Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Categoria: Capitalismo das cavernas (Page 1 of 6)

Surpresa hipócrita e tentativa de legitimação.

A imprensa corporativa necessita investir constantemente no mito da imparcialidade. Nos momentos fraturantes, a mitologia começa a mostrar-se, a pouco e pouco, é verdade, claramente como farsa. Então, nestes momentos, é necessária uma remodelação das narrativas, de maneira a readquirir a aparência da imparcialidade e a continuar a confundir as massas receptoras de editoriais.

Os discursos agressivos, nesta etapa de readequação narrativa da imprensa corporativa, retrocedem. Inaugura-se uma aparente brandura, a partir da ênfase nas pautas de costumes e na surpresa com o que seriam efeitos indesejados ou, mais que isso, efeitos sem causas.

Em um país colonizado e alienado de sua soberania, como é o caso presente do Brasil, a imprensa corporativa serve aos interesses do capital financeiro transnacional. Ou seja, ela tem um lado muito claro e este não é o lado dos interesses da maioria do país. Mas, essa parcialidade evidente precisa ser disfarçada, o que implica um esforço constante de alterações pontuais ou drásticas – conforme o momento – nas estruturas narrativas.

Os discursos de estímulo ao ódio cego e descontrolado contra uma parte do campo ideológico cumpriram sua função e esgotaram-se já em 2016. O golpe de Estado foi dado, afinal, com uma facilidade que só pode surpreender os pouco acostumados ao estudo da história e da psicologia social. Com este objetivo cumprido e com os efeitos previsíveis nos cotidianos das pessoas, é necessário por em marcha narrativas da conservação da situação degradada.

Inicialmente, a imprensa pratica a dissociação entre efeitos e causas. As coisas são apresentadas como se entre elas não houvesse nexo, não houvesse ligação. Então, por exemplo, a evidência de que uma política recessiva produz recessão é apresentada como algo, ou acidental, ou um efeito indesejado e imprevisto ou, simplesmente, como coisa solta no ar, sem causas antecedentes.

É fácil dissociar causas de efeitos econômicos, por um lado porque esse esoterismo que atende pelo nome de economia é muito mal compreendido pelas massas. Por outro, as pessoas tendem a desacreditar das más intenções e estão propensas a crerem no equívoco, no erro de cálculo circunstancial ou mesmo na necessidade de se fazerem coisas ruins para que num futuro indeterminado colham-se os frutos das privações. Ora, frutos das privações é algo essencialmente contraditório, claro, mas talvez por isso mesmo seja algo em que se acredita tão prontamente. As contradições são muito convincentes.

Essa estratégia narrativa tem seus limites, evidentemente. A depender do grau de degradação das condições de vida das maiorias, suas propensões a racionalizarem a situação conforme aos modelos recebidos da imprensa corporativa reduz-se significativamente. Quando as coisas vão muito mal, a eficácia da dissociação entre causas e efeitos e da narrativa da culpa das vítimas reduz-se muito, até porque qualquer nível mínimo de racionalização implica algum conforto material e tempo.

Outra vertente da reinvenção mediática, após o êxito na empresa golpista e de aniquilação do país como soberano e provedor de mínimos sociais para suas populações mais carentes, está no investimento na pauta de costumes e das diversidades de grupos sociais.

Meio subitamente, os meios que estimularam fortemente o ódio fascista pequeno burguês contra pobres – que são pobres porque assim querem – contra mulheres ativistas, contra homossexuais e contra qualquer pessoa que se mostre razoável e não essencialmente maniqueísta adotam nas suas programações pautas caras aos grupos mencionados. Há aqui uma aparente traição àqueles que os média estimularam e criam-se unidos para sempre. Mas esta traição, se traição for, pouco importa, porque os efeitos desejados pela ênfase narrativa anterior já foram atingidos.

A traição revela que os grupos propensos ao ódio desmedido são, para os média, o que são todos: instrumentos na sua empresa antinacional e concentradora. Servem e deixam de servir e assim é sempre. A viragem serve a outro propósito muito caro à destruição nacional: a produção da confusão, das situações em que as próprias viragens narrativas surpreendem e geram o estado em que ninguém compreende nada.

Haverá quem pense que eles – os média –  afinal abraçam causas nobres de direitos de minorias, de tolerância sexual, religiosa, de direitos humanos. Ora, se assim fazem, afinal não eram tão nocivos como pensávamos e podem ter, anteriormente, apenas incorrido em equívocos, cometido erros pontuais de que agora redimem-se.

Além disto, o foco na pauta de costumes visa a um resultado que é o Santo Graal da engenharia social que visa a manter e aumentar a concentração de riquezas em cada vez menos detentores. Ela retira de cena a pauta econômica e social focada na redistribuição e nas formas e proporções das acumulações. As pautas das liberdades fazem parte das esquerdas abandonarem as pautas das desigualdades, seduzidas pelos direitos. Esquecem-se que sem os mínimos de sobrevivência material não haverá mínimos em termos de direitos humanos.

E assim a imprensa corporativa segue a conseguir legitimar-se, forte no mito da imparcialidade, a disfarçar editorial em notícia. Isto, todavia, como já cansei-me de dizer, tem limites. As massas, quando chegam a certos níveis de embrutecimento e empobrecimento, perdem a linguagem…

 

 

 

 

 

Argentina: terras patagônicas por dívidas?

Na semana passada, o Banco Central da Argentina elevou as taxas de juros básicos de remuneração de seus títulos para 40% ao ano. A elevação brutal veio a seguir à desvalorização acelerada do peso argentino frente ao dólar estadunidense, o que tem efeitos inflacionários consideráveis.

A inflação prevista para este ano é de 24% e um dólar estadunidense compra, hoje, vinte e três pesos argentinos. De dois anos e cinco meses para cá, a pobreza passou de 4% da população para à volta de 30%. Esta elevação drástica dos níveis de pobreza e a deterioração dos indicadores econômicos corresponde ao mandato presidencial de Maurício Macri.

