Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

Salário de R$ 30.600,00 para juiz do supremo: a ditadura da burocracia e a pretensão à imunidade crítica.

Muitas coisas são comparáveis. Os tolos e os mal-intencionados sabem disso, mas só comparam segundo suas conveniências. Bem, dito isso, é bom saber que o salário mínimo, no Brasil, é de R$ 545,00, o que resulta em U$ 328,00, na taxa de câmbio comercial de hoje: 1,66 real/dólar norte-americano.

Em 2012, o salário mínimo será de R$ 620,00, ou seja, U$ 373,00. Os juízes do supremo tribunal federal e o procurador-geral da república querem que seus salários aumentem para R$ 30.600,00, ou seja, U$ 18.433,00. Eles querem ganhar 50 vezes um salário mínimo, diferença proporcional escandalosa, sob quaisquer parâmetros. Tal diferença não existe em canto algum, onde haja um salário mínimo legal e um salário máximo para a função pública.

Eles passam ao largo dessa obscena desproporção, porque ela os favorece. Por isso, dizem que as comparações são incabíveis. Se se tratasse de comparar para mostrar um eventual salário reduzido dos juízes, eles se serviriam das comparações com toda a tenacidade possível. Se fosse de seus interesses, eles publicariam nas portas dos fóruns as tabelas de salários de juízes e de salários mínimos, no mundo inteiro.

Apegam-se a aspectos formais desprezíveis, em posturas incompatíveis com a dignidade que pretendem e com a insistente ênfase para os tais cargos de soberania. Curioso, cargo de soberania que nunca passou por consulta popular, ou seja, pelo crivo dos soberanos, o povo.

Dizem que a constituição assegura a reposição das perdas inflacionárias. Realmente, a constituição tem esse objeto arqueológico e estúpido de indexação. Acontece que eles, os juízes do supremo, já decidiram várias vezes que essa cláusula constitucional é meramente formal! Sim, em várias questões sobre carreiras de funcionários públicos, esses senhores disseram que a garantia é de revisão anual, pouco importando de quanto.

Quando se trata dos interesse deles, a garantia assume ares materiais, diferentemente do que decidiram para outros. Isso é o que se espera de juízes? Espera-se que a mesma cláusula valha diversamente para classes em situações idênticas? Que julguem em causa própria?

Outra coisa notável é a arrogância que se descobre nas suas posturas. As mesmas pessoas que gostam de pedir tudo aos outros bem explicadinho, detalhadamente, que gosta de por os mortais a lhes pedirem suplicantemente, com genuflexões, como quem pede a deuses mal-humorados e caprichosos, expõe seus pleitos com uma superioridade mal-disfarçada.

Pedem um aumento absurdo como se fosse a maior trivialidade, uma coisa óbvia e previamente devida, certa, impassível de dúvidas. É de comover! Todo o restante do mundo assalariado tem que se expor a insistências, a explicações, a dar razões consistentes, mas esses senhores apenas devem comunicar o que desejam, para que seja ratificado. Mas, quantos votos eles têm?

Eles têm que explicar que valem o que pedem, porque pedem a todo o povo que custeia o Estado que lhes conceda o que acham devido por direito divino. Podiam lembrar-se que, há pouco mais de dez anos, pediam mais discretamente e recebiam nada, no caso específico do consulado de Fernando Henrique Cardoso. E este, Fernando Henrique, não os deu nada  e não foi porque tenha consultado o povo, mas simplesmente porque não quis e não se preocupou com isso, forte em patrões robustos e ideologias religiosas que se queriam liberais.

Não há qualquer razão para o governo e o congresso cederem à chantagem judiciária. Uma greve de juízes? E daí? Se a fizerem, a imprensa contrária ao governo vai dar ênfase, mas o fará não porque queira que eles tenham o aumento, apenas porque qualquer coisa que sirva para falar mal do governo calha bem. Entrarão nesse comércio de cabeça, assumirão os riscos do flerte com a imprensa de baixo nível que domina a cena?

2 Comments

  1. Germano

    Não há teoria econômica que se contraponha a um texto como esse. Disse tudo. E esse tudo é trágico. Um país refém da corporação burocrática. Um país sem futuro. Se tiver sorte, vira uma china. China com um senão: uma sociedade sem coesão social, uma sociedade anárquica onde uma classe média em ascenção se vê acuada por uma turba cada vez mais sem cultura e violenta (a violência é endêmica na sociedade brasieira, ponto). Uma sociedade de consumo, uma expressão do modelo de leilão Walrasiano. Uma sociedade fragmentada: por um lado, uma burocracia de eficiência soviética -impávidos em seus cargos sempiternos, sem qualquer responsabilidade social (sabem muito é reclamar, palavra mais proferida: “absurdo!”); de outro um universo de trabalhadores doutrinados pela eficiência produtiva, sem margem a erro, incapazes de investir em cultura – consomem os recifolias e os jogos na ilha do retiro. Diálogo entre as duas classes de cidadãos: “minha pizza ainda não chegou, isso é um absurdo!”. Diálogo?

  2. Andrei Barros Correia

    Tu lembraste uma coisa assustadora, a que, volta e meia, me entrego a pensar.

    Uma classe média ascendente acuada por massas incultas e violentas, que foram mantidas propositadamente assim. Elas, as massas, também ascendem um pouco.

    E ascendem com o que têm e sendo o que são, pois não seria diferentemente.

    A religião é comprar, escutar alguma merda musical e embriagar-se e, depois fingir-se de penitente e dar algum dinheiro ao pastor.

    Esse cenário de inferno foi criado e estimulado. Existe a ilusão controle, pura ilusão, porque a sociedade é profundamente fragmentada e imbecilizada.

    Quando o controle resulta inviável, partem para o pau e as balas. É matar esses selvagens, a quem nunca permitimos que fossem outra coisa…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *