Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Direitos Humanos: umas palavrinhas para afastar tolices.

Esse nome é inadequado e deve ser responsável por uma parcela de quanta estupidez fala-se a respeito. Claro que responsável por pequeníssima parcela, porque o maior responsável mesmo é a inclinação natural para a burrice, o fanatismo e a violência.

O cuidar de nomes é preciosismo meu. Explico-me apenas para ter ocasião de alinhar algumas palavras. É óbvio que ser-se humano não é condição exclusiva e suficiente para surgimento de qualquer direito. Na verdade, pode até ser, mas em um truísmo, ou seja, assumindo-se que todo e qualquer direito é humano. Isso não explica coisa alguma, todavia.

Direitos existem porque pessoas vivem conjuntamente, não porque pessoas existem. Da humanidade decorrem fome, necessidade de urinar e coisas do gênero. Direitos originam-se da necessidade de se regularem relações entra mais de uma pessoa: é social, portanto.

Os que se chamam direitos humanos são direitos fundamentais. Essa terminologia tem ainda a vantagem de ser muito menos arrogante, porque não carrega a pretensão universalista, algo a que o fundamentalismo dominante sempre aspira.

Mas, a grande tolice não é chamar a uns direitos humanos ou fundamentais, é não perceber o que são direitos. São regras, mais ou menos genéricas, com mais ou menos excepções conforme a ânsia detalhista e diversionista de alguma sociedade.

Basta assumir isto e também que algumas dessas regras são bastante gerais, umas até pretendem-se tão gerais que se proclamam devedoras de um princípio de igualdade. Aí está a raiz do que são direitos fundamentais: os mais genéricos possíveis, em que os destinatários consideram-se mais igualmente.

Essas regras podem ser estabelecidas pelo poder que se atribui ao Estado, entidade que detém a capacidade de criar regras, supostamente por consentimento dos cidadãos. O caso é que as tais regras são criadas, que existem e que a comunidade dos cidadãos vive a dizer que aceita esse modelo.

Se o povo aceita esse modelo, deve saber o que são leis e deve obdecê-las e não deve fingir ignorá-las, nem mesmo ignorá-las por orgulhosa estupidez. Se, por outro lado, não aceita o modelo, acha que o Estado faz leis erradas, deve insurgir-se, revoltar-se, pôr o Estado abaixo, qualquer coisa, excepto mentir ou ser estúpido.

No Brasil, são comuns violências aberrantes, notadamente por parte das polícias. São muitíssimo comuns contra pobres e pretos, deve-se dizer sem arrodeios. Quando elas acontecem e são noticiadas pela imprensa ávida por um escândalo ao dia surgem duas reações básicas: a histeria por conta da violação a direitos fundamentais e a repetição de que as vítimas são bandidos e não têm direitos.

Como advertências nunca são demasidas – embora sejam o cemitério do estilo – aqui vai uma: as reações básicas não excluem as mais ajuizadas. Estas últimas são minoritárias, mas existem. Feita a advertência, sigo adiante.

Quem, diante de alguma violência policial violadora de direitos fundamentais, põe-se a gritar que supostos criminosos merecem tal violência é estúpido ou desonesto, ou ambos ao mesmo tempo, o que é até mais comum. Estúpido porque devia saber que a violência não tem respaldo legal e desonesto porque se fosse a vítima invocaria o que rechaça e faria um discurso pelos direitos.

Em Recife, Pernambuco, a polícia deteve, na avenida à beira-mar, área nobre da cidade, uns suspeitos de crimes de furto. Deteve-os na praia, espancou-os e submeteu-os a tratamento humilhante. Jogou-os no chão, com as cabeças dentro d´água, pisou nas caras e fê-los comer areia.

Isso não é dever da polícia neste país. E não é dever sendo a vítima criminoso sentenciado ou não. Simplesmente não é, portanto é ilegal. Isso não é punição dentro da legalidade, porque punições legais por crimes são impostas pelo poder judicial, em processos abertos para a finalidade de apurar se houve crimes.

As punições por crimes, formalmente, neste país, são privações de liberdade ou de direitos, fixadas por um juiz ao cabo de um processo com ampla defesa. A polícia tem o dever de prevenir, investigar e reprimir crimes dentro dos limites da lei, limites que impedem, formalmente, espancar, torturar, humilhar.

Muito embora tudo isso seja elementar, quando se fala que um abuso ilegal é um abuso ilegal, o número dos estúpidos e dos hipócritas diz que acusar as ilegalidades é defender bandidos. Uma afirmação rasa e vulgar, porque um bandido só é culpado depois que o órgão estatal competente o afirma.

Eu gostaria, preferiria, que dissessem abertamente do seu desprezo por leis e coisas do gênero, coisa que não haverá, todavia, porque implicaria que os selvagens fossem nobres e sinceros, quando são patifes covardes. Não têm qualquer apreço pela igualdade legal, mas tampouco têm coragem de afirmá-lo, porque querem manter o discurso justificador hipócrita.