Evidentemente que os neoliberais triunfantes usam a mesma narrativa de sempre. Dizem que impõem medidas contrativas e concentradoras porque isto é necessário para que, depois, abram-se as portas do nirvana econômico. Isto é mendacidade e discurso primitivo intelectualmente. Verdadeiro é que os ajustes e reformas – termos de eleição desta gente – sempre cobram dos que já tem menos. E, cobrar dos que têm menos prova que os neoliberais trabalham para os que têm mais; isto é uma evidência.

Isto só é possível porque a imprensa corporativa e os políticos neoliberais trabalham em estreita articulação, ambos a serviço dos interesses da grande finança internacional. A base narrativa enfatiza a técnica e o gerenciamento, como se mais de uma escolha política não houvesse e como se um Estado e uma família fossem as mesmas coisas em escalas diferentes. É intelectualmente primário, mas funciona a partir de bombardeamento de saturação, entremeado com técnicas comunicativas de confusão.

A Argentina está em situação crítica, com inflação e crise cambial severa. Quebrou, em resumo, como quebrou várias vezes nos últimos trinta e cinco anos, sempre a partir de crises cambiais. A elevação dos juros públicos para 40% é sintomática, pois quem se dispõe a pagar 40% anuais por dívida pública evidentemente não pagará nada além do serviço. A opção está clara e é a mais canalha possível em termos de interesses populares e soberanos: pagarão aos credores externos e darão o calote nos internos.

As gestões Kirchner foram de muito êxito no trato das situações ligadas às dívidas. Saíram dos templos bancários europeus e estadunidenses e – contrariamente aos vaticínios dos sacerdotes das agências de riscos – não se viram na encruzilhada da falta de financiamento. Num primeiro momento, a Venezuela, então sob Chavez, fez preciosos aportes; depois, a China financiou com lastro em segurança alimentar.

Dito isto, é preciso desvelar o que há por trás do discurso mediático sobre o aumento da pobreza e a deterioração das condições econômicas na vigência do governo neoliberal. A imprensa corporativa diz que algo corre errado – ou que ainda corre errado, embora seja certo que o Nirvana virá – a despeito da adoção das medidas adequadas. Eles dizem, enfim, que, ou houve erros pontuais, ou que ainda não houve tempo para a obtenção dos resultados.

Isto é a mendacidade recorrente a tentar esconder o óbvio: os efeitos produzidos são precisamente as consequências que decorrem das causas. As políticas neoliberais não podem, nem visam a produzir qualquer coisa diferente de empobrecimento e criação de condições econômicas que só beneficiam o setor financeiro. A instabilidade econômica é altamente rentável para o setor financeiro que, no caos que ele mesmo cria, ganha em todos os movimentos especulativos.

Políticas neoliberais não resultam em drástico empobrecimento dos mais pobres por algum erro qualitativo ou quantitativo. Elas levam a tal resultado porque são feitas para gerar este resultado. Não há erro, há vontade.

Rapidamente, as dívidas pública e privada em moedas estrangeiras mostram-se impagáveis. A oferta de obscenas taxas de juros prova-o. O lógico, por uma perspectiva de defesa dos interesses internos, seria pagar a dívida em moeda local e, eventualmente usar do financiamento por inflação, o que não deveria repugnar os mais ortodoxos, até porque a Argentina tem hoje alta inflação e altíssimos juros, o que é contraditório pela ótica ortodoxa.

Arrisco-me aqui a avançar uma hipótese que pode vir a materializar-se nos médio ou longo prazos. A Patagônia argentina é uma região muito vasta, na porção sul do país. São terras muito ricas, fartas em água doce que provém das montanhas andinas, são terras férteis, são banhadas pelo Atlântico Sul, são ricas em petróleo e apresentam outra coisa preciosa: tem uma densidade populacional baixíssima.

As terras férteis do centro e norte argentinos já estão empenhadas aos interesses chineses em arroz e soja. A maior parte das riquezas em hidrocarbonetos já foi alienada, depois da privatização da YPF, companhia petroleira argentina que foi praticamente doada à Repsol e outros grupos de investidores, após sistemática e proposital campanha de desvalorização de suas ações.

Com apenas a escravização do povo não será possível gerar excedentes que permitam ao governo neoliberal cumprir sua missão de transferir riquezas para o sistema financeiro internacional, mediante pagamento de juros altíssimos e câmbio depreciado. Só resta uma coisa a empenhar ou simplesmente permutar por dívida: a Patagônia.

Aqui, é pertinente notar que há e sempre houve interesses pela Patagônia, até porque lá é possível estabelecer praticamente um país soberano sem o precisar declarar formalmente. É notável que um bilionário inglês, Joe Lewis, venha comprando vastas porções de terras na Patagônia argentina, na sua parte mais austral, na Terra do Fogo. Não me inclino a considerar que o bilionário esteja a ser enganado ou que não saiba o que está a fazer.

Além disso, embora não haja evidências de algum plano de instalação de um Estado judeu na Argentina, é amplamente sabido que havia planos de estabelecimento de colônias ou autonomias judaicas na Argentina e é fato que houve para lá uma imigração massiva.

Enfim, não me surpreenderia absolutamente que os grandes credores internacionais aceitassem uma proposta ou mesmo que fizessem esta proposta de permuta de terras patagônicas por dívidas.

 

 

 

Por medo e ignorância.

A classe média é o eixo de transmissão do poder. Não é ela que toma as grandes decisões, evidentemente, mas é ela que permite executar os planos dos reais detentores do poder; é instrumental, enfim. Isso deve-se, em parte, ao fato de ocupar os postos chaves da burocracia estatal.

Nesta classe estão os formuladores de narrativas de justificação do governo no interesse do grande capital, como são os acadêmicos e os jornalistas de ocasião, por exemplo. Essas personagens são necessárias para o estabelecimento do domínio mais ou menos pacífico das grandes massas de pobres e remediados.

Em geral, os indivíduos não têm consciência da articulação da classe nas estruturas que conformam o real e dão fluxo ao exercício do poder. E tampouco costumam ter consciência de seus papéis individuais intra-classe. Essa falta de percepção, ou percepção parcial e confusa, é fundamental para o bom desempenho de seus papeis esperados.

