Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Argentina e Uruguai, países mais sérios que o Brasil. E, por isso, melhores.

Alfredo Astiz, Capitão de Fragata da Armada Argentina e traidor da pátria.

Assassino, sequestrador e torturador de civis compatriotas dele e de estrangeiros. Por ocasião do golpe militar de 1976, na Argentina, o Capitão de Fragata da Armada Argentina Alfredo Astiz foi designado para trabalhar na ESMA – Escola de Mecânica da Armada. Um centro de sequestro, tortura e eliminação de quantos se pudessem contar no número dos perigosos para o novo regime militar ditatorial.

Astiz empenhou-se fortemente na sua missão. Infiltrava-se em grupos de direitos humanos e indicava os que deveriam ser sequestrados e eliminados. Responsável direto por inúmeros assassinatos, incluindo-se os de duas freiras francesas.

A arte dos militares argentinos no eliminar oponentes – os menos perigosos possíveis – era inovadora. Criaram – devia ser por algum deleite especial – o método de pô-los em um avião e lança-los ao mar, depois de torturados brutalmente…

É muito rico, nessa figura, o traço da vileza. Infiltrava-se entre os seus oponentes, buscava sua intimidade, sua confiança, descobria-lhes as crenças e, depois, bem, depois, levava-os à ESMA, para um destino certo.

Alto, louro, altivo, militar empertigado nas suas vestes de oficial da Armada, alcunhado el ángel rubio. Doce nas suas infiltrações, doce como todos os infames agentes duplos. Crudelíssimo com suas vítimas, sem limites. Corajoso com vítimas reduzidas à despersonalização e sabedoras da morte.

Eis que a Argentina – e não vou discutir se por cálculo ou orgulho nacional – entra em guerra com a Inglaterra, pelas ilhas argentinas Malvinas. Astiz é designado para assumir um grupo de comandos nas ilhas Georgias do Sul. Acossado pelos ingleses, trava um embuste de combate e rende-se, logo em seguida, aos ingleses.

Esse homem tão valoroso na tarefa de sequestrar, torturar e matar gente incapaz de defender-se, rende-se aos inimigos do seu país, sem uma perda. Sem combate efetivo. Sem combater o combate que sua farda nunca vira, sem um traço do verdadeiro sangue castelhano que traz nas veias. Podia ter lutado, de verdade, uma vez na vida, e morrido fardado.

Rende-se aos ingleses de uma forma que, se fosse um inglês a fazê-lo, seria enforcado, essa vileza que os ingleses destinam aos traidores da pátria.

Ontem, Astiz foi condenado à prisão perpétua, pelos crimes cometidos. Já o fora, na França, à revelia, pelo assassinato das duas freiras gaulesas.

Ontem, o Senado da República do Uruguai julgou imprescritíveis os crimes praticados na ditadura militar havida lá. Por unanimidade. Crimes contra a humanidade não prescrevem, claro.

Enquanto isso, no Brasil, uma lei de auto-anistia, promulgada pela própria ditadura que torturou e matou, foi julgada válida pelo tribunal constitucional. É difícil perceber porque são países tão diferentes e porque vive-se melhor na Argentina e no Uruguai que no Brasil?

7 Comments

  1. Sidarta

    Com relação às diferenças entre Brasil, Argentina e Uruguay, e até Chile, vamos chegar um dia lá por um caminho, talvez, um pouco diferente. A Comissão da Verdade, que será aprovada mas que não se propõe a mudar a lei da anistia, deixará escancarada a porta para que surjam outros movimentos e isso pode mudar o nosso “casamento de viúva” no Brasil com os resquícios da ditadura militar.

    “Hay que se endurecer sin perder la ternura”, Che Guevara.

  2. andrei barros correia

    Não sei, Sidarta, se chegaremos perto da Argentina e do Uruguai, com respeito à memória histórica e à responsabilização dos agentes do Estado que cometeram crimes imprescritíveis. Na verdade, acho que não chegaremos lá.

    A Comissão da Verdade, como apontas, já será um grande passo.

    Sidarta, nós, brasileiros, não temos ternura alguma. Apenas confundimos indolência com ternura. Temos é uma brutalidade imensa, pronta a despontar, sempre que se tratar de defender alguma posição.

    Na verdade, o povo, a vasta maioria do povo, não está nem aí para história, crimes ou qualquer outra coisa que não seja uma TV de 50 polegadas.

    Não é de estranhar, mesmo. Em um país onde TV é concessão pública e jornalistas de destaque da Globo são informantes reconhecidos da embaixada norte-americana…

  3. Sidarta

    Andrei,

    Estou tentando me lembrar do nome do papa que depois de morto de morte natural foi exumado, julgado no Vaticano com o cadáver vestido de papa e sentado em um trono, condenado à morte, “enforcado e esquartejado”. Há uma pintura excelente desse julgamento em um livro que dei de presente há uns tempos ao Dr. Tito.

    A partir de 1975 as coisas esfriaram mais por aqui e se os mandantes de crimes imprescritíveis tivessem uns 40 anos naqueles tempos (de coroneis para cima), estariam hoje com 85 anos, a maior parte já mortos como todos os generais presidentes e muitos dos seus ministros militares.

    Ganharíamos alguma coisa em exumá-los , julgá-los, condená-los à morte, enforcá-los e esquartejá-los?

