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Fanatismo religioso e política. Comentário ao de Julinho da Adelaide.

Acender as fogueiras é fácil e bonito, difícil é apagá-las, depois.

Nós temos, no Brasil, um défice de cidadania enorme, então as pressões sociais passam por canalizações corporativas. As religiões, que são corporações, entram no jogo para canalizar um tipo de pressão.

As corporações religiosas voltam-se para a obtenção de poder social, mais ou menos suave, consoante a época. Quando estão seguras de deter uma suficiente parcela de poder social, suas aventuras explícitas no âmbito político são mais discretas e pouco frequentes.

Por exemplo, em épocas de seguro poder social do catolicismo romano, no Brasil, não precisavam seus hierárcas atuarem diretamente no espaço político. Podiam fazê-lo no segundo plano, certos de disporem de robusto controle.

Á medida que recua seu poder social, precisam investir, primeiramente, em linhas semelhantes às dos que avançam. Assim, surgem, por exemplo, manifestações como a canção nova, um monofisismo de baixo nível. É, em poucas palavras, identificar uma disputa e optar por oferecer o mesmo que os que avançam.

O mercado das almas é daqueles com propensão marginal ao consumo quase ilimitada, e daí é possível essa pulverização enorme que se observa. Quase tudo que se ofereça é passível de ser adquirido, desde que tenha uma e outra tinta de novidade, que nesse âmbito não se está imune à moda.

Acontece que o Brasil é tremendamente liberal em termos sociais, ou seja, é tremendamente dissoluto de costumes. Convivem formas estritas e rigorosas com discursos estreitos, em um paradoxo aparente. O ponto de articulação e a explicação desse aparente paradoxo é a hipocrisia. Em doses cavalares, como as temos, ela desempenha a função do óleo que suaviza o contato das engrenagens.

Uma contraposição possível, no sentido de reduzir essa dispersão religiosa, seria o estímulo a uma religião cívica nacionalista, um pouco à semelhança da simbologia varguista. Claro que isso tem os riscos evidentes da sua semelhança com os nacionais socialismos, mais frequentemente chamados por seus nomes comerciais de fascismo e nazismo.

Essa enorme pulverização tem alguma vantagem e vários riscos. A vantagem parece-me residir em que torna improvável o triunfo dominante de uma só corporação, o que permite a continuação da dinâmica social. As desvantagens encontram-se na indigência intelectual e moral que está por trás da possibilidade de tantas denominações, tão assemelhadas, que à lupa, parecem consensuais.

Ora, o consenso é maior quanto menor for o conteúdo em torno a que se forma. A idéia mais amplamente sedutora das almas por força será a mais vazia, menos nobre, menos sofisticada, mais radical, menos sutil. Com massas – em todas as classes, sempre é bom destacar – tão aproximadas por pontos de comunhão enormemente singelos, que esperar senão movimentos de hordas volteantes e erráticas?

A identidade religiosa só entra no jogo político de forma normal quando ela é o catalisador de uma identidade nacional. Daí que, na Irlanda, por exemplo, faz sentido afirmar-se católico em contraposição a reformado, porque isso é afirmar-se irlandês em contraposição a britânico. Assim, na verdade, o religioso é quase puramente político e nacional, na sua afirmação exterior. Claro que isso não impede que o religioso seja propriamente uma questão de relação com a divindade, para cada pessoa em sua experiência.

Mas, quando o religioso, mormente tão despido de reais conteúdos religiosos, mete-se no político sem desempenhar esse natural papel de identificador nacional, ele é um elemento estranho e desnecessário ao palco político. Prestará um profundo deserviço, confundindo coisas que não são iguais, nem apreensíveis a partir da mesma metodologia.

No Brasil, a mais forte característica social é a confusão entre o privado e o público, no que se refere ao tratamento do público. A inserção das religiosidades nesse ambiente piora as coisas, já ruins, pois insere o meta-privado na discussão do público!

Os políticos, ao contrário do que se convencionou crer, não calculam bem os riscos que tomam. Ou só os calculam bem no curtíssimo prazo, ou, ainda, se os calculam bem são profundamente irresponsáveis e pagam para ver. Com relação à incitação religiosa, eles portam-se como o sujeito que descobriu uma nova bomba e não vai deixar de usa-la sob qualquer argumento, embora saiba a terra arrasada que ela produzirá.

3 Comments

  1. Julinho da Adelaide

    Não sei se nos eua o voto religioso tem um peso grande, mas por aqui me parece um fato novo. realmente a falta de cidadania e de percepção das eleições como um momento de discussão por melhorias concretas de vida são marcantes. E por falta de perspectiva qualquer bandeira serve, de preferência as mais palatáveis e massificadoras. Confesso que o tipo de campanha conduzida pelo pt vinha me causando muito incômodo. Um governo com as marcas e os números do atual tinham que fazer das eleições exatamente o que são: um momento de se discutir política, projetos, comparar governos. Ficamos na mão dos marketeiros e aí foi a mãe do pac, o pai do pac, o tio do pac. E a campanha de serra e marina não foi melhor não. Apostaram todos na total imbecilização do eleitor. Nesse vácuo entraram em cena pastores e padrecos. Conversei com um crente muito humilde. Disse que votou em marina e votará contra dilma. Senti a satisfação em seu rosto ao afirmar isso. A satisfação de quem nunca teve nenhum tipo de protagonismo e agora se agarra a uma bandeira que pode decidir a eleição. Preocupante!!!!

  2. Andrei Barros Correia

    É preocupante mesmo. O caso que descreveste é quase de vingança pessoal do insignificante que vê um ganho de importância afirmando seu preconceito.

    Há uma figura diferente dessa que mencionaste, que me chama bastante a atenção, até pelo ridículo que representa. É o direitista pobre.

    Não falo do direitista pobre que vota para manter um emprego devido àlgum político, que esse voto é objetivamente claríssimo.

    Nem falo daquele coitado que recebeu partículas de discurso e acha que haverá de vencer porque há mobilidade social e porque os méritos serão percebidos.

    Falo do sujeito que é capaz de fazer um discurso desconexo contra ele mesmo, é assombroso é há vários.

  3. Julinho da Adelaide

    Conheço várias dessas figuras assim como citaste. É realmente patético. O meu sentimento é mais de pena que raiva.

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