Pôr em segundo plano o ridículo de uma conduta de sedutor – mediante pagamentos – de um septuagenário de cabelos impecavelmente pretos, que ocupa o cargo de primeiro ministro da Itália, parece-me até uma salutar tolerância de quem não se baliza pelo moralismo pequeno burguês, tão forte nos EUA, por exemplo.

Não significa, claro, achar engraçados ou toleráveis crimes como orgias com menores de idade. Isso é outra estória. Mas a parte patética deve ser visto assim mesmo, como os sapatos altos de Sarkozy, por exemplo.

Todavia, decadência dos infra-humanos não se limita ao estético ou comportamentalmente folclórico. Ela vai além, até porque o pior é sempre o que está por vir. Enquanto o bufão está bem na política, destacam-se somente as ridicularias e, eventualmente, os crimes que afetam a vida privada.

Sucede que Berlusconi está em vias de perder as eleições municipais em Milão, sua origem política. Sua candidata, Letizia Moratti, do partido de extrema direita PDL – Povo da Librdade – perdeu as eleições na primeira volta e tudo aponta que perderá definitivamente. O candidato Giuliano Pisapia deve vencer o pleito, catalisando apoios que vão da esquerda aos centros.

Não há como disfarçar-se que uma vitória de Pisapia, homem sóbrio e de pouca experiência política, é uma derrota de Berlusconi, e grande. Ante a iminência do insucesso na sua terra, a mais rica da Itália, Berlusconi despe-se das poucas máscaras que usa e revela-se plenamente. O homem recorre à estratégia fascista clássica: a mentira, o medo, o ódio ao diferente, mesmo que seja um diferente improvável, difuso, talvez inexistente.

A campanha de Moratti recorre ao expediente de afirmar que Milão será transformada em uma ciganópolis, se Pisapia vencer. Ou seja, busca na xenofobia mais pura e brutal um argumento de campanha eleitoral, busca disseminar o medo, coisa que em tempos de crise econômica costuma revelar-se eficaz. Isso é incitação à barbárie, algo que se sabe como começa, mas quase nunca se sabe como termina…

Berlusconi disse que, caso Pisapia vencesse, Milão iria converter-se em “uma cidade islâmica, um acampamento de ciganos, cheia de romenos e assediada pelos estrangeiros, aos quais a esquerda tem dado o direito de votar”.

O diário Il Giornale, de Berlusconi, afirmou que na hipótese da vitória de Pisapia, o Islã marcharia sobre a Catedral de Milão!

Dizer que estão a passar dos limites seria, além de lugar-comum, uma imensa tolice, porque já venceram todos os limites há muito. Esse acirramento atual é como o recuo súbito da febre e a alegria inexplicável que precedem a morte. Chegados a tal nível de estratégias fascistas, eles anunciam seus fins. Mas, o perigo está na chegada aos fins, aos limites da estratégia, porque depois só o golpe!