O ponto central é agir estritamente dentro da lógica da luta de classes, mas em mão única e sempre a negar a existência de luta de classes.  Esse grupo é levado a isto por obra da imprensa corporativa que, praticamente, tem apenas esta classe como público alvo, porque os extremos não precisam ser convencidos de nada e seria demasiado caro construir três narrativas distintas.

O medo e a ignorância, características destacadas desta classe, ajudam bastante na tarefa de levar o grupo a trabalhar pelos interesses dos de cima e para travar os avanços dos de baixo. Convém fazer a ressalva de que essa instrumentalização não significa que a classe média não atue por seus próprios interesses, embora os resultados para a classe dominante sejam maiores.

Os médio classistas são levados a identificarem-se com os estratos superiores, o que se percebe até na simbologia visual, ou seja, nos trajes e nos trejeitos que emulam. Acreditam numa comunhão de interesses, que seria baseada na aliança contra os de baixo. Sucede que a parte que lhe cabe na apropriação dos resultados do trabalho é muito menor que a destinada à classe dominante. E a desproporção é tamanha que bastaria para despertar quantos pensassem com as próprias cabeças.

São como feitores de fazendas, prontos a servir aos interesses do fazendeiro e açoitar os trabalhadores, em troca de pouco, materialmente, e da honra de sentar-se na mesma mesa uma ou duas vezes por mês. Fazer tais serviços implica um nível muito baixo de auto percepção, além de necessidades materiais, claro.

Ela vive a luta de classes, uma realidade tão tangível que precisa ser constantemente negada. Essa vivência dá-lhe medo das grandes massas, que anseiam por ganhos materiais na proporção em que quase tudo lhes falta. A classe média é suficientemente sagaz para perceber que alguma redistribuição pode ser realizada em cima da sua parte da apropriação e teme.

A contradição surge na percepção das relações com o grupo que está acima. Embora também tenha medo dos de cima, não é da mesma forma que teme os de baixo, pois há um elemento reverencial, próprio do medo que se tem do que se anseia ou se tem por modelo ideal. Não se percebe a luta de classes nesta relação entre médios e altos, para enorme benefício dos que estão em cima.

O médio classista tende a ser conservador e a acreditar, assim, que as coisas são de tal maneira porque são e não poderiam ser diferentemente. Por trás desse simplismo, claro, há vários argumentos e narrativas de justificação do é assim porque é, para que essa petição de princípios e primarismo abissal não se mostrem tão claramente. Haverá, sempre, o recurso ao que se convencionou chamar meritocracia, que é nada mais que inércia social.

Essa negação da luta de classes conduz, eventualmente, o grupo a buscar perdas para ele mesmo. Às vezes essas perdas são suportadas por causa da recompensa que é ver os mais de baixo perderem mais, porém nem sempre esse deleite demofóbico é capaz de anestesiar totalmente os efeitos do próprio retrocesso.

A desestabilização política no Brasil foi obra planejada desde fora. O consórcio entre imprensa corporativa e sistema judicial comandou as ações que culminaram no golpe de Estado e no caos que sobreveio. E nessa operação a classe média teve papel fundamental, pois foi ela a agente incansável no exercício dos micropoderes pouco percebidos.

Sucede que o caos é funcional ao projeto externo de apropriação de riquezas naturais, mas não é interessante para a classe média, principalmente acompanhado de depressão econômica e destruição programada do Estado.

 

 

 

As construções do interdito e do menos ruim: Le Pen e Macron.

O financismo globalista venceu as eleições presidenciais francesas por conta da precisa atuação da imprensa corporativa, que se alinhou explicitamente ao candidato Emmanuel Macron e usou as estratégias corretas à vista do público destinatário de sua narrativa. Chamaram-no centrista e isto foi ponto central.

De certa forma, a disputa concentrada no campo direitista gerou uma necessidade de se renovar o discurso favorável ao pólo financista globalista, pois a situação é diversa da oposição com a esquerda – seja a real, seja a fictícia. Criou-se, então, um banqueiro egresso da casa Rothschild e fermentado por think tanks direitistas centrista, por mais sem sentido que isso possa parecer a quantos informem-se razoavelmente.

Mas a criação do centrista foi exitosa, por um lado, e fez sentido, por outro. Teve êxito porque delimitou a oposição formal à candidata rotulada extremista. E fez sentido porque o termo centrista referiu-se apenas à pauta de costumes, esquecendo-se totalmente qualquer significação sócio-econômica que pudesse ter.

O centrismo e o extremismo foram definidos em termos de costumes e direitos civis. A imprensa evita a todo custo aproximar-se de assuntos concernentes a distribuição de riquezas e a soberania, que são marginalizados como relíquias de tempos passados. Quando trata disso, é superficialmente e a partir do manual de lugares-comuns do liberalismo triunfante e axiomático, aquele dos termos eficácia, modernidade, reforma e tantas outras tolices semelhantes, que nada significam além de compressão social.

O extremista – de esquerda ou direita – é o banido, o interditado e maldito, em relação a que todo o resto é preferível. Muitas vezes, o interdito é construído por justaposição de adjetivos que já são anacrônicos à vista do que atualmente representa. A candidata Marine Le Pen, muito mais que fascista, no sentido adequado do termo – sentido que remete à história – é a representante da insatisfação dos pobres de direita. Ela é o nacionalismo de direita, enfim, embora em formato diferente do gaulismo.

Mas ela foi demonizada, como era previsível, e as eleições rumaram para uma situação muito fácil para o vencedor. Contra o proibido tudo é válido, mesmo que o outro perceba-se como apenas o menos ruim. Ou seja, há percepções relativas que têm um alcance pre definido, que não podem ir a fundo.

Neste caso francês, o dito acima aplica-se às eleições presidenciais, apenas. Não se aplica ao governo que será constituído depois das eleições legislativas, nem às convulsões que haverá com a aplicação das reformas liberais precarizantes das situações dos mais pobres.

A situação que criou a insatisfação por trás do amplo apoio obtido por Le Pen não será revertida pelas políticas prometidas por Macron. Antes, será amplificada, como é previsível na medida em que das causas provém as consequências. E, passadas as eleições, a narrativa usada no embate não serve de remédio para a realidade cotidiana.

 

 

Contagem regressiva para o caos nos EUA.

O último estudo do US Census Bureau diz que há, nos Estados Unidos da América, 47 milhões de pessoas na pobreza, o significa 14,8% da população. A pesquisa fez-se em 2014 e utiliza padrões de pobreza, linhas de corte – poverty threshold – já antigos.

Consideram-se pobres os integrantes de grupos familiares de quatro pessoas com rendas anuais inferiores a US 24.250 brutos. Isso significa U$ 505,20 por cabeça, por mês. Na verdade, o critério está muito defasado, porque uma pessoa com rendimentos mensais de U$ 505 está muito pobre, na realidade.

Os custos de habitação, educação especializada e cuidados com saúde aumentaram drasticamente nos últimos trinta anos e a definição de linha de pobreza não os acompanhou. Ou seja, para os custos de vida atuais, há muitos mais pobres que o número oficial.

De qualquer forma que seja, a existência de 47 milhões de pobres numa população de 322 milhões é algo sério num país que criou o mito da prosperidade infinita, a depender apenas dos esforços individuais, da criatividade, da vontade de trabalhar e outros lugares comuns deste tipo. Será preciso convencer quase 50 milhões de pessoas que elas merecem suas situações porque são vagabundos e burros.

Outros estudos e pesquisas apontam que os 10% mais ricos detém 55% de toda a riqueza, nos Estados Unidos e este dado é mais revelador. Este nível de concentração aproxima-se do brasileiro e distancia-se muito da média européia. No Brasil, 10% apropriam-se de 65% da riqueza e na Europa 10% apropriam-se de 35% da riqueza.

O avanço da concentração na apropriação de riquezas pode tornar os EUA um país inviável e isso é mais ou menos o que adverte Thomas Piketty.

De acordo com a Comissão de Orçamento do Congresso, entre 1979 e 2007 o aumento médio dos rendimentos do 01% mais rico foi de 275%. Isso, evidentemente, é muito mais que o crescimento econômico registado no período e revela uma drástica aceleração na concentração.

Além do incremento velos na concentração de rendimentos e riquezas, observam-se diferenças imensas entre sexos, idades e grupos raciais. Como é previsível, os lares chefiados por mulheres solteiras têm menos rendimentos que os similares chefiados por homens solteiros. As famílias e indivíduos hispânicos e pretos têm menos rendimentos que os brancos.

Perversamente, há mais pobreza entre menores de 18 anos. No grupo das pessoas com menos de 18 anos verifica-se que 21,1% estão na pobreza, o que é bem mais que a taxa global de pobres, de 14,8%, segundo o Census Bureau. Essa é uma pobreza que provavelmente será projetada no futuro…

É muito difícil conter os efeitos da deterioração das condições materiais de quem viveu a abundância material. A sociedade norte-americana não tem a memória da escassez entre seus mitos fundantes e lugares de respeito. Mesmo que sempre tenha havido pobreza – tanto que Jonhson lançou em 1964 um programa contra ela – não é algo de que se fale como parte relevante da história.

A narrativa norte-americana é toda construída ao redor do sucesso e articula-se em torno a locais discursivos como desafio, esforço, iniciativa e outras tolices do gênero. A pobreza, ou era um nada, ou um estigma a ser suportado pelo incapaz. Assim continua, pois ainda se acredita no discurso como meio de contenção social eficaz.

Diferentemente do Brasil, os EUA não tem uma tecnologia de contenção social muito sofisticada, mesmo que se lhes deva a criação do meio por excelência: a propaganda. O problema é que a propaganda, a enganação, depende de públicos minimamente alimentados para a poderem perceber. A partir de certo ponto de privação, não se dá mais atenção ao discurso.

Claro, há a violência. Ela e a propaganda sempre são usadas conjuntamente, como dois tratamentos paralelos de sintomas. No Brasil, até há pouco, a contenção por meio do discurso, da propaganda, não requeria grandes esforços e sofisticações. O hábito ao açoite e à pobreza reduzem a necessidade de enganação.

A violência, contudo, tem inconvenientes. O maior deles é gerar reação, ou seja, gerar mais violência, numa espiral ascendente contínua.

Claro que até certo ponto isso é muito interessante, porque rentável para os concentradores de rendimentos, que oferecem os serviços de contenção pagos pelos que sofrerão seus efeitos. Para isso serve o Estado, o único real agente de concentração ou desconcentração, a despeito de todas as tolices que já encheram milhares de livros e ainda encherão mais.

Além do risco de se atingir o ponto de ebulição por excesso, o recurso à violência apresenta outros, nos EUA. As divisões raciais são muito agudas. Los Angeles, por exemplo, vive algo próximo à guerra civil há anos, mesmo que a imprensa não goste de dizê-lo e, portanto, o fato não exista para o médio classista prototípico.

É difícil prever resultados e atuar violentamente de maneira a unir ou desunir grupos raciais todos em geral inferiores aos brancos em termos de rendimentos. Ou seja, não é razoável supor que seja possível manobrar para atingir, neste ou naquele momento, nesta ou naquela localidade, só pretos ou só hispânicos ou só asiáticos.

O grupo dominante sente-se ainda seguro porque na hipótese da guerra civil e da desagregação total, do todos contra todos, será possível reter o controle do arsenal nuclear. Isso parece-me verdadeiro, porém de pouca serventia, exceto se estiverem pensando em usar as bombas perto de si mesmos!

Embrutecidos e atemporais.

Faz imensa falta ao Brasil uma direita bem alfabetizada, detentora de alguma cultura formal, liberal, capaz de juízos estéticos, capaz de ser delicada. Isso, ou o pouco disso que havia, extingue-se a pouco e pouco. A delicadeza, esta entrou no rol das coisas fora de moda, anacrônicas, aptas a causarem vergonha, associada à tibieza de caráter e à incapacidade de ação.

