Uma velha doente, tem leucemia, de 95 anos, foi submetida a uma revista e a retirar a fralda geriátrica, em um aeroporto da Flórida, nos EUA. O funcionário da segurança do aeroporto percebeu algo estranho em sua perna. Levada para uma sala à parte, a filha da idosa foi obrigada a assea-la, sim, porque estava suja, antes que os funcionários a revistassem detalhadamente. Revistar detalhadamente uma idosa de 95 anos, despida!

Sim, os funcionários de um aeroporto norte-americano vêm perigos em velhas de 95 anos, doentes, incapacitadas. Põe-nas em situações mais aviltantes que aquelas já proporcionadas pela vida. Reduzem a dignidade ao rés do chão, porque afinal não têm qualquer rasto dela; não acreditam nela, não a têm em si e, assim, não podem reconhecer a perda do que não conhecem.

Dirão a palavra segurança, mil vezes, se se acharem obrigados a dizerem algo. Mas, segurança não têm a mínima idéia do que seja, escravos de uma engrenagem demoniacamente democrática no rebaixamento. Sentem prazer em fazê-lo? Provavelmente, um prazer difuso, mal percebido, mas sempre um prazer. De poder, de rebaixar indistintamente, de deixar claro o poder que reside em igualar desigualando na insensatez. Fazer triunfar a insensatez animalesca com alguma desculpa que mal compreendem.

E está tudo ordenado para que o agredido, o humilhado, um pouco menos bestializado que o agressor, ainda assim sinta-se obrigado a buscar para a agressão uma explicação racional. Para submeter-se fazendo sua submissão ser algo voluntária, como que inescapável, porque afinal os poderes são fortíssimos e ser diferente é indecente.

Terá passado pelas cabeças da idosa e de sua filha mandarem tudo à puta que os pariu e dar meia volta, desistir da viagem? Talvez, mas seria escandaloso nesse país campeão em hipocrisia e violência, que fala em liberdade, como de um nada qualquer, e não respeita qualquer liberdade. Seria mais constrangedor ser livre que ser escândalo a não aceitar voluntariamente a falta de liberdade e a humilhação da canalhocracia.

Assim operam os poderes fortes nos discursos técnicos ou científicos. São irresistíveis até sem coacção física, porque são poderes do discurso epistemológico. Encarceram coercitivamente apenas nos casos mais extremos, como a prisão, o manicômio ou o hospital. Não há recursos, não há apelações, não há outras instâncias, pois todas são escalas da mesma coisa.

Sem coerção física coagem pelo medo da diferença. E não se cuida do medo da diferença social, somente, mas do medo da diferença entre o normal – aquele que acredita no saber técnico – e o anormal, aquele que acredita em si. Dá medo duvidar do especialista, do detentor do saber técnico, seja ele jurídico, psiquiátrico ou médico, ou seja, de qualquer enunciador de um saber poder.

A liberdade é Monicelli, mas há poucos dele…