Ora, não há igualdades pela metade ou restrições à igualdade legal senão as previstas na própria lei. Ou bem é-se a favor disso, ou contra. Não há terceira via, para desespero da hipocritocracia vigente.

Mas o reino da relatividade legal avança, para tragédia dos estúpidos e desonestos que o promovem. Sim, porque o vale-tudo que quer manter a lógica do pau-no-lombo sem julgamento, da falta de direitos para bandidos, do linchamento, vai atingir aleatoriamente os espectadores bobos-alegres que o querem.

E serão atingidos sem perceberem porque avança o vale-tudo aleatório, firmes no discurso hipócrita, tomando pau no lombo eles mesmos e falando em direitos, eles que diziam que direitos existiam, mas não para a, b ou c. Que falavam em direitos sem saber o que são, que invocavam igualdades quando era para ganhar algum dinheiro ou disfarçar alguma patifaria.

Vamos propor o Estado policial, senhores! Vamos propor o fim dos direitos fundamentais e o estabelecimento dos julgamentos sumários ou, melhor, da falta de julgamentos. E vamos propô-lo dispostos a matar e morrer por ele! Bem, já é damais, não adianta instigar o vulgo a ter honra.

1 Comment

  1. O contemplador

    Caro Andrei, a sua argumentação e o seu estilo estão sempre bons … mas tenho que me posicionar contra algumas das suas conclusões.

    O avançar da idade, os fatos de não ter segurança armado me acompanhando para onde vou, de não andar em carro blindado e de já ter visto o cano de um revolver de um assaltante apontado “de graça” para mim estão me tornando menos voluntarioso em pensar que devamos nos tornar verdadeiros cristãos e oferecer as nossas peles aos índios apaches em pé de guerra, a bem dos direitos humanos dos marginais que foram obrigados a comer areia ou a tomar meio copo de óleo de freio de carro.

    O diretor de um banco privado, que pode até me roubar em muito mais, nunca me apontou um revólver para me cobrar taxinhas de manutenção de conta e me provocar incontinência urinária súbita. É muito mais sutil, delicado e não assusta bruscamente a quem tem pressão arterial alta.

    Para não me neurotizar ainda mais, tenho evitado de ver telejornais e de ler colunas policiais nos jornais; mas é quase que inevitável se ler as manchetes dos periódicos nas bancas de revistas.

    Estou começando a entender melhor porque alguns conhecidos são tão saudosistas de uma certa segurança que se sentia ao sair nas ruas nos tempos da ditadura militar; o estado policial de que você fala estava bem presente naqueles tempos, com torturas, sumiços, ameaças, denúncias etc., mas a bandidagem que ameaçava a quem não se metia mais diretamente contra os negócios da ditadura era combatida com mais energia.

    Longe de estar aqui louvando a ditadura, mesmo porque levei até uma carreira da policia militar em uma passeata na escola de engenharia nos anos 1960 e guardo isso no meu curriculum com um certo orgulho de “alguma vez ter tentado ser contra”, não somente em pensamentos e palavras, mas em uma pequena iniciativa de chamar de “gorila” a um policial militar montado a cavalo.

    Tento também compreender porque os americanos da ultra direita defendem os direitos de ter armas; acho que conquistaram, justa ou injustamente, um espaço privilegiado na sociedade de lá e estão a o defender da ineptitude de uma polícia que, para atirar em um assaltante e assassino flagrado no ato, tem que primeiro protocolar um requerimento junto a algum juiz de direito.

    Sem brincadeira, mas acho que é melhor ter sido extorquido pela policia de Pinochet, que adiantava os seus relógios e detinha turistas nas ruas de Santiago do Chile antes da hora do início do toque de recolher, exigindo deles um pagamento para que não fossem levados às delegacias de polícia mas deixados em seus hotéis, do que ser morto absolutamente de graça por um marginal daqui da paróquia que conseguiu um revolver e quer o teu celular LG safado, o teu relógio Casio de plástico e qualquer dinheiro que você leve, para se exibir, comprar alguma droga e tomar cana com a “mina” dele lá no morro onde reina.

    Vais dizer que estou “criminalizando a pobreza”… mas penso que pode ser por aí também; e volto a lembrar a colocação que fiz sobre a forma de assalto doce e sedutora do diretor e do gerente de banco ao me oferecer crédito a taxas exorbitantes e a me cobrar taxinhas de manutenção de conta: vou pagar mais de 50% de juros em dois anos sobre o empréstimo que tirei para comprar um CORSA zero mas, pelo menos, a minha carteira não vai ser batida dentro do banco na mesa do gerente e com violência física.

    Estou a suspeitar de que devo estar sendo submetido a um campo eletromagnético bem forte, que está tentando mudar a polaridade habitual dos meus neurônios da pertinência dos direitos para um autoritarismo da justiça; espero que um novo apagão elétrico no nordeste desative o campo eletromagnético e que os meus neurônios voltem ao que estão mais acostumados a ser, mesmo que algum efeito de histerese após a supressão do campo os deixe mais para o centro.

    Abração.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *