Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Integração sul-americana e derrubada de corporativismos. Precisamos reconhecer diplomas automaticamente.

O Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai mantém uma união aduaneira e a liberdade de circulação de pessoas que, cautelosamente, não evolui para mais que isso. A lentidão no aprofundamento do Mercosul revela-se sensata. É difícil partir-se para moeda única, para a criação de instâncias governamentais únicas mais poderosas e para a liberdade comercial plena.

Nossas histórias não têm turbulências bélicas que recomendem tal nível de integração como prevenção de futuros conflitos. E nossas origens coloniais, com a colonização a sobrepor-se a culturas pre-existentes, não indicam que pensemos um pertencimento único, nem um futuro único.

Claro que boa parte desses aspectos aparentemente desagregadores foi estimulada e destacada pelo novo colonizador, os EUA, que nunca tiveram interesse no êxito da união. Mas, por outro lado, também é claro que nossas semelhanças recíprocas são maiores ou, no mínimo, semelhantes àquelas que inspiraram a União Europeia. A coisa é possível, enfim.

Hoje, a circulação de mercadorias é praticamente livre, embora haja casos de taxações extraordinárias. Mas, de regra, o comércio entre os países do Mercosul não se submete a impostos de importação e exportação, o que configura uma quase união aduaneira.

A circulação de pessoas também é deveras facilitada. As estadias dos nacionais em qualquer dos quatro países independem de visto e de passaporte, para estadias de até noventa dias. Para permanências a trabalho ou por qualquer outra razão, exige-se o visto, mas, na prática, as políticas soberanas dos países não impõem dificuldades à obtenção desses vistos. O trânsito de estudantes é muito intenso, por exemplo, e duvido muito que tenham se preocupado em pedir vistos e, no fundo, ninguém os molestará.

Interessante que cada país tem coisas que muito interessam aos outros. Falo aqui de profissionais licenciados naquelas que se costumam chamar profissões liberais. Ora, os quatro países julgaram-se reciprocamente confiáveis a ponto de permitirem o trânsito de mercadorias sem impostos, por que não deveriam liberar totalmente o trânsito de pessoas e franquear-lhe a liberdade de exercício profissional?

O que já foi feito significa um elevado nível de confiança e de vontade de integração. Significa que eles se reconhecem em situações institucionais semelhantes. Significa que reconhecem situações semelhantes para suas aduanas, para seus órgão de imigração, para seus órgão de regulação da qualidade industrial.

Por que não significaria reconhecimento igual de suas instituições de ensino superior? Se um carro feito na Argentina é legalmente idêntico a um feito no Brasil, por que um engenheiro licenciado na Argentina seria diferente de um brasileiro? Ou um médico? Tecnicamente, por razão nenhuma, claro.

A razão da vedação do livre exercício das profissões regulamentadas é puramente reserva corporativa de mercado. Reserva que se esconde atrás dos argumentos mais pueris possíveis. É hilário, por exemplo, uma corporação de ofício, a dos médicos, por exemplo, a defender a reserva de mercado amparada no argumento qualidade.

Qualidade? Qual o indicador que os levou a dizer que a qualidade da formação de um médico argentino é inferior à de um brasileiro? Na verdade, vistas as coisas de longe, sob perspectiva ampla, a conclusão contrária seria muito mais provável! E, mais provável ainda, é que a corporação de ofício queira, atavicamente, reservar-se o poder de dizer quem pode e quem não pode exercer o mister semi-divino e bem remunerado.

Não haveria maiores dificuldades práticas – e haveria nenhuma jurídica, além da empulhação habitual dos juristas – em tornar os currículos iguais, no caso da medicina e da engenharia. Afinal, são coisas que funcionam segundo as mesmas lógicas, independentemente das fronteiras políticas e geográficas. Mas, as corporações de ofício defendem seus poderes corporativos.

Com relação a advogados, a coisa seria mais simples ainda. Trata-se de um grupo em que a maioria é tão mal alfabetizada que a competição não precisa de reservas de mercado muito intensas. Além de ser grupo muito abundante, claro. Que problema haveria se uma invasão de advogados tomasse a Argentina? Nenhum, pois mal escrevem em português e em castelhano nada!

Para o público em geral, pouco importa que o médico a lhes atender seja brasileiro, paraguaio, uruguaio ou argentino. Importa que seja bem atendido e aos menores preços. Isso incomoda a corporação médica brasileira que, relativamente escassa, cobra o que quer e atende como quer. Superficialidade, negligência, erro são coisas do dia-a-dia, a que os clientes resignam-se.

São bons, muito bons e orgulhosos de suas competências? Então, não deviam temer a concorrência dos outros, que nada indica serem piores, ao contrário.

Ponhamos os bons frente aos ruins, então. Reconheçamos diplomas automaticamente, libertos dessa falsa noção de superioridade que quer manter uma qualidade que não se vê, ou coerentes com a noção de que os melhores não temem os piores. Escolham a lógica segundo a qual querem defender-se!

2 Comments

  1. Severiano Miranda

    Dois pontos ai são observáveis, primeiro que creio numa impossibilidade imediata do tal reconhecimento automático a curto prazo, muito embora, concorde com ele. Creio eu que uma medida mais próxima de acontecer, e mesmo, que já tinha de ter sido tomada, seria uma maior facilidade de reconhecimento aos paises que compõem o bloco econômico.. Mesmo que não fosse o reconhecimento direto, já seria um caminho a ele, ou mesmo que nunca fosse direto, pois que seja mais fácil reconhecer-se alguem como profissional liberal no bloco, do que os de fora do bloco. Enfim…

    Segundo, que seria MUITO interessante, no mínimo, e pra dizer o somente isso, muito pouco, que o atendimento melhoraria horrores, visto que fora de suas terras, o individuo se sentiria menos a vontade para exercer reinado na provincia, haveria mais educação vinda de profissionais de fora que aqui atuassem, e pasme, os mesmos que hoje massacram outros com horarios e etc, fora daqui, tambem respeitariam mais os populares… hehehehe Lógico… O ganho seria grande…

  2. andrei barros correia

    Vevel,

    Realmente, o reconhecimento automático não seria aprovado para já. A discussão teria que tomar corpo, o povo perceber as vantagens e eventuais desvantagens. O governo propor, os parlamentares superarem o medo dos médicos…

    Mas, conceitualmente, nenhum problema existiria. Não há dificuldades senão práticas e instrumentais.

    Há, também, formas de fazê-lo sem no fazer formalmente. Ou seja, o ministro da educação determinar às universidades federais que deixem de estancar os processos de reconhecimento de diplomas estrangeiros. Pronto!

    Como tu disseste, haveria melhoras até mesmo pelo fato do ingresso de gente de fora, que não se sente senhorzinho da província e inclina-se mais a comportar-se adequadamente.

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