Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

O adjetivo no lugar do advérbio.

Por trás dessa insignificância que é a troca de um adverbio por um adjetivo, pode haver sutilezas psicológicas a serem desveladas. O caso é que essas substituições são relativamente frequentes e apanhei-me a pensar nelas, pois habitualmente detenho-me em imensas bobagens.

A frase, a mais comum e modelar dessa troca de quantas tenho ouvido, é a seguinte: Fulano dirige ruim. Evidentemente está errada, do ponto de vista gramatical, porque ruim não qualifica a ação de dirigir. Mal qualifica a ação de dirigir, assim como outras tantas. Ruim pode qualificar o agente, não a ação.

Minha primeira desconfiança quanto à origem do erro foi que os falantes tomam as categorias advérbio e adjetivo por uma coisa só. Isso implicaria, primeiramente, que a troca ocorresse apenas entre os menos letrados, o que não é o caso. Realmente, a permuta das categorias é extremamente democrática e permeia muitas classes sociais.

Uma possível explicação para essa amplitude social do erro gramatical poderia estar nas diferenças entre a lingua escrita e a falada. Mas, outra circunstância vem alertar para outros motivos: o uso de um pelo outro vê-se, tanto falado, como escrito. Ou seja, não se trata de uma falta de vigilância devida ao à vontade da língua falada.

Se a causa maior estivesse na consideração de identidade das categorias, ou seja, na consideração de adjetivos e advérbios como a mesma e única coisa, seria perceptível que os falantes tomassem, por exemplo, mal e ruim como sinônimos. E isso, todavia, não acontece. Quer dizer que, no fundo, o falante não as reputa iguais e indistintas, mas faz uma escolha que deixa ver uma ponta de sua constituição psicológica.

Ao dizer fulano dirige ruim o falante não está verdadeiramente ocupado em qualificar a forma como fulano dirige. Está, verdadeiramente e coerentemente com o uso do adjetivo, qualificando o próprio fulano, não a ação. É a subjetividade que não se consegue esconder, nem aprisionar pelas normas gramaticais.

No comum dos casos, não se fala genericamente, objetivamente. Fala-se de alguém, transbordam julgamentos pessoais sobre alguém, mais que sobre as ações que esse alguém pratique. Somos muito terra-a-terra, no dia-a-dia; muito contra e favor de alguém e profundamente indiferentes às ações e àlguma enunciação teórica.

A alma da intriga e da fofoca, da cosmologia de botequim, da sociabilidade de casa de pensão é a nossa real substância.

3 Comments

  1. Olívia Gomes

    Concordo. As pessoas são bastante subjetivas e não resistem a emitir um juízo de valor.

  2. Thiago Loureiro

    To com vcs…
    Mas pensem em uma mesa de bar… sem ninguém emitir juízo de valor sobre ninguém, q graça teria?
    heheheheheheh

    • Olívia Gomes

      kkkkk 😛

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