A ciência médica é modelo de controle social da sexualidade pior e mais perverso que as postulações axiomáticas do antinatural cristão.

O antinatural oferece à luz do dia toda a sua não significação, porque o natural não é uma afirmação a que se possa contrapor outra. Era, portanto, um prisão muito menos opressiva que o imperativo científico.

O antinatural, inclusive, era prisão clamante por Eros, apta a despertá-lo, como todas as proibições destituídas de um real sentido perceptível. Por ser impossível, sempre foi possível e reclamou vigilâncias meramente formais.

A prisão técnica clínica, de ciência higiênica, serve-se de cadeias mais fortes. Seus postulados, independentemente de serem falsos ou verdadeiros, carregam em sí uma plausibilidade que o discurso científico deu-lhe.

A patologia amedronta muito mais que o antinatural. Signo da superioridade do modelo clínico é a aproximação que certos extremismos fazem dele, tentando agregá-lo ao antinatural, como reforço.

O modelo controlador de sexualidade a partir da ciência médica oferece a cura, enquanto o modelo cristão do antinatural oferece a salvação, se o praticante desviado optar pelo abandono do antinatural. É interessante perceber que certas religiosidades neo-pentecostais partiram para a assimilação do modelo clínico, o que se evidencia por vários sinais.

São comuns as abordagens da homossexualidade, pelos neo-pentecostais, como resultado da influência de demônios, que devem ser retirados. Ora, a possessão demoníaca é de claríssimo paralelismo com a infecção por agentes patogênicos, a serem combatidos para que se retirem do organismo infestado.

A infestação por demônios, assim como por vírus ou bactérias, insere um elemento estranho à subjetividade do infectado, elemento essencial ao modelo do antinatural. Esse ponto permite ver claramente as divergências dos dois modelos e as soluções por eles propostas.

Enquanto um postula a causa única e exclusivamente na vontade individual, o outro inclui elementos externos, embora não afaste totalmente o elemento subjetivo. Uma circunstância, todavia, põe em contato os dois modelos, que rejeitam, ambos, a causa originária da homossexualidade na conformação genética.

O modelo hoje adotado por inúmeras denominações neo-pentecostais consegue ser um hibridismo com efeitos piores que os resultantes das formas originais de que se serve. Ele controla e pune duplamente e fecha as oportunidades de excusa da culpa. Se, por um lado, o possuído não tem culpa da escolha dos demônios, ele a terá se os meios de tratamento – a terapêutica do exorcismo – não der resultados. É como se o doente fosse culpado pela ineficácia da terapia, algo muito caro à psiquiatria e à psicologia.

Assim, o discurso científico presta grande ajuda ao cerceamento de liberdades e serve às religiosidades mais obscurantistas…