    Penso que não conseguiremos mudar a cabeça de neo-fascistas; o que podemos fazer rápido é desmoralizar a ideologia deles com a exposição da verdade da história da ditadura militar no Brasil e a divulgação da verdadeira biografia dos seus dirigentes.

    Há um livro de Azimov, “Fundação e Império” em que ele trata, em ficção espacial, desse problema de desvios de rotas temporários de cenários desejados para governos e países (ele trata isso em planetas na galáxia), quando surge um personagem (a cara de Maluf), que cria um “império do mal” em um planeta e os sábios da galáxia resolvem fazer uma reunião para definir como deviam agir.

    Resolveram que dentro de algum tempo aquele movimento “malufista” seria também história.

    Nenhuma polêmica, só associações de fatos e de ficções sociológicas e científicas.

    Abração. Sidarta

  4. Andrei Barros Correia

    Sidarta, meu caro, pões questões complicadas.

    Se virmos as coisas como vingança, então adianta e não adianta matar criminosos. Do ponto de vista do agredido, sempre vale a pena matar o agressor. Utilitariamente, mesmo, porque é uma ameaça e menos.

    Se virmos as coisas mais de longe, sob perspectiva menos pessoal, pode valer a pena também.

    Colar na cara de quem cometeu o crime o rótulo de criminoso, vale a pena sempre, mesmo que não se o mate.

    Tens razão ao dizer que não mudaremos a cabeça dos neo-fascistas. A coisa faz-se pelo inverso. Temos que identificar e dar sepultura às vítimas deles.

    As cabeças do neo-fascistas não serão modificadas. Mas, a memória de suas vítimas tem que sangrar sempre, para que vá sangrando menos a cada geração.

  5. Sidarta

    Andrei,

    Incursões ainda elementares no budismo estão mudando a minha percepção dualista do bem e do mal, talvez até para pior nesse mundo de bandidos.

    Por conta de uma quase total ignorância jurídica sobre as nuances da questão de que estamos tratando, e de me terem aparecido há uns tempos novos problemas e novas exercitações filosóficas a praticar, mudei de alguma maneira os meus critérios de importância para com o que me envolver mais a fundo e a rapidez com que costumava ter pronta e trabalhada uma opinião.

    Em ingles há uma palavra bem interesante para significar a vingança através de um bode expiatório e a reconciliação, chama-se ATONEMENT.

    O Concise Oxford a define como “the reconciliation of God and mankind through the death of Jesus Christ”.

    Acho que a tentativa de se chegar ao Atonement através da celebração diária da morte de Jesus fracassou no mundo cristão, assim como a iniciativa de não somente celebrar a morte mas de também matar outros povos pelo mundo também fracassou. Em passado remoto as Cruzadas e em passado recente Hitler, Vietnam, Afganistão, etc.

    Israel foi buscar Eichmann na Argentina porque queria um atonement para um crime grande demais e o responsável estava vivo e podia ser julgado; mas, entendo, o objetivo maior não foi o de matá-lo, mas o de escancarar para o mundo os motivos porque o estavam condenando à morte. Isso não ressussitou ninguem que morreu em câmaras de gás, mas serviu de atonement para muitos mesmo.

    Os métodos de atonement em diferentes lugares e diferentes casos parecem para mim ter que ser diferentes; um dia, se ainda tiver tempo, estudarei direito para melhor entender essa questão.

    Grande abraço,

    Sidarta

  6. VIANA

    As ditaduras do Brasil, Uruguai e Argentina trilharam caminhos diferentes até retornarem a um regime democrático. Não se pode dizem quem esteja errado ou certo, porque todos estão certos, e também, não se pode dizer, baseado nestes fatos, que hoje, se vive melhor na Argentina ou no Uruguai. Acho que se deve esclarecer todos os fatos, mas não no sentido de vingança, porque nos sabemos muito bem, que quem esta no poder não pune seus compatriotas.
    Vejam vocês, guardada as devidas proporções, quem deu ordens ou jogou as bombas atômicas no Japão, cometeram crimes contra a humanidade, no entanto não foram nem acusados e nem punidos, e por sua vez, os nazistas por terem sido derrotados, foram julgados e condenados. Coitado dos derrotados. Mas, pode-se dizer que agora são outros tempos, pois então, se crie Comissão da Verdade e restabeleçam a verdade, e condene o Presidente Truman e os principais envolvidos.
    Concluindo, eu particularmente estou satisfeito com a Comissão da Verdade como esta criada.

  7. Andrei Barros Correia

    Prezado Viana,

    Concordo que a Comissão da Verdade é alguma coisa. Não tenho condições de afirmar satisfação ou insatisfação com ela, como está criada.

    Suponho – e o termo significa só e só isso: suposição – que será mais tímida do que o nome sugere. Não apenas as punições não nos convém, mas a verdade histórica tampouco.

    Claro que idealmente as punições não devem revestir o caráter de vingança, pelo menos não declaradamente. Mas, é evidente que esse componente está presente em quase todas as punições, como elemento retributivo.

    Quanto às afirmações de que se vive melhor na Argentina e no Uruguai, não se devem em linha reta causal ao fato de punirem violadores das leis. Eles têm objetivamente condições gerais superiores ao Brasil.

    Não é à toa que países mais desenvolvidos – e não falo mais ricos, embora também o sejam – avancem mais em outras matérias, como por exemplo na punição de torturadores e no reestabelecimento da história.

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