Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

As aparências pouco enganam. Bergoglio é jesuíta.

Assembléia de cento e quinze cardeais elegeu Jorge Bergoglio Bispo de Roma e Chefe do Estado Vaticano. O cardeal é jesuíta argentino e era Arcebispo de Buenos Aires; sua nacionalidade tem importância nenhuma, mas o pertencimento à Companhia de Jesus tem.

A imprena, e não só da periferia do mundo, tem insistido em aspectos do estilo de vida de Bergoglio, como o hábito de usar transportes públicos, o residir em apartamento modesto e o preparar suas próprias refeições. Ora, tais hábitos, em um jesuíta, só podem surpreender quem não os conhece absolutamente.

Surpreenderia, em um jesuíta graduado, que fosse inculto, ignorante, incapaz de dominar argumentação lógica-formal e, principalmente, que não fosse hipócrita. Mas, austeridade no trajar e no morar, aversão à ostentação, aparente auto-crítica, tudo isso faz parte do modelo deles. É uma ordem de sofistas.

A Companhia de Jesus segue um programa rigorosíssimo de busca e manutenção do poder, mediante abertura seletiva em busca dos mais capazes e dominação discreta, precisamente a forma do poder mais intenso. O jesuitismo, de certa forma, é como uma companhia que realmente adote a meritocracia para recrutar e fazer ascender aqueles mais adaptados ao seu projeto.

 Em comparação com outras ordens, são muito suaves e sutis, exceto em negócios que tinham a violência física como parte integrante, como deu-se no tráfico de escravos, é claro. Eles acreditam, com bastante razão, no poder do discurso e perceberam que a censura aberta é suma tolice, porque o inteligente não precisa ser censurado, que ninguém o escuta, e o burro tampouco, que não é capaz de enunciar algo sedutor.

Eles censuram o elemento médio por meio da sutileza de o levar a pensar importante nas opiniões que tem e a levar-lhe a pensar exatamente dentro do modelo previamente fornecido. São, em resumo e servindo-me de termo estrangeiro consagrado, o modelo do soft power.

Não foi à toa que vários Estados e a própria Corporação Romana precisaram expurgar os jesuítas em várias ocasiões, porque seus projetos de poder eram viáveis e cresciam rapidamente, à revelia de todo controle externo. O Marquês de Pombal teve muito a dizer a respeito, para ficarmos em um exemplo apenas.

Pois bem, o lugar-comum da moda é associar os modos austeros de vida particular e pública de Bergoglio a opção preferencial pelos pobres e por problemas sociais. O engano que pode haver e provavelmente há nisso advém da ausência de relação de uma coisa e outra, se considerarmos que a associação é totalmente arbitrária e baseada no cotejo de meioa dúzia de casos em que se mostrou certa.

O engano não provem das aparências, que de aparências não se trata aqui. Eles, os jesuítas, são assim mesmo. O engano provém do que se convencionou associar simbolicamente a tais ou quais formas de comportar-se em público e em privado. Essas associações de idéias são arbitrárias e dão-se segundo modelos pré-concebidos, sem que alguém preocupe-se em pensar o que há por trás e se há realmente alguma ligação.

Ortega y Gasset já dizia algo genial, em um dos ensaios de A Rebelião das Massas: é mais difícil dissociar idéias que as associar. Realmente, as associações estão praticamente dadas e funcionam quase automaticamente, são questão de pouca sagacidade. Uma vestimenta simples associa-se à pobreza; o silêncio associa-se à estupidez; a fala aparentemente simples associa-se à inocência e por aí vai.

O poder real e profundo e a riqueza grande não são ostensivos. Ostensivas, deselegantes e prolixas são as aspirações do poder pequeno e novo e do novo-riquismo. Convenientemente, as manifestações exteriores dos novos-poderosos e novos-ricos converteram-se, aos olhos do vulgo, na única expressão que reconhece como de poder. Daí, tem-se um bloco de atitudes pronto a ser associado à ambição e, no sentido inverso, tem-se um bloco de atitudes contrárias pronto a ser associado ao contrário.

A simplicidade comportamental não apenas aparente do novo Bispo de Roma foi associada a opção preferencial pelos pobres, inclusive sua imensamente sagaz escolha da alcunha Francisco, que remete ao Santo dos Pobres. Ocorre que essa associação não tem qualquer sentido próprio. Se se purgarem das atitudes significantes os significados que às primeiras não se relacionam necessariamente, a coisa fica clara.

Comportar-se assim ou assado é linguagem, além de alguma coisa de inclinação pessoal. Residir em apartamento pequeno, adjunto ao prédio da Catedral de Buenos Aires, não é opção significativo de opção preferencial pelos pobre, nem sinal tênue disso, senão afirmação de um belo estoicismo ou esteticismo forte, ou ainda elitismo em forma pura, seja por cálculo ou vontade muito sincera. O poder não se perde por isso, ao contrário reforça-se.

Um jesuíta no Bispado de Roma pode significar a retomada do crescimento do Catolicismo Romano ou seu precipitado fim.

 

 

5 Comments

  1. Sidarta

    Excelente avaliação.
    Mesmo não mais prestando prostração ao Vaticano, o fato da igreja ter se livrado de Ratzinger em troca de um praticamente dos exercícios espirituais de Inácio de Loyola pode ser um alento. A inveja não dissimulada de alguns cardeais brasileiros vai passar logo e a Argentina deve ganhar a copa.

    • Andrei Barros Correia

      A minha impressão, Sidarta, é que os candidatos brasileiros padeciam de falta de nível, pura e simplesmente. O Sherer, incensado pela rede Bobo, nunca foi candidato a sério.

      A decepção que se supõe ter-se estabelecido pela falta de êxito do Sherer não passou de postura de quem acreditou que o conclave era um big brother.

      Um jesuíta Bispo de Roma é o PMDB no poder. Nunca se sabe se ele próprio matou, torturou e sequestrou ou se somente viu tudo e consentiu, no oportunismo silencioso dos jesuítas.

      De qualquer forma que seja, é melhor que um tolo mal intencionado, como o polonês. Se é melhor que o egresso da juvantude hitlerista, não sei dizer, sinceramente.

      Mas, para mim, é mais inteligível.

      • Sidarta

        Arretada a analogia do PMDB no bispado de Roma. Poderíamos mandar Sarney, Renan, Temen e outros para dar apoio parlamentar a Chico.
        A eleição do polones pela CIA e do alemão da inquisição foram talvez as últimas tentativas de manter a corporação européia. Agora americanos e europeus vão cortar o dízimo do Vaticano e aplicar as rendas das dioceses em ações locais deixando Francisco a depender de Brasil e Argentina.

  2. Severiano Miranda

    Rapaz, é notável a humildade do Papa, queira-se ou não, qualquer outro portenho se teria denominado Jesus II. Quizá I!!!!!!!!!!! =D

    • Andrei Barros Correia

      Verdade! Visto por este prisma, o homem foi bem humilde mesmo.

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