Pã morreu, dizia-se no Egeu. Dizia-se, ou antes ouvia-se, em vozes cavas, chorosas, vozes sem falante, que os pescadores ouviram.

Essas vozes falaram-se ou ouviram-se na época em que Tibério era Imperador. Época que se convencionou dizer do nascimento de uma nova religiosidade e morte de uma anterior. Ninguém sabe se foram mesmo faladas e se foram ouvidas. Não chegou a ser constatado, embora Tibério tenha ordenado investigações.

Uma estória dessas, pouco importa que seja verdadeira ou falsa. Falar dela em ficção importa talento.