Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Rio + 20: teatro verde.

Encena-se uma conferência mundial, no Rio de Janeiro, sobre meio-ambiente e sustentabilidade, essa última a palavra fetiche atual. A reunião é uma má encenação teatral, porque não chega perto de ser arte. É teatro no sentido de disfarce, de cenário puro e simples para o desfile de personagens desinteressantes, com falas artificiais.

Esse tipo de contubérnio dá oportunidade de se dizerem coisas essencialmente contraditórias como se fossem as mais puras harmonizações. O discurso bonitinho das soluções possíveis dentro do mesmo modelo aí triunfa e obtém vasta audiência acrítica.

A deterioração do meio ambiente é fato, mesmo que não seja provado o aquecimento global antropogênico, a pedra de toque de todo o discurso verde. Aliás, há bastante má-fé na insistência monocórdia no aquecimento global, que é apenas um aspecto a ser considerado nesta questão.

A queda da disponibilidade hídrica e os danos resultantes da exploração e consumo de minerais é que revelam mais claramente a deterioração do meio ambiente. Há menos água disponível para consumo humano, para geração de energia elétrica, para a indústria, para a pecuária e para a agricultura, tanto por esgotamento frente ao consumo crescente, quanto por contaminação, no que se refere a consumo humano.

Muito embora haja efeitos globais da deterioração do ambiente, os efeitos locais são muito mais sensíveis. Isso foi rapidamente percebido pelo parte do mundo mais rica e resultou em inteligentes exportações de danos ambientais.

A Europa é o exemplo de mais êxito nessa inteligente política. Manteve o cultivo agrícola nas áreas viáveis, aumentou bastante a produtividade onde havia água disponível e deu estímulos protecionistas aos produtos agrícolas. Partiu para geração de energia elétrica de matriz nuclear, a par com a queima de hidrocarbonetos importados.

Ou seja, a Europa exportou a devastação ambiental para as áreas pobres do mundo, de quem compra minérios e outros insumos. Os resultados negativos da exploração de minérios – metálicos, não metálicos e petróleo – ficou para as áreas produtoras. Os resultados negativos da produção de alimentos intensivos em extensão de terra e consumo de água, como é a produção de carne bovina, ficaram para os produtores.

Hoje, com o empobrecimento relativo do sistema Europa – América do Norte, o discurso verde é mais uma tentativa de dividir os custos com quem não auferiu os benefícios que alguma coisa realmente voltada para a conservação ambiental. É vil servir-se dessa linguagem para impedir que os mais pobres e maiores produtores de recursos naturais aufiram, agora, algum benefício dessa exploração.

Quando todas as commodities estavam relativamente baratas e os preços eram apropriados por um diminuto grupo ligado aos interesses externos, nunca houve discurso verde. A apropriação pelos compradores era dupla: tanto os preços eram baixos, como eram repatriados aos pagadores. Ou seja, tratava-se de simples exploração. Isso funcionou muito bem na África e na América do Sul.

Quando os produtores passaram a ficar com parcela maior do resultado da exploração e a dividi-lo menos concentradamente, as coisas mudaram de figura e o verdismo assumiu ares de discurso salvífico.

É interessante notar que o ambientalismo, como proposto, é uma contradição em termos. A farsa é propô-lo como possível a par com o aumento do consumo. Ele não se harmoniza com o modelo capitalista, o que não é invectiva contra ele, nem contra o capitalismo.

O capitalismo não conhece travas, nem limites. Os poucos limites em que os crentes na vacuidade que se chama direito acreditam atuam apenas nas margens e, quando é necessário, são afastados pela exceção, que reivindica para si a qualidade de insitamente jurídica.

O capitalismo implica produzir mais e mais, sempre, sob pena de não ser. Ele não conserva algum fator de produção, porque considerou que ele poderia esgotar-se mais ou menos rapidamente, ou porque considerou que o exaurimento do fator pudesse gerar algum inconveniente mais adiante. Essas considerações são-lhe totalmente alheias.

A conservação do ambiente e o aumento da produção são coisas incompatíveis e não se tornam compatíveis porque algum processo produtivo tornou-se mais eficiente, marginalmente. Os ganhos de produtividade são apropriados pelos aumentos da produção e, assim, mais que diluídos, são em muito superados pela marcha. Somente imensos saltos na produtividade – nomeadamente em geração de energia – podem ter efeitos positivos na conservação ambiental e esses ganhos estão longe de ocorrerem.

Existem duas linhas de fuga para a conservação ambiental. Uma pode ser confundida com o empobrecimento global e a confusão passa por crer que a redução dos níveis de consumo signifique redução de qualidade de vida. A redução do consumo do que depende de insumos cuja retirada é ambientalmente danosa não implica necessariamente a queda da qualidade de vida. Basta imaginar que é possível as pessoas continuarem a deslocar-se sem a necessidade de milhões de novos automóveis serem vendidos mensalmente.

Outra passa pela reordenação geopolítica, o que é mais complicado. Assim, uns passariam a consumir menos, para que outros pudessem elevar seus níveis – historicamente deprimidos – até um equilíbrio. Isso se faria por meio de preços, mais que por discurso ou mecanismos de compensações artificiais.

Exatamente por ser mais complicada a segunda e por ser impossível de proposição a primeira, o teatro Rio + 20 ficou a passear em torno de quase nada. Abstraindo-se do que é conversa para induzir sono em bovinos, ficaram pelas beiradas do segundo caminho e a reunião, na verdade, foi uma medição de poderes.

Foi bom que tenha sido assim, porque tangenciou-se a irrealidade e pôs-se na mesa o início do que será profundamente antipático: os preços vão subir.

4 Comments

  1. Sidarta

    Tenho uma antipatia a ambientalogistas desde os tempos em que era funcionário do governo federal. Se Buda ouvir o que estou dizendo a você vai sem dúvidas me repreender, mas mantenha essa minha opinião só entre nós: confesso que tenho muita vontade de ainda comer um churrasco de carne de bunda de ambientalogista, da sua parte mais tenra…. e bem passado…

    • Andrei Barros Correia

      Carne de bunda na brasa deve ser maravilhoso! Os astecas diziam que o porco era o que havia de melhor depois da carne humana. O problema com um corte de bunda de ambientalista é que pode ser muito magro e o sabor da carne geralmente está na gordura.

      Eu acho que o ambientalismo é uma coisa interessante, desde que passe do complexo de culpa do capitalismo. Ou seja, desde que passe de um discursozinho de sedução da classe média que se acha up to date, mas não renuncia, nem renunciaria ao seu padão de vida.

  2. Pedro

    Não raramente os países ricos exportam lixo ao terceiro mundo. E tem quem acredite que o colonialismo acabou e os países pobres assim permanecem por exclusiva culpa sua.

    • Andrei Barros Correia

      Pois é, Pedro.
      Isto que disseste sempre me chama muito a atenção. Isto de achar que o dominado encontra-se em situação inferior por culpa sua. É uma forma, nada sutil, de se negar o domínio.

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