Agosto é um mês terrível no entre-douro-e-minho. O calor é infernal e os dias são demasiado longos até para quem gosta deles longos. O sol é inclemente e fico a pensar na quantidade de problemas cutâneos que terão no futuro os locais e os europeus do norte, todos a sonharem com uma tez acobreada, que obtém.

Este inferno de calor e sol tem suas compensações; bem poucas, é verdade. A cidade, Braga, no caso específico, fica esvaziada de seus moradores das classes médias e altas; pois estão todos a cumprirem suas obrigações de veraneio nas praias vizinhas. Torna-se mais fácil caminhar e tomar um fino aqui e acolá, exceto ir a centros comerciais, é claro.

Não faz muito sentido está necessidade premente de ir à Póvoa, a Esposende, à Vila do Conde e a onde mais próximo seja. Isso seria perfeitamente compreensível se se estivesse na Suécia, mas onde há quatro meses de calor e oito de relativo frio, é um pouco como arremedar hábitos suecos. Não é disso que se trata, todavia.

Em agosto, todo o êxito obtido pelos emigrantes em França, Suíça e Luxemburgo mostra-se. Quem saiu de seu país obrigado precisa mostrar aos filhos dos privilegiados de antanho que prosperou. E assim se faz! Não são poucos os automóveis de último tipo com registros de França e não é pouco o francês que se escuta por toda parte.

Dizer que na cidade ouve-se tanto francês quanto português seria sucumbir à sedução do exagero. Mas, dizer que no Sá Carneiro ouvia-se tanto uma quanto outra língua em iguais proporções seria apenas cumprir dever de honestidade.

Nos centros comerciais, esses infernos menos quentes, a coisa pode tornar-se cômica. Estava num deles – o maior de quantos na cidade – e, sentado a comer algo, prestava atenção em um grupo sentado ao lado. Havia duas gerações e muitos colaterais.

A senhora, mãe do menino a quem alimentava, dizia-lhe, com ar impaciente:

– Prends la soupe, petit garçon.

E nada resultava, porque o menino fazia birra e divertia-se com primos e amigos e um previsível telemóvel. Ao que a senhora insistia:

– Prends la soupe, petit garçon!

E nada do menino tomar a sopa…

– Prends la soupe, garçon!

Eis que a senhora, muito velha pra ser de língua mãe gaulesa e muito nova para se ter esquecido da língua mãe, torna a ser aquela de há quarenta anos, despe-se da bem assimilada língua de Molière, e explode em autenticidade:

– Toma logo esta sopa, menino, senão parto-te os cornos!

O menino, que certamente fora alfabetizado em francês, porque nascido em França, percebeu logo que a brincadeira terminara. Curioso, porque certamente entendia melhor as exortações na sua língua nativa, mas não ignorava a gravidade do retorno súbito da sua mãe à língua nativa dela.