Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

As sombras de Goya. Filme de Carrière e Forman.

Acabo de assistir As sombras de Goya, um filme excelente. Não vou falar dos atores, que são bons e somente poderiam sê-lo. Um filme bom deve ter bons atores e até pode ter deles apenas razoáveis. Enfim, a ênfase em atores é superficialidade de quem não quer pensar e detém-se em nomes, ou seja, quase todo mundo. Mastroianni percebeu-o, ele que era um dos grandes e sabia que muito mais grande é o filme.

Fiquei encantado com o Museu do Prado desde a primeira vez em que estive lá. E não foi por causa de Goya, ou não somente. Fiquei com vontade de voltar ao museu e ao Retiro. Coisa que merecia aprofundamento, mas fico sem saber como fazê-lo e acho que vou alinhando impressões. Gosto de museus e de parques, mas gosto especialmente desses dois; digo isso também para dizer que nada mais em Madri atrai-me especialmente.

Mais estranho ainda é que me parece gostar mais de escultura que de pintura e ponho isso em dúvida, agora. Agora não, sempre estive nessa dúvida; deve ser algo que me impus, racionalmente, por conta da tridimensionalidade da escultura. Fato é que não tenho ganas de voltar ao Louvre, embora não o tenha esgotado, evidentemente, em três vistas, e ele é riquíssimo em esculturas. Mas, tenho vontade de voltar ao Prado.

Os El Greco e dois Velazquez nunca me saíram da cabeça. O crucificado e A forja de Vulcano, mais que as meninas, deles retenho a impressão de ter visto. As meninas, detive-me nesse quadro a partir de imagens de livros e buscadas na internet.

O Prado tinha que estar em Madri, para amenizar o que Madri é. Goya tinha que ser pintor do Rei e pintar a feiúra das reais personagens, fossem castelhanas ou francesas. Tinha que pintar, receber caro por isso, continuar a pintar, não escrever, não escutar, pintar, deformar, formar, conformar, não acusar, não escrever, não falar, olhar. Tinha que se lembrar de quem pintou, viver para pintar, como quem recebeu boa paga pelo trabalho e seguiu a fazê-lo.

À procura de saber quem foi o realizador do filme, fiz pequena busca e li, por azar, duas pequenas resenhas, ambas imbecis. Uma detinha-se no que chamarei aspectos externos, ou seja, filmográficos. Aquela besteira que se relaciona a ritmo, que vem de quem não conhece nem gosta de história e que se auto-intitula crítico de cinema. A outra, menos tola, criticava negativamente a exposição de um Goya pequeno, porque as outras personagens teriam mais destaque. A segunda crítica, na verdade, merece ser retirada da categoria de imbecil, é apenas religiosa.

Lembro-me de Julien Benda, na Traição dos Clérigos, a propósito desse segundo tipo de crítica. É dificílimo um sujeito profissional da crítica -de qualquer coisa – não querer que o criticado seja um clérigo, um religioso de qualquer preconceito que seja. É dificílimo porque os críticos não gostam de arte, nem de história, eles gostam de dogma. No Brasil, isso tem um nome, cuja menção basta para esclarecimento: fala-se em arte engajada.

Claro que o filme é um filme que, embora não destinado às multidões, é destinado a mais que o mínimo. Tem suas concessões, portanto. Pasolini não tinha concessões e era quase literatura com imagens. Talvez, por isso mesmo, quase ninguém tenha visto Salò e os 120 dias de Sodoma até ao final, o que é pior para quem não viu.

Para tristeza dos clérigos, Goya disse que a realeza espanhola era feíssima, disse que os franceses mataram como os próprios feios reais, que se uma nudez escandiza dão-se-lhe roupas, que o silêncio total aumenta os contrastes, que a política é profissão diferente da pintura.

 

1 Comment

  1. Andrei Barros Correia

    Estava pensando, a propósito de filme e de história: quem tiver ocasião de sentenciar um cardeal que repute injusto à morte, não adie sua execução…

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