O espaço que poderia ser ocupado por tal direita bem alfabetizada não ficou vazio, evidentemente, que a sociedade não tende ao vácuo. Foi ocupado por uma gente embrutecida e que parece viver o presente constante, ou seja, são profundamente anti-históricos. Incultos, indelicados, incapazes de passar por um simples cotejo de contradições, essa gente ocupou todo o espectro ideologicamente direitista.

Em grande maioria vivem na dependência do Estado, seja direta ou indiretamente, mas não sentem vergonha de reproduzir um discurso anti estatista raso, que lhes é ofertado por uma imprensa tão ou mais envilecida que seu público. Chegou-se a tal nível de impermeabilidade intelectual que nada adiante expor este pequeno-burguês embrutecido às suas contradições gritantes: ou ele não compreende, muito simplesmente, ou torna-se irracionalmente reativo, dando mais uma volta ao parafuso da incoerência.

Mas, o inconveniente desta malta não se resume às opiniões políticas rasas e filonazis. Seu embrutecimento significa a perda de qualquer sensibilidade estética, a par com a idéia de que ele é o tipo único e invariável. Assim pensando, o embrutecido age como se o mundo todo fosse igual a ele.

Tenho a infelicidade de conviver obrigatoriamente com um número de pequenos-burgueses brasileiros, cotidianamente. O silêncio pauta minha conduta, por medida de segurança e higiene mental. Abro-me para coisas de pouco risco, tais como futebol, carros, piadas de salão, pois falar a sério é a antesala da guerra.

Acontece que certos espécimes são proativos e vivem a tolice afirmativa. Nem percebem o silêncio, nem o apreciam, nem apreciam algo falado a sério se não for a confirmação linha por linha das vulgaridades que apreende nas revistas e TVs. Esse tipo é cansativo e perigoso e mais frequente que seria de imaginar.

Outro dia desses, o pequeno-burguês proativo e incontido típico quis mostrar-me umas fotografias no telefone. Tão logo fez menção de passar-me seu telefone, para que eu recebesse o presente das imagens, compreendi o que viria: cenas de algum acidente, corpos mutilados, rios de sangue, carnes cortadas, ossos partidos. Não poderia ser diferente e não era.

Caso é que há poucos dias ocorrera uma tragédia. Um rapaz com problemas mentais matara as duas irmãs degolando-as e, depois, matara-se. Os pais perderam três filhos na mesma ocasião e desta forma realmente trágica. Não é algo agradável nem de supor, quanto mais de revirar-se no assunto, como se se pudesse descobrir novas nuances.

Pois as tais fotos eram precisamente da cena das três mortes… Afastei o telefone com a mão, não me contive. Afastei-o e afastei-me, não consegui disfarçar a repugnância. Sai sem falar nada, simplesmente sai de perto.

Não aprecio essas imagens, não tenho inclinações mórbidas, mesmo não vendo nada demais em quem as tem. O caso é que esse tipo de imagens não me desperta um juízo estético, nem me ensina coisa alguma. Ou seja, não me diverte, nem me educa. Nem é exemplo de coisa alguma, como os moralistas gostam de dizer para disfarçar suas inclinações mórbidas.

Neste nível de embrutecimento encontra-se grande parte da gente e acham que este é o estado normal das coisas, não cogitam de algum gosto diverso, não cogitam que são bárbaros, superficiais, tendentes ao julgamento sumário, à abominação da arte, ao retrocesso civilizacional.

Ucrânia: para quem faz sentido a desestabilização?

O ambiente natural do capitalismo é a selva, onde ele atinge o máximo de suas potencialidades. Regras, ordem, previsibilidade, fluxo mais ou menos normal das coisas, isso não é o adubo ideal do capitalismo.

É preciso ter isto em vista quando se tenta compreender o que está por trás de um golpe de estado patrocinado com manifestações constantes de massas fascistas a soldo, como deu-se agora na Ucrânia. Qualquer modelo que não leve em conta os interesses de dez ou quinze imensos bancos está fadado à perplexidade, à incompreensão e ao paradoxo.

Sim, porque excluindo-se esta variável está-se diante de algo sem sentido, de algo realmente estúpido, que aparentemente é ruim para todos os envolvidos.

As pessoas em geral, na região oeste da Ucrânia, mesmo as que se guiam pelo fascismo de boulevar e recebem dinheiro de fora, sofrerão as consequências da iminente falência do país, algo que não será evitado pelos 15 bilhões de euros que a Europa quase quebrada oferece. É iminente uma corrida bancária e sem ajuda dos bancos russos a coisa será drástica.

A Europa em geral e particularmente a Alemanha, compra muito gás russo. Pode-se dizer que aproximadamente 30% do gás consumido na Europa provem da Rússia, o que não pouco. Assim, à falta de opções imediatas e mesmo de médio prazo, a Europa é refém do gás russo.

Para os povos norte-americano e europeu, uma guerra real pela Ucrânia não tem qualquer sentido, pois além de serem chamados a morrerem e verem seus parentes morrerem, serão chamados a pagarem a brincadeira, ou seja: depois do enterro, a conta.

Para a Rússia, que não desencadeou esta loucura aparente, há muito a perder, na medida em que os selenitas no governo norte-americano podem congelar ativos russos em seus bancos e tentar impor-lhes problemas comerciais, servindo-se dos seus Estados Vassalos na OMC.

Além dos prejuízos com eventuais congelamentos de ativos, a mobilização militar na Criméia tem seus custos, que poderiam ser evitados.

Neste passo, é de se observar que a guerra aberta é algo estúpido demais até considerando-se os interesses dos dez ou quinze banqueiros, porque as partes envolvidas têm os brinquedos nucleares, não há garantias de que prefiram massacrar-se sem os utilizar e, assim, o mundo pode ficar sem a Riviera Francesa para refúgio…

Se fosse possível uma guerrinha sangrenta, mas convencional, a matar pobres de todas as nacionalidades, mas a preservar locais de fuga para os grandíssimos capitalistas, é certo que seria esta sua opção preferencial.

