Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Fernando Henrique por João Ubaldo: o senhor é um sociólogo medíocre.

Um amigo (não lhe perguntei se poderia dar a autoria da indicação) indicou-me a leitura de um artigo de João Ubaldo Ribeiro, publicado em 25 de outubro de 1998. Na ocasião, Fernando Henrique Cardoso acabava de vencer o pleito eleitoral em que reelegeu-se presidente da república brasileira.

Então, dois fatores mostraram-se essenciais para esse sucesso eleitoral. Primeiramente, o congresso nacional aprovara, às pressas, uma emenda constitucional que permitia a reeleição. Fala-se – não à boca pequena, mas explicitamente – que o congresso foi seduzido materialmente pelas hostes fernandinas. Em segundo lugar, o presidente manteve, à custa de caros empréstimos externos, a moeda, o real, artificialmente valorizado, criando artificial riqueza. Pouco depois, a realidade apresentou-se e o real desvalorizou-se!

O artigo voltou à tona, porque cogita-se que a vaidade fernandina vai levá-lo a postular uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Realmente, como aponta Leandro Fortes, de cujo site copiei o texto de Ubaldo, não é escândalo grande a eventual entrada de Fernando Henrique nesse clube de muitos iletrados. Segue o artigo:

Senhor Presidente – João Ubaldo Ribeiro

25 de outubro de 1998

Senhor Presidente,

Antes de mais nada, quero tornar a parabenizá-lo pela sua vitória estrondosa nas urnas. Eu não gostei do resultado, como, aliás, não gosto do senhor, embora afirme isto com respeito. Explicito este meu respeito em dois motivos, por ordem de importância. O primeiro deles é que, como qualquer semelhante nosso, inclusive os milhões de miseráveis que o senhor volta a presidir, o senhor merece intrinsecamente o meu respeito. O segundo motivo é que o senhor incorpora uma instituição basilar de nosso sistema político, que é a Presidência da República, e eu devo respeito a essa instituição e jamais a insultaria, fosse o senhor ou qualquer outro seu ocupante legítimo. Talvez o senhor nem leia o que agora escrevo e, certamente, estará se lixando para um besta de um assim chamado intelectual, mero autor de uns pares de livros e de uns milhares de crônicas que jamais lhe causarão mossa. Mas eu quero dar meu recadinho.

Respeito também o senhor porque sei que meu respeito, ainda que talvez seja relutante privadamente, me é retribuído e não o faria abdicar de alguns compromissos com que, justiça seja feita, o senhor há mantido em sua vida pública – o mais importante dos quais é com a liberdade de expressão e opinião. O senhor, contudo, em quem antes votei, me traiu, assim como traiu muitos outros como eu. Ainda que obscuramente, sou do mesmo ramo profissional que o senhor, pois ensinei ciência política em universidades da Bahia e sei que o senhor é um sociólogo medíocre, cujo livro O Modelo Político Brasileiro me pareceu um amontoado de obviedades que não fizeram, nem fazem, falta ao nosso pensamento sociológico. Mas, como dizia antigo personagem de Jô Soares, eu acreditei.

O senhor entrou para a História não só como nosso presidente, como o primeiro a ser reeleito. Parabéns, outra vez, mas o senhor nos traiu. O senhor era admirado por gente como eu, em função de uma postura ética e política que o levou ao exílio e ao sofrimento em nome de causas em que acreditávamos, ou pelo menos nós pensávamos que o senhor acreditava, da mesma forma que hoje acha mais conveniente professar crença em Deus do que negá-la, como antes. Em determinados momentos de seu governo, o senhor chegou a fazer críticas, às vezes acirradas, a seu próprio governo, como se não fosse o senhor seu mandatário principal. O senhor, que já passou pelo ridículo de sentar-se na cadeira do prefeito de São Paulo, na convicção de que já estava eleito, hoje pensa que é um político competente e, possivelmente, tem Maquiavel na cabeceira da cama. O senhor não é uma coisa nem outra, o buraco é bem mais embaixo. Político competente é Antônio Carlos Magalhães, que manda no Brasil e, como já disse aqui, se ele fosse candidato, votaria nele e lhe continuaria a fazer oposição, mas pelo menos ele seria um presidente bem mais macho que o senhor.

Não gosto do senhor, mas não tenho ódio, é apenas uma divergência histórico-glandular. O senhor assumiu o governo em cima de um plano financeiro que o senhor sabe que não é seu, até porque lhe falta competência até para entendê-lo em sua inteireza e hoje, levado em grande parte por esse plano, nos governa novamente. Como já disse na semana passada, não lhe quero mal, desejo até grande sucesso para o senhor em sua próxima gestão, não, claro, por sua causa, mas por causa do povo brasileiro, pelo qual tenho tanto amor que agora mesmo, enquanto escrevo, estou chorando.

Eu ouso lembrar ao senhor, que tanto brilha, ao falar francês ou espanhol (inglês eu falo melhor, pode crer) em suas idas e vindas pelo mundo, à nossa custa, que o senhor é o presidente de um povo miserável, com umas das mais iníquas distribuições de renda do planeta. Ouso lembrar que um dos feitos mais memoráveis de seu governo, que ora se passa para que outro se inicie, foi o socorro, igualmente a nossa custa, a bancos ladrões, cujos responsáveis permanecem e permanecerão impunes. Ouso dizer que o senhor não fez nada que o engrandeça junto aos corações de muitos compatriotas, como eu. Ouso recordar que o senhor, numa demonstração inacreditável de insensibilidade, aconselhou a todos os brasileiros que fizessem check-ups médicos regulares. Ouso rememorar o senhor chamando os aposentados brasileiros de vagabundos. Claro, o senhor foi consagrado nas urnas pelo povo e não serei eu que terei a arrogância de dizer que estou certo e o povo está errado. Como já pedi na semana passada, Deus o assista, presidente. Paradoxal como pareça, eu torço pelo senhor, porque torço pelo povo de famintos, esfarrapados, humilhados, injustiçados e desgraçados, com o qual o senhor, em seu palácio, não convive, mas eu, que inclusive sou nordestino, conheço muito bem. E ouso recear que, depois de novamente empossado, o senhor minta outra vez e traga tantas ou mais desditas à classe média do que seu antecessor que hoje vive em Miami.

Já trocamos duas ou três palavras, quando nos vimos em solenidades da Academia Brasileira de Letras. Se o senhor, ao por acaso estar lá outra vez, dignar-se a me estender a mão, eu a apertarei deferentemente, pois não desacato o presidente de meu país. Mas não é necessário que o senhor passe por esse constrangimento, pois, do mesmo jeito que o senhor pode fingir que não me vê, a mesma coisa posso eu fazer. E, falando na Academia, me ocorre agora que o senhor venha a querer coroar sua carreira de glórias entrando para ela. Sou um pouco mais mocinho do que o senhor e não tenho nenhum poder, a não ser afetivo, sobre meus queridos confrades. Mas, se na ocasião eu tiver algum outro poder, o senhor só entra lá na minha vaga, com direito a meu lugar no mausoléu dos imortais.

6 Comments

  1. Julinho da Adelaide

    Arretado. A paternidade de fhc do plano real é uma farsa. Se o plano real é filho de algum governante seria Itamar. Também não é de nenhum daqueles petulantes que ele colocou na fazenda e no bc, que por sinal, trouxeram tantas distorsões à economia quanto aumentaram seu sucesso pessoal nos negócios. Outra farsa é dizer que Lula teria copiado o (des)governo anterior na condução da economia. Ora, o país na mão do farol de alexandria quebrou três vezes, em crises muito menores que a que atravessamos sorrindo no governo do PT. E passamos sorrindo justamente pelo fato do governo Lula não ter copiado nada. No lugar da eterna dependência dos países centrais (eua e europa ocidental) buscou-se aumentar os negócios com nações em desenvolvimento, menos atingidas pelas crises do capitalismo central. As taxas de juros caíram, houve forte incentivo ao fortalecimento do mercado interno, via expansão, barateamento e facilitação do crédito e melhor distribuição de renda, bem como incentivo e desoneração na produção de bens de consumo duráveis. Reativou-se a indústria naval e buscou-se incentivar as compras públicas de produtos nacionais. Diversos investimentos em infra-estrutura foram efetivados, produzindo geração de renda e aquecimento da economia. Equacionou-se as contas públicas e a própria inflação, tão cara à análise dos tucanos, declinou no novo governo. Qualquer semelhança entre um governo e outro so pode ser fruto de uma mente doentia ou lobotomizada pela mídia.

  2. Julinho da Adelaide

    Arretado. Se um petista tivesse feito um governo tão ruim como fhc provavelmente estaria na prisão de Guantánamo.

  3. davi

    Ter Fernando Henrique na Academia, ao lado de José Sarney, não é grande escândalo mesmo. Todavia, se continuar essa escalada, teremos uma Academia de ex-presidentes e políticos. Como se uma coisa levasse a outra…

    • andrei barros correia

      Pois é. Pela ausência de qualidades literárias, o problema é pouco. Além de Sarney, que parece ter ele mesmo escrito seus livros, há outras figuras ainda piores.

      Há Paulo Coelho e toda aquela sub-literatura de conselhos de paz espiritual.

      Tem acadêmicos de quem se diz que vendem pareceres ao sabor dos preços.

      Tem figuras que publicaram obras em co-autoria com alguém que provavelmente escreveu o livro todo.

      O problema é que a tal academia vai se tornando em cortina-de-fumaça. Esconderijo para quem quer ser julgado por aspectos estranhos ao que fez.

  4. Julinho da Adelaide

    Arretado. Se algum petista fizesse um governo tão ruim como o de fhc, provavelmente estaria preso em Guantánamo.

  5. Joe

    Marco Maciel que nunca escreveu nada e ao qual o tom de voz desconheço pois e um homem sombra faz parte da academia!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *