É relativamente fácil – e verdadeiro na essência – enunciar que as pessoas são levadas a agirem politicamente contra si mesmas por conta dos efeitos da propaganda que se convencionou chamar jornalismo. É demasiado óbvio, mesmo. Contudo, não é tão óbvio com qual narrativa isso foi atingido.

Ou seja, o agente é a imprensa e o meio a propaganda, mas o conteúdo material desta propaganda merece ser analisado. Não seria qualquer discurso apto a conduzir vastas camadas ao entorpecimento e a posturas verdadeiramente ilógicas, nem seria suficiente apenas a supressão de informações ou sua fragmentação, duas técnicas tão comuns quanto eficazes.

A supressão e a fragmentação desestruturam a informação, fazendo-a insignificante, no fundo. As possibilidades de compreensão ampla e de inserção de cada porção no todo, adequadamente contextualizadas, são afastadas. Essas técnicas confundem e impedem a compreensão defensiva. Porém, não levam ao desejo positivo do desfavorável.

Uma coisa é não perceber o desfavorável, por falta de elementos ou por elementos misturados confusamente, outra é desejar o desfavorável. Conseguir produzir o segundo estado é o objetivo sempre sonhado da engenharia social.

Pois bem, o governo brasileiro atual adotou uma medida que consiste em congelar todas as despesas públicas por vinte anos, exceto o pagamento de juros da dívida pública. Isto é algo que não se insere, nem se compreende, pelas perspectivas teóricas da teoria econômica liberal ortodoxa ou heterodoxa. Só se compreende pelo prisma do banditismo. Essencialmente, é uma aberração em que todos perdem, exceto os financistas.

Pressupõe que o futuro foi adivinhado com vinte, dezenove, dezoito anos e assim em regressiva sucessão. Supõe também que uma das partes do agregado demanda é desprezível e que o total pode crescer com um dos elementos paralisado, como se os fatores não se influíssem reciprocamente.

Que se proponha algo assim, compreende-se. Que se o aceite e deseje por parte de quem certamente perderá, é algo já desafiador. Pois observa-se que grandes contingentes desejam a medida, como se não percebessem que pela parte do vendedor não é bom que se reduza o poder do comprador.

A mágica, creio eu, passa por terem sido as pessoas – e principalmente aquelas que teriam a mítica racionalidade empresarial – levadas a crerem-se inatingíveis por se terem identificado por cima. Convenceram-nas de que são muito ricas para sofrerem os efeitos do congelamento das despesas públicas; convenceram-nas que não vivem ou dependem de despesas públicas.

O mais divertido disto tudo é ver que os interessados em promover tal convencimento são os que ganharão – e até aqui é óbvio demais – e que esses também vivem de despesa pública. Ora, na origem deste movimento – tanto da medida em si, quanto da guerrilha da propaganda – estão os bancos, que devem a maior parte dos seus lucros no Brasil exatamente aos obscenos juros que o Estado paga para obter financiamento!

Daí surge uma contradição deliciosamente não original: o problema não é de aumentar ou reduzir a despesa pública, mas de canaliza-la apenas para um reduzidíssimo grupo, sob os aplausos da enorme maioria, que perderá em maior ou menor graui, conforme a classe social de que se trate.

É necessário reconhecer que foi um trabalho excepcional!