Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Embrutecidos e atemporais.

Faz imensa falta ao Brasil uma direita bem alfabetizada, detentora de alguma cultura formal, liberal, capaz de juízos estéticos, capaz de ser delicada. Isso, ou o pouco disso que havia, extingue-se a pouco e pouco. A delicadeza, esta entrou no rol das coisas fora de moda, anacrônicas, aptas a causarem vergonha, associada à tibieza de caráter e à incapacidade de ação.

O espaço que poderia ser ocupado por tal direita bem alfabetizada não ficou vazio, evidentemente, que a sociedade não tende ao vácuo. Foi ocupado por uma gente embrutecida e que parece viver o presente constante, ou seja, são profundamente anti-históricos. Incultos, indelicados, incapazes de passar por um simples cotejo de contradições, essa gente ocupou todo o espectro ideologicamente direitista.

Em grande maioria vivem na dependência do Estado, seja direta ou indiretamente, mas não sentem vergonha de reproduzir um discurso anti estatista raso, que lhes é ofertado por uma imprensa tão ou mais envilecida que seu público. Chegou-se a tal nível de impermeabilidade intelectual que nada adiante expor este pequeno-burguês embrutecido às suas contradições gritantes: ou ele não compreende, muito simplesmente, ou torna-se irracionalmente reativo, dando mais uma volta ao parafuso da incoerência.

Mas, o inconveniente desta malta não se resume às opiniões políticas rasas e filonazis. Seu embrutecimento significa a perda de qualquer sensibilidade estética, a par com a idéia de que ele é o tipo único e invariável. Assim pensando, o embrutecido age como se o mundo todo fosse igual a ele.

Tenho a infelicidade de conviver obrigatoriamente com um número de pequenos-burgueses brasileiros, cotidianamente. O silêncio pauta minha conduta, por medida de segurança e higiene mental. Abro-me para coisas de pouco risco, tais como futebol, carros, piadas de salão, pois falar a sério é a antesala da guerra.

Acontece que certos espécimes são proativos e vivem a tolice afirmativa. Nem percebem o silêncio, nem o apreciam, nem apreciam algo falado a sério se não for a confirmação linha por linha das vulgaridades que apreende nas revistas e TVs. Esse tipo é cansativo e perigoso e mais frequente que seria de imaginar.

Outro dia desses, o pequeno-burguês proativo e incontido típico quis mostrar-me umas fotografias no telefone. Tão logo fez menção de passar-me seu telefone, para que eu recebesse o presente das imagens, compreendi o que viria: cenas de algum acidente, corpos mutilados, rios de sangue, carnes cortadas, ossos partidos. Não poderia ser diferente e não era.

Caso é que há poucos dias ocorrera uma tragédia. Um rapaz com problemas mentais matara as duas irmãs degolando-as e, depois, matara-se. Os pais perderam três filhos na mesma ocasião e desta forma realmente trágica. Não é algo agradável nem de supor, quanto mais de revirar-se no assunto, como se se pudesse descobrir novas nuances.

Pois as tais fotos eram precisamente da cena das três mortes… Afastei o telefone com a mão, não me contive. Afastei-o e afastei-me, não consegui disfarçar a repugnância. Sai sem falar nada, simplesmente sai de perto.

Não aprecio essas imagens, não tenho inclinações mórbidas, mesmo não vendo nada demais em quem as tem. O caso é que esse tipo de imagens não me desperta um juízo estético, nem me ensina coisa alguma. Ou seja, não me diverte, nem me educa. Nem é exemplo de coisa alguma, como os moralistas gostam de dizer para disfarçar suas inclinações mórbidas.

Neste nível de embrutecimento encontra-se grande parte da gente e acham que este é o estado normal das coisas, não cogitam de algum gosto diverso, não cogitam que são bárbaros, superficiais, tendentes ao julgamento sumário, à abominação da arte, ao retrocesso civilizacional.

6 Comments

  1. Olímpio Rocha

    Rapaz, essas figuras são o que eu chamaria de legistas frustrados. Geralmente, campeiam no Direito, ou, porque é minha área, é onde mais as vejo, infelizmente.
    Vociferam contra a banalidade que não percebem que a têm eles mesmos. Mando logo um “vai te lascar!”, que limpa a alma!

  2. Severiano Miranda

    Histórias, histórias…

    Outro dia estava em um salão, estávamos em cinco, uma italiana que faz mestrado em alguma coisa, e três espanhóis, um rapaz que como eu deixou a engenharia para dedicar-se ao direito, e duas moças, espanholas, uma que acabou o que no Brasil eu chamava de segundo grau, que agora com certeza terá outro nome, e foi a Inglaterra procurar emprego, e acaba de voltar dessa experiência e ingressar na universidade em um curso de letras com habilitação em língua inglesa, e outra que diretamente abandonou os estudos bem cedo. Sendo a viajante e o rapaz, os moradores da residência.

    Nesse salão haviam pequenos quadros, com imitações de pinturas algo famosas, entre elas, havia um Degas, que identifiquei, não por ser conhecedor de arte, mas porque os quadros famosos do infeliz são praticamente só de bailarinas. Então é relativamente fácil identificá-los.

    Apontei o Degas, para tirar a dúvida, ou seja, perguntar ao resto do grupo se era um Degas, no que ao me ver apontando o pequeno quadro na parede, a moça que morava na casa disse:
    “-Nem se preocupe, vamos tirar todos!”

    No que eu respondi:
    “-Mas porque? São bonitos, e esse deve ser um Degas…”

    Ao que a italiana também respondeu:
    “-Eu já disse isso… Não adianta…”

    Fiquei calado, lembrei bastante de Ortega y Gasset, e cheguei a conclusão que meus níveis de preconceito estão chegando onde eu nunca pensei que chegariam… =(

    Abraço!

  3. Andrei Barros Correia

    Tá difícil, Severiano. É quase impossível não ter aumentados os níveis de preconceito. Funciona como uma defesa prévia e pode evitar muitas frustrações.

    Prefiro surpreender-me positivamente a decepcionar-me cotidianamente.

    Isso faz lembrar, e muito, Ortega y Gasset. É basicamente nele que penso ao escrever estas linhas.

    Grande abraço.

  4. Andrei Barros Correia

    Olímpio, a vontade é dizer isso mesmo.

    Acontece que nem sempre convém e prefiro o silêncio.

    Problema é que os imbecis proativos não percebem o favor que se lhes faz silenciando, e insistem…

  5. Alcides

    Mestre, fico a me imaginar as fotos repugnantes. Sensacionalismo que nos deixa insensíveis, porque esquece-se do principal e enfatiza-se o pior, que não resolverá o problema. Também não gosto deste tipo de foto. Aliás, é até difícil imaginar quem sentirá regozijo em divulgá-las. Esse exemplo assemelha-se com o dos que parecem chegar ao orgasmo no maltrato dos animais. Posso agora demonstrar um certo desprezo pelo humano, mas me causa infinitamente muito mais angústia um ser humano maltratar um animal do que um humano maltratar outro. Isso é uma das facetas mais funestas do embrutecimento. É uma infâmia.

  6. Andrei Barros Correia

    Alcides, é terrível. Esse tipo de fotos nem me dá prazer, nem me ensina algo. Ou seja, não me atrai minimamente.

    Concordo contigo. Os animais, e sobretudo os domésticos, são muito vulneráveis. E há muita gente que se compraz em maltrata-los.

    O interessante é que essas pessoas não têm coragem de entrar de peito aberto na savana africana onde vivem os leões…

    Acho a caça desportiva uma mistura de trapaça com assassinato por meio vil.

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