Ainda surpreendo-me com o tamanho dos porcos criados para abate industrial. Já falei disto antes e não se trata de ter visto os suínos destinados a serem cortes nobres nas prateleiras de mercados. Trata-se de imaginar de onde pode ter vindo um pedaço de lombo de tão largo calibre, porque são quase da mesma largura do lombo de boi.

Pois bem, comprei um belo pedaço de lombo suíno, de oitocentos gramas, com capinha de gordura num dos lados. Um pedaço maciço e sólido da carne de mamífero mais saborosa que há, depois da humana, é claro, a crer-se nas crônicas da conquista castelhana do México. Os astecas levaram consigo esse refinamento estético do consumo de carne humana…

Inicialmente, pensei em mais uma reprodução da maravilha que é o porco de caril – mesmo que sem leite de côco – mas mudei de idéia, embora tenha ficado por sabores ainda indianos ou quase. Resolvi que os protagonistas seriam, além do porco cortado em cubos, o gengibre e a deliciosa manga rosa.

Esse prato é basicamente um exercício de cortar carnes, legumes, verduras, raízes, frutas, dosar bem o pouco de sal e mexer o que vai na caçarola.

Pus a caçarola ao lado da tábua de cortar e comecei. Primeiro, um molho de cebolinhas, fatiadas bem fininhas. A seguir, um pedaço de gengibre de cinco centímetros por dois, cortado em pedacinhos os menores possíveis. À medida que se cortam, vão-se deitando na panela, o que ajuda a manter a tábua vazia e com espaço para o ingrediente seguinte.

Meia cebola, um tomate e meio, meio molho de coentros, tudo bem picado. Alguns pedaços de brócolis e vagens, previamente cozidos na água e sal. Um terço de uma cenoura ralada. Com tudo isso na panela, põe-se azeite por cima e não me perguntem a quantidade, porque vai de vista o necessário. O sumo de meio limão siciliano, um pouco de cúrcuma – o açafrão da terra ou de pobre, como também se o chama – e um pouco de páprica doce.

Os cubos de carne de porco fervem por meio minuto, em pouca água e pouco sal. Está na hora de acender o fogo, no mais baixo possível e com a panela tapada.

Com pouco, o cheiro do refogado com muito gengibre e mais outras coisas saborosas como as cebolinhas enche a cozinha. É hora de cortar em pedaços pequenos a manga rosa, maravilha de sabor e com poucas fibras, ao contrário da manga espada. Basta descascar a manga e cortar os dois grandes pedaços laterais ao caroço. O restante, come-se enquanto o preparo segue.

Os pedaços de manga entrarão junto com os cubos de porco, porque uns não suportam muito fogo e outros já estão meio cozidos. A manga se desfará totalmente e deixará somente aquele doce espetacular que contrastará com o gengibre, sem se agredirem mutuamente. Ao final de tudo, pouco antes de apagar o fogo, entram os brotos de soja já cozidos.

Entretanto, numa panela pequena, pus um pouquinho de gengibre picado e dois dentes de alho também picados bem pequeninos. Um pouco de azeite e uma xícara de arroz basmati. Tivesse eu talento e vontade, escreveria ode ao arroz basmati, ao seu cheiro e ao seu sabor, e bania as demais variedades… Enquanto duas xícaras de água esperam levantar fervura, o arroz com gengibre e alho é refogado em pouco azeita, mexendo-se sem parar.

Tão logo a água ferve, despeja-se na panela do arroz e espera-se que cozinhe até estar quase toda a água evaporada.

Evidentemente que sou suspeito e que um cavalheiro nem mostra suas mazelas, nem seus êxitos, mas estava de apetecer aos deuses. Acompanhou-se tudo com um chardonnay bem frio.