Eis então que Obama e seus dessemelhantes europeus anunciam que imporão, sim, sanções financeiras, comerciais e diplomáticas à Russia, embora não as tenham ainda iniciado. Depois disso, ocorreu algo interessantíssimo: um alto funcionário do ministério das finanças russas anunciou que a Rússia venderia parte de suas reservas em títulos do tesouro norte-americano.

O governo disse que o funcionário não expunha posição oficial, apenas opinião pessoal dele. Todavia, já era perfeitamente possível compreender qual o jogo em curso. O recado foi genial e certamente o funcionário foi instruído a fazer o curioso e, ademais, evidente, vazamento.

Evidentemente que Obama e seus assessores não ignoravam que a resposta óbvia será essa, além da tomada integral da Criméia, é claro. Acontece que a venda massiva de títulos norte-americanos – e a Rússia é credora de 200 bilhões de dólares aos EUA – teria como efeito quase imediato a queda relativa do dólar norte-americano.

Ao mesmo tempo que isso seria interessante para os EUA como meio de aumentar a competitividade de suas exportações, seria dramático em termos de empobrecimento interno de um país já repleto de pobres. Seria terrível também para uma Europa que padece os efeitos satânicos de uma moeda fortíssima a par com desemprego elevado.

Os países mais periféricos, embora de grandes economias, como o Brasil, sofreriam imensamente e mergulhariam na confusão cambial, o que é destrutivo para quem não emite moedas plenamente conversíveis. Movimentos câmbiais súbitos são piores que ondas gigantes.

Após as primeiras variações cambiais esquizofrênicas, dar-se-ia outra coisa previsível para quem não estiver afogado em confusão e dívidas: o aumento súbito dos juros pagos pelo FED a quem compre seus títulos, para revalorizar o dólar-norte americano e diminuir pressões internas e externas, após a maior e irreversível parte do estrago já ter sido feita.

Fica muito claro que tal cenário interessa apenas aos grandíssimos banqueiros, que o têm previsto à risca, tem várias bases de operação e ganham em quaisquer movimentos, seja na desvalorização de moeda de reserva, seja na valorização do ouro, seja na volta dos juros dos títulos.

Eventos de outono da Apple, OS X Mavericks, iWork, iLife, iPads, iPhones e adivinhações.

Esse texto poderia começar dizendo: A Apple acabou… Seria uma injustiça, porque de fato, a empresa não acabou, e além de não ter acabado, é uma das empresas/marcas mais conhecidas no mundo atualmente, claro que tem um nicho específico, não é como a Coca-Cola que até os ratos conhecem.

Seria mais justo constatar a morte de Steve Jobs, e a falta que ele faz na empresa. Jobs não era um gênio da informática, estava muito mais pra gênio do marketing, tanto que o embrião do que hoje são os mega eventos de lançamentos da Apple, já aconteciam 30 anos atrás quando ele fazia o lançamento dos primeiros Macintoshs em salões com outros cinquenta candidatos a “computadores do futuro”.

Jobs tinha algum senso diferente das outras pessoas no que tange ao funcionamento das coisas, nunca inventou nada, já haviam computadores, quando ele lançou o Macintosh, já existiam telefones celulares quando ele lançou o iPhone, e já existiam tablets quando lançou o iPad. Noves fora, originalidade: ZERO.

E ai entra Jobs… Os executivos da BlackBerry, na época a empresa de telefones celulares “para executivos”, riram de Jobs quando souberam que ele testava um telefone celular com tela sensível ao toque. A Microsoft, já havia tentado anos antes do iPad, viabilizar um tablet comercial, sem sucesso. Esses entre outros exemplos ilustram que o negócio da Apple nunca foi inventar nada, antes sim, aprimorar o que já existia. Hoje, a grande maioria das pessoas usam telefones celulares com tela sensível ao toque, ou tablets, pra ficar nesses dois exemplos, graças a Steve Jobs.

Essa introdução era necessária ao texto, por um motivo simples, e mais simples impossível, posto que é ideia do próprio Jobs, a simplicidade, para o usuário final. Desenvolvendo a idéia: o usuário final é demente. Isso é fato. Então quanto mais fácil for de usar o novo aparelho, claro, melhor. E isso é obvio.

Chegamos então no “produto” Apple, e esse não é o telefone, não é o tablet, não é computador. Insisto, o produto vendido pela Apple é a experiência do usuário, e nesse sentido, eles vendem não só um sistema operacional, senão, que além deste, um sistema operacional móvel, entre outra gama de softwares que funcionam em ambos sistemas operacionais, e ainda assim, com a definição de sistema operacional, eu não definiria perfeitamente a tal “experiência de usuário”.

Sem embargo, esse é o produto Apple, a experiência de usuário, que claro, para quem nunca experimentou, não existe, e para quem sim, se a entende, acaba por se tornar uma facilidade. No último evento foram lançados novos modelos de aparelhos, já antigos, até para padrões da própria Apple. A grande novidade ficou por conta dos próprios aplicativos, e sistemas operacionais.

O OSX, um tipo de “windows” para usuários de Macintosh, foi lançado grátis. Além dele, o pacote office da Apple também ganhou nova versão grátis, diga-se de passagem, o pacote “Apple” office, para telefones móveis e para computadores.

Pra mim, esse foi o grande passo dessa bateria de lançamentos, a google já tem a sua suite office online há tempos, agora a Apple, lança, não só a gratuidade de seus sistemas operacionais, como também a de seu pacote office, e também do iLife que é mais um pacote de entretenimento, com edição de fotos, vídeos e música. E essa notícia pra mim é importante porque não obstante os aparelhos sejam os mesmos com atualizações de processadores entre outros hardwares, a atualização dos softwares, e sua gratuidade, farão empresas que trabalham apenas com software, sim falo de Microsoft e adobe por exemplo, decidirem novos rumos para suas linhas de produtos e respectivos preços.

