Não se faz a guerra por interesses alheios. Dos interesses dos outros, cuidam eles e só eles. A guerra por interesses estranhos aos próprios só tem exemplo nos mercenários, mas esse caso não invalida a assertiva inicial. Os mercenários estão a soldo e custam caro; eles não fazem a guerra por interesses alheios, fazem-na por pagamento.

A guerra é instrumento de conquista ou de manutenção: de dinheiro, de território, de recursos naturais, de honradez. Há outra variante das motivações mais evidentes, que com elas se mistura: a geração de despesas para uma nação, a bem de quem vende os instrumentos de guerra.

O evidente é que não se fazem guerras para proteger os outros. Aqui, dois aspectos destacam-se: primeiro, o que se consideram outros; e segundo, a mentira que subjaz à guerra pelos interesses alheios.

Outro é definido por identidade cultural, alem de identidade de interesses econômicos e financeiros. Isso não se devia esquecer, para não se ficar em percepção enviesada e insuficiente do que está em jogo. Para que não se lancem objeções superficiais, outro é muito mais que a diferença entre nacionais de países diferentes.

Mas, não se limita às diferenças, por exemplo, entre muçulmanos e cristãos. Saber o que são os outros implica considerar a história e a cultura como elementos fundamentais das tensões que resultam em guerras. Contra os semelhantes – os não – outros – podem-se fazer violências tremendas, também.

Todavia, as violências entre semelhantes delimitam-se no âmbito não-violento, fisicamente. Delimitam-se no âmbito institucional, jurídico. É questão de embate entre os que detém mais riquezas e os que detém menos. Essa tensão no mesmo grupo resolve-se de forma menos drástica que a guerra, embora possa ser tão ou mais perversa.

O outro é aquele que pode e deve receber bombas na cabeça, porque definido por exclusão. A exclusão do diferente permite que ele seja um fator de justificação, pura e simplesmente, assim mesmo, despersonalizado.

Um exemplo basta, entre muitos. Bombardear a Líbia – ou o Iraque, ou qualquer outro outro – é algo que a opinião pública dos bombardeadores concebe quase abstratamente, com toda confusão que o abstrato pode gerar nas massas. Misturam-se mil e uma impressões, pedaços de conceitos, fragmentos de conhecimentos poucos, para gerar a paixão.

A paixão, tão superficial quanto as lágrimas que substituem uma emoção forte por uma fraca, é cega e torna cegos os que a ela sucumbem. A paixão está a serviço da razão, mas a inclinação emocional de uns a serviço da atividade clara de outros.  Não que uns apoiem estupidamente outros, porque todos sabem a que se visa e o que se ganha.

Todos ganham, uns mais e outros menos, todos são culpados, todos são vencedores ou perdedores. Assim é, porque uns são outros, contra quem tudo é possível, tudo é roubável.

Pára estancar o discurso meio obscuro, lembremos que a gasolina é barata nos EUA porque os outros, que a produzem, não são donos dela. Se eles resolvem aumentar o preço desse líquido inflamável, formam o consenso dos que o consomem. O consenso dos que se beneficiam mais e menos contra os que não se beneficiam de nada.

Faz-se a guerra, a bem de qualquer mentira, que elas servem igualmente bem, sejam bem elaboradas ou não. Faz-se a guerra por razões humanitárias. Esse nome, destituído de significados tangíveis, insere-se no simbólico. Quero matar, mas quero dizer que tive motivos para fazê-lo.