Seu Apolinário tinha um armazém de secos e molhados. Na verdade, um armazenzinho tão pequeno quanto era a cidade dele. Pequenos, armazém e cidade, como podiam ser essas duas coisas na década de 1960, no interior do Nordeste do Brasil.

A única peculiaridade do estabelecimento de Seu Apolinário é que não fechava as portas no horário de almoço, aquele de extremo calor e extrema preguiça. Certamente que isso não se devia à intrepidez comercial dele, mas àlguma mania ou hábito, ou conveniência.

O fato é que Apolinário comia o almoço, que Dona Conceição trazia de casa, ou seja, dos fundos da loja, atrás do balcão. Depois, punha de lado o prato, esticava as pernas e cochilava um sono bem leve, com o botão de cima da camisa aberto. Estava atento, todavia.

Os calores diurnos do agreste nordestino renderiam quilos de papel , tanto em descrição, quanto em poesia. Poupemos essas decrições e esqueçamos da poesia, que ambos seriam longos e eu incapaz da segunda. Fato é que, entre onze horas e três da tarde, quem tem juízo descansa o juízo.

O gato do armazém de Seu Apolinário tinha juízo bom. Quer dizer que o felino dormia nessas horas infernais. E, quer dizer que ele, o gato, ser inteligente, dormia nos locais mais frescos.

Como qualquer armazém, o de Seu Apolinário tinha uma balança, daquelas de dois pratos de metal. De um lado, põe-se o produto comprado a peso, de outro, os pesos de ferro. Ficava em cima do balcão, de madeira velha e alisada pelo tempo. O que havia de menos quente nesse ambiente eram os pratos da balança.

Se alguém vinha até ao armazém nessas horas de almoço, cheio de urgências que levavam àquela única loja aberta, Seu Apolinário abria mais os olhos e perguntava, antes de qualquer boa-tarde: é de pesar?

Sim, porque se o cliente quisesse um produto cuja venda dependesse de pesar-se a quantidade, ele dizia para passar mais tarde. Se o cliente insistisse, ele apontava para o gato deitado no prato da balança.

Justo homem! Acordar um gato para vender algo?