Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Lula e o ódio de classe.

Está em marcha um conjunto de ações concertadas para interditar politicamente o ex-Presidente Lula. À frente desta operação estão parte majoritária da imprensa, dois ou três partidos políticos em decadência, um em ascensão, meia dúzia de empresários, meia dúzia de banqueiros privados, partes do judiciário e do ministério público.

O ódio profundo a Lula, como tudo muito intenso, não se explica apenas por razões utilitárias, assim como não se explica racionalmente o ódio de alguns homossexuais e de algumas mulheres reprimidas pela liberdade sexual . Se fosse resultado do conjunto de ressentimentos dos que perderam algo por conta das ações do ex-Presidente ao longo de oito anos de governo, seria muito menos intensa essa raiva. Mas, é algo a passear no campo do fetiche.

Nos anos de governo Lula, os banqueiros privados perderam alguma coisa, mas foi pouco. O que se perdeu por os juros dos títulos públicos terem baixado de patameres obscenos para níveis razoáveis, ganhou-se com a ampliação da tomada de crédito pelas camadas mais baixas. Ao final, ampliou-se a base de clientes e os bancos foram obrigados a agirem como bancos e não apenas como receptores de juros de títulos públicos, extorquidos à sociedade por meio do Estado.

A imprensa não perdeu por conta do Lula mais que perderia pela marcha da história. O que perdeu, deve-o ao seu laborioso projeto de estupidificação coletiva, coisa que tornou seu público mais difuso e menos fiel. Na verdade, em termos financeiros, a imprensa teve perdas a se porem na conta de seu próprio funcionamento anti-empresarial. O governo Lula não diminuiu os gastos públicos com propaganda, nem alterou sua divisão entre os meios.

As classes sociais intermédias e alta nada perderam, embora tenham a percepção de ter perdido. É que elas fazem a comparação sem termo fixo, o que conduz ao equívoco das relações entre expectativas. Ora, se eu comparo o que recebo com o que acho que receberia idealmente, em tal ou qual situação, o resultado pode ser um abismo.

As classes altas, o 01 %, esses nunca perderam nem perderão, mesmo se houver uma revolução. Nos grandes rompimentos que às vezes vêem com as revoluções, o 01% perde alguns espécimes por eliminação física, mas nunca o que possuem. Lembrem-se os superficiais que 01% não é uma figura metafórica, é um em cem mesmo. Lembrem-se, para evitarem equívocos vulgares, que os expropriados de terras na revolução russa de 1917 não compunham o 01%. Os componentes desse seleto grupo foram-se para Lutécia e seu dinheiro continuou a escravizar o novo governo e o povo, claro.

Na verdade, em termos materiais, todos ganharam nos oito anos de governo de Lula, porque a distribuição de rendas melhorou marginalmente e a economia cresceu substancialmente, o que significa dizer que o 01% foi quem mais ganhou, o que é quase uma lei natural. É claro que poderiam todos terem ganhado mais, se o mundo não entrasse numa crise de excesso de dinheiro falso.

O que explica, portanto, o ódio a Lula, não é o que realmente perdeu-se, é o que se deixou de ganhar em comparação à expectativa de manutenção de uma escravidão absoluta. Essa perspectiva de manutenção pétrea de uma massa de escravos permite esperar um aumento constante de apropriação e o distanciamento relativo das classes médias das mais baixas. Pouco importa, para a classe média, que a distância entre ela e o 01% também aumente, porque ela, cega, não vê o 01%, embora arremede o que acha serem os modos desses poucos desconhecidos.

O ódio ao Lula tem raízes no preconceito de classe. Se assim não fosse, seria impossível vender, com êxito relativo, essa raiva a quem não tem razões para tê-la. O preconceito de classe é atitude profundamente inercial, ou seja, quem não o tem tem pouca propensão a desenvolvê-lo e que o tem tem grande propensão a mantê-lo.

As classes médias são a inércia transplantada para o âmbito social, com relação aos costumes. Um acúmulo de energia que trabalha para a conservação como o leão busca matar sua fome, como busca matar sua fome quem não tem a sensação de segurança ou a de total insegurança.

Esse grupo não percebe as diferenças entre pertencimento de classe social e pertencimento de classe econômica, o que vem muito a calhar para seu oportunismo atávico. Talvez, em verdade, perceba e confunda propositadamente as coisas, e isso devo confessar que não é muito claro para mim. Um exemplo vem a calhar: pertenço à mesma classe social de muitos dos mais ricos da minha cidade, mas não à classe econômica deles.

 O esforço de conservação das classes médias é o elo perdido das ciências sociais, ou seja, é a ponte entre o natural e o social. Aquilo que denuncia a inverdade do puramente natural e do puramente social, coisas que existem misturadas nesse estrato, como se tudo fosse uma inclinação e uma repetição, ao mesmo tempo.

Lula significou para essa gente uma ameaça à inércia. As coisas iriam mover-se novamente e, por mais óbvio que o movimento não deslocasse muito as posições relativas, haveria ameaça e houve. O sujeito que pemanece ou ascende, mesmo que tenha posição subalterna em relação a outros, é cioso de sua posição superior relativamente aos que escraviza. Isso deve permanecer assim para que as coisas pareçam normais.

As relações do tipo superior e subalterno não se modificaram – houve apenas deslocamento em bloco para cima – mas o temor incutiu-se na classe mais medrosa, venal e moralista que há. Ela eriçou-se, amedrontada, contra a ascensão que em muitos casos foi dela própria.

Agora, cabe distinguir agentes e objetos da ação, em dois graus. Agente é o 01%, que pretende o aumento da acumulação até ao infinito, o que não é teoricamente impossível e desculpe-me Carlos Marx. Objetos e agentes da ação são, em grau menor, os componentes da camada média, que obedecem aos desígnios de cima e à inclinação própria de quem está no meio.

Assim, o que a imprensa fez foi semear em terras férteis, embora pouco extensas. Ela obteve o ódio irracional, mas isso dará em quê, excepto na denúncia inútil de atemporal moralismo de amorais? Em golpes de estado patrocinados, hoje, pela burocracia estatal judiciária pseudo-meritocrática?

Depois de impedir politicamente Lula, o que farão? Impedirão partidos? Ou impedirão um a um, caso a caso?

1 Comment

  1. Monte Alverne Sampaio

    So podem vencer Lula no voto, mas isto é impossível, por isto, esta busca de falso moralista deste grupo, usando até um capitão do mato togado para ganhar as eleições, mas não funcionou e nem vai da certo estas armadilhas que eles estão armando, cada vez mais eles vão ficando desacreditados.Vamos governar este Pais por mais uns 50 anos.

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