Os mitos da racionalidade objetiva e do controle e previsibilidade integral dos processos históricos, políticos e econômicos levam muitos à perplexidade, porque a história insiste em desautorizar o sacrifício em homenagem a estas crenças. Esses mitos seriam atributos inerentes aos detentores do poder, sendo indiferente que se acredite terem poder por terem essas qualidades ou, antes, terem essas qualidades por terem poder.

O poder não se encontra onde parece evidente; ele é fugidio como são as forças difusas inerciais. Não é a reunião de núcleos individuais, embora as forças individuais intensas sejam um dos componentes a lhe dar inercia. Não provém, tampouco, apenas da detenção de riquezas imensas, porque as riquezas sem uma narrativa de justificação não produzem poder ou o produzem fraco.

A perplexidade que frequentemente se produz advém de se ver gente supostamente integrante de núcleos de poder – mesmo que em escalões baixos, como minions – a agir contra os próprios interesses econômicos, o que, de acordo com o senso comum, é a negação da racionalidade objetiva.

Isto significa que eles – os detentores e exercentes do poder – guiam-se por atitudes religiosas e desejos, a par com o que se consagrou chamar racionalidade objetiva. E significa também que a previsibilidade e o controle, se existem e são possíveis, são coisas distintas do que se diz serem. E, mais importante, significa haver muito de inércia e acaso por trás das situações privilegiadas destes detentores de poder, pelo menos daqueles de escalões médios e baixos.

Há uma metáfora que se aplica a isto: a do traficante de cocaína que é viciado em cocaína. O sujeito que vende o que acredita bom.

Mas, não há indicativos de que este processo difuso inercial, que é o poder, pudesse ser diferente. Até porque ele é essencialmente concentrador e livra-se por centrifugação dos integrantes acessórios, em velocidades cada vez maiores. Curioso é que estes indivíduos acessórios, mesmo após expurgados do processo, seguem a professar sua fé no sistema que os veio a descartar, o que é mais um elemento a desdizer a incensada racionalidade objetiva a presidir as ações.

Viram-se muitos indivíduos pequeno, médio e grandes empresários brasileiros fervorosamente a favor do afastamento do modelo de capitalismo meio inclusivo com foco em mercado interno promovido pelo Presidente Lula e, em menor escala, pela Presidente Dilma. Festejaram o êxito. Agora, seus negócios tornam-se menos rentáveis, porque o golpe só visou a favorecer, em larga escala, o esquema financista, o que era previsível.

Nada obstante, ao contrário de arrependimentos, como muitos querem ver, há perplexidade, como se algo tivesse dado errado por razões nebulosas de políticas econômicas. Nada deu errado, na verdade, porque o anunciado e realizado destinava-se, no plano interno, à destruição do poder de compra das massas, em detrimento delas – evidentemente – e de quem a elas vende.

Mas, significativa parcela dos que tem o poder econômico é, ao mesmo tempo, condutora e conduzida e incorporou o que a imprensa difundiu, sem qualquer filtro crítico. O ódio, algo que os realmente dominantes terceirizam para os médios e pobres, passou a guiar gente que se supunha capaz de racionalidade objetiva. Agiram como se comungassem dos interesses do sistema financeiro, como se fossem todos banqueiros ou se pudessem tornar.

À semelhança do que ocorre com a maioria das classes médias, seu único consolo será ver os pobres e miseráveis perderem mais…