Nós, filhos da cultura mediterrânea, e os anglo-saxões, filhos bastardos desta com um amante moralista, acreditamos na persuasão. Este é o núcleo do nosso agir, não a justiça ou a equidade, como se diz e se parece acreditar. Nada disso. O centro da nossa forma de estar é o tentar convencer numa disputa.

 No início, parecia ser a diversão de 400 a viverem das minas de prata e do trabalho de estrangeiros sem cidadania. Uma bela diversão, convenhamos, esta de conversar e acreditar plenamente na autonomia do discurso, acreditar-se, enfim, criadores. Política como ocupação da classe dominante segura de si gerou o endeusamento do discurso.

Claro, havia, como há, os períodos de trabalho, ou seja, de guerra. Intervalos de esforços que afastavam a aristocracia de sua diversão conversadora.  Dessas coisas, uma foi-nos legada: a terrível herança da lógica da persuasão, do discurso, do convencimento, do logos. O legado da aristocracia guerreira perdeu-se…

Essa gente que gesticula inutilmente não compreende o que é a China e seus braços quietos, tão quietos quanto as entonações de voz e suas falas mansas e monótonas. Realmente, a gesticulação, assessório da fala, é-nos muito própria e cara, a nós que acreditamos no discurso enfático, com todas as nuances e variações estilísticas que seduzem gerações e dão ensejos a quilômetros de papéis escritos em honra e dissecação desta coisa maravilhosa: a retórica.

Pois bem, a retórica, se há na China, como culto divino com altares em todas as esquinas, não é como a conhecemos por aqui. Talvez isto não seja um luxo, como a princípio pode parecer, por lembrar divertimento de ociosos. Talvez seja precisamente o contrário, ou seja, um signo de pobreza, de sociedades que se reuniram em torno a um cereal caro como o trigo. Ora, reunir-se em torno ao caro é pobreza a dar na vista.

Os que se uniram a comer arroz fizeram-no por duas razões: necessidade e inteligência. Ora, fazer as coisas por necessidade, para aplacar as necessidades, racionalmente, superando a humanidade, ou seja, o desejo de matar e morrer, é algo de extrema riqueza. E mais rico ainda é fazê-lo sem por o discurso persuasivo como o lugar preponderante. Não há tempo e espaço para as duas coisas simultâneas.

Mantivemos essa nossa lógica de tribunal, que nada tem a ver com justiça, pois convencer não é questão de justiça, e deixamos de fazer as guerras para que a aristocracia pudesse morrer e ter assim o que prantear em altares domésticos. Mandamos morrer os lacaios, os cidadãos de terceira classe, os mercenários…

Veremos os chineses no protagonismo econômico total sem compreender o que acontece, sem os compreender absolutamente e, pior, sem aceitarmos o fato. E continuaremos a tentar convencê-los por meio de discursos tão inúteis quanto os gestos que os acompanham.