É a Apple, ainda que não inovando, ou melhor dizendo, não aprimorando nenhum produto já existente no mercado, pressionando em outras frentes, e fazendo novamente o mar se mover na direção que eles querem de novo? São boas novas pra quem pensava que a empresa acabava em Jobs, esperemos pra ver agora, que novidades haverão no próximo ano, porque nem só de minha percepção torta vive a empresa, há o “hype“, que Jobs fazia tão bem…

Quando o controle social passivo não basta.

A maior parte daquilo que as pessoas respeitáveis e seu público fiel reputam teoria da conspiração não passa realmente de tolices. Geralmente, boas informações são precariamente conectadas, por pessoas que entreviram o escândalo mas não podem traçar suas linhas genéticas.

Outra parte disso que se chama teoria de conspiração é precisamente o que ocorre, evidente, e claro como o céu de Lisboa. Tudo, ao final, é posto no mesmo saco e a parte que interessa é desautorizada junto com as bobagens.

Por isso, as pessoas que comandam o mundo nunca se importaram muito com a informação – que ela quase sempre está disponível – mas com as interpretações e ênfases que a imprensa dará a ela. É seguro agir desta forma, porque muito da realidade é percebido a partir de modelos pré concebidos.

Os EUA desintegrar-se-ão mais drasticamente que a Europa e não adianta fugir ao cerne da questão: lá, a concentração é maior que na Europa. As massas são mais pobres, relativamente, e a aceleração do empobrecimento é maior. Não se cuida, para desespero do pessoal que só fala de educação, do nível das massas, pois ele é muito democraticamente baixo por toda parte.

É muito difícil um império manter-se apenas emitindo notas promissórias e jogando bombas nas cabeças de quem não se pode defender. Gore Vidal, norte-americano e inteligentíssimo – a provar que não são situações antagônicas – tem o cuidado de fixar o fim da era de ouro e o fim do império financeiro em datas distintas.

O primeiro acaba-se quando o conúbio do complexo financeiro – militar – industrial e o Mossad matam o presidente irlandês. O segundo, quando o presidente representante do conúbio matador mata a paridade dólar-ouro e determina que petróleo só pode ser comprado em dólares norte-americanos. De uma data a outra, medeiam oito anos. Vidal é muito preciosista.

A questão não é tanto o que fez o injustiçado vice-presidente de Einsenhower, aconselhado pelo inteligente judeu alemão, com relação à moeda de denominação da única transação comercial importante. A questão é que o país, a nação, para quem for mais romântico, pouco importou. O modelo, como todos eles, tinha prazo e implicava seu fim.

Não é pacífico distribuir cocaína a preços módicos para milhões de pessoas que a não poderão comprar depois, exceto se se tiver para onde fugir, depois que a coisa ficar insustentável. O mesmo vale para crédito.Hoje, não dá para fugir para Londres e não sei se Jerusalém agradará aos fugitivos…

O apogeu de uma trajetória nunca é percebido por quem está em movimento. Com os EUA – falo do povo, não dos banqueiros – não seria diferente. Hoje, são à volta de 300 milhões, todos sem memória de quando eram 150 milhões e sem memória de uma certa fome que matou 03 milhões na grande depressão, entre 1929 e 1939.

À medida em que a curva da acumulação absoluta subia, essa gente subia marginalmente. Pouca coisa era necessária, além de programas de televisão, filmes ruins e os russos estão chegando. Com os russos chegando e pipoca e coca-cola, pagavam-se impostos para grandes guerras perdidas à partida, para financiar Israel e para custear a corrupção política em Washington.

Esse, de certa forma, é um admirável mundo novo. O sujeito encontra-se numa porção do mundo, imagina que ela faz parte de um todo um pouco maior e abstrai do restante, que pode ser qualquer fantasia. Esse tem ABC, CBS, NCB, FOX e outras coisas. Enquanto houver fluxo de dinheiro, por pouco que seja, funciona.

Essa maravilha depende de mais fluxo da periferia para o centro, porque a concentração é tamanha que o fluxo precisa aumentar. Mas, ele não aumenta, embora a concentração aumente. Infelizmente, a história é trapaceira.

Orwell não escreveu 1984 para acontecer no mundo em que Orwell nasceu. Mas, os leitores analfabetos dele achavam que se referia a um modelo político apenas, ou seja, subestimavam a obra e, talvez, o autor.

Aquilo não era peça de propaganda contra os russos que estavam chegando e nunca chegaram. Era uma coisa possível – e necessária, o que é terrível – em qualquer parte que se servisse do discurso da liberdade descasado do que um pouco de liberdade pressupõe.

Os números divergem pouco. Hoje, há nos EUA à volta de 600 campos de concentração prontos a serem usados. A agência federal que os administra, a FEMA, fez uma curiosa compra de milhões de caixões muito resistentes, de plástico, que podem acomodar até três defuntos e suportar grandes pressões.

Hoje, não é proibido torturar, prender e matar cidadãos norte-americanos sem acusação formal, nem prévio julgamento, graças a leis e ordens executivas obviamente inconstitucionais. Há três dezenas de milhares de aviões não tripulados – Drones – a serviço de agências de segurança a matarem cidadãos, a bem de uma coisa vaporosa chamada segurança nacional.

Esse aparato é homenagem à capacidade de previsão da elite norte-americana. Eles perceberam que a coisa rapidamente demandará meios de controle social ativos e repressivos, porque 300 milhões não são poucos.

Há quarenta anos, ainda se apostava somente na TV…

As famílias brasileiras: metonímia involuntária e reveladora.

O jornal de domingo às vezes dá o que pensar, daquele pensar sem ser contra, nem a favor. Ou seja, ainda vale a pena ler o jornal, por mais superficial e ruim que se venha tornando, sempre e sempre. Em geral, as notícias são as mais desimportantes e ligeiras, os editorias os mais partidários e acusativos e as reportagens pecam por agredirem a língua insistentemente.

Todavia, reportagens há delas que mesmo superficiais e mal escritas fazem pensar e revelam posturas bem estabelecidas. Algumas interessam pelo que há por trás e ao lado delas, pelo que não querem dizer. Não falo necessariamente do que elas escondem propositadamente, mas do que esconde-se por baixo do que são seus objetos principais declarados. Podem ser ponto de partida da percepção de anseios conservadores talvez involuntários.

Há poucos anos, a Folha de São Paulo saia-se com uma matéria que tratava da dificuldade das madames das classes médias e altas encontrarem serviçais domésticas. Era um lamento bastante direto e uma acusação mais ou menos indireta dos programas de apoios sociais governamentais, que aumentaram discretamente os preços dos escravos domésticos. Era, também, um caso de desonestidade intelectual, porque o problema anunciado não era daqueles abertos e insolúveis. Bastava às senhoras pagarem mais…

Hoje, vejo uma reportagem meio ingênua, no Diário de Pernambuco, sobre vantagens e desvantagens de as famílias terem empregadas domésticas ou contratarem serviços domésticos autônomos e eventuais. O texto não escorrega para o lamento puro e simples do aumento dos preços desses serviços semi-escravos, ele passeia ao redor de análises de custo e benefício de uma e outra alternativa.

Interessantíssimo que os pólos da relação sejam, de um lado, as famílias contratadoras e, de outro, as serviçais contratadas. A primeira coisa a vir a tona é que – para o texto – as famílias são aquelas das classes mais bem aquinhoadas, o que leva a concluir que do lado das contratadas não há família. Só há família de um lado, pois do outro está a empregada, constante ou eventual.

Família é usado como termo unívoco, o que só é possível rigorosamente se o compreendermos com os qualificativos ali suprimidos: de classe média, média alta ou alta. Famílias, assim sem qualificativos, são todos os grupos reunidos a partir de vínculos de parentesco ou de afinidade, e que vivam juntos na mesma moradia. Ou seja, as serviçais também podem ser parte integrante de famílias.

Porém, a reportagem não usa a distinção identificadora de quais famílias sejam as que contratam serviços domésticos, o que revela que toma a parte pelo todo de forma provavelmente involuntária. O autor do texto não sente necessidade de qualificar família porque isso para ele só pode ser um tipo de família. A figura de estilo aqui deixa de sê-lo, propriamente, porque o autor realmente pensa que a parte é o todo.

A família, na sociedade brasileira, é conceito de resistência. Mais que o significado claro que tem na teoria econômica, no imaginário do conservadorismo ela é um núcleo que supera o conceito de indivíduo e de linhagem e grupo amplo ligado por parentesco.

No sentido que as classes dominantes fizeram o termo ter, família liga-se à estabilidade social e econômica que implica morar em certos tipos de habitação, em certos locais da cidade e a poder ter a serviço empregados domésticos. Esse grupo pode compor-se de casais homo ou heterossexuais, com ou sem filhos, monoparentais com filhos e outros muitos arranjos.

Apenas não pode ser composta por grupo que somente alugue seu trabalho. Ela, na compreensão do tipo expressa no texto da reportagem, tem que ser um grupo que potencial ou efetivamente alugue serviços domésticos. O grupo pode até não querer alugar serviços, mas se o puder fazer está inscrito no âmbito de família.

O critério de pertencimento é preponderantemente econômico, pois perdeu-se a rigidez dos critérios sociais acessórios que complicavam a definição. Família não é mais necessariamente um vasto grupo sob liderança patriarcal, senão um indicativo claro de poder de compra de serviços. Foi reduzida a isso, o que, por um lado, a torna mais simples de perceber e, por outro, mais apta a trair seu real significado.

Antes, mais elementos deviam estar presentes para que um grupo, no discurso social predominante, fosse considerado família. Um pai, líder econômico e simbólico, uma mãe, líder do lar e talvez economicamente ativa, uns filhos, um avô, uma avó, talvez, até mesmo um tio, tia ou algum agregado. Isso tudo com papéis sociais bem estabelecidos e o acréscimo da moradia bem situada e dos serviçais domésticos era uma família.

Hoje, papéis sociais podem ser menos rígidos em comparação com protótipos anteriores, o número de integrantes pode ser menor, mas a possibilidade de assalariar serviçais permanece firme como critério principal para definir uma família brasileira no sentido socialmente dominante.

A linguagem, principalmente a jornalística, precisa servir aos mecanismos de conservação, por meio de seu efeito fixador de idéias. Assim, é comum usar-se termos como se fossem unívocos, quando eles precisam de qualificadores a lhes precisarem o alcance. Às vezes o termo não qualificado serve para dar a falsa impressão de ampla compreensão de todos os elementos em uma categoria, outras serve para induzir a percepção da parte como se fora o todo. Ou seja, a imprecisão é ambivalente.

Às vezes dizem que os brasileiros tiveram seu poder aquisitivo aumentado, como se isso tivesse acontecido com todos os brasileiros e ainda como se o aumento de potencialidade aquisitiva significasse também de qualidade de vida, de conhecimento, de pertencimento nacional. A proposição desse tipo supõe que os brasileiros são todos os mesmos, quando se sabe que os vinte milhões de miseráveis existentes não são brasileiros, argentinos, peruanos, venezuelanos, são nada, a nada se identificam, a símbolo homogeneizador nenhum se ligam.

Outras vezes diz-se que os brasileiros viajam mais para o exterior, quando se sabe que alguns voltaram a poder viajar e outros passaram a poder fazê-lo. Aqui, a parte pelo todo é evidente, porque brasileiros aí esconde o número dos que não podem viajar – maior que os que podem – e submerge a necessidade de qualificar quem são os tais brasileiros da proposição.

Claro que os dois exemplos anteriores são de casos voluntários clássicos de metonímias desonestas. O desonesto e o voluntário parecem-me menos interessantes que os usos consagrados e involuntários de discursos e termos de conservação, até porque menos eficientes e mais caricatos que os mecanismo inerciais não percebidos.

Afinal, milhares terão lido a despretenciosa reportagem do Diário de Pernambuco e não se terão perguntado se as empregadas domésticas, constantes ou avulsas, têm família. Dada e aceita a antítese entre contratantes e contratados, nada resta a ser pensado pelos integrantes de famílias…

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