Toda lógica de atuação social tende a tornar-se inercial e, portanto, autoreplicar-se sem que os agentes percebam claramente o que fazem e porque o fazem de tal ou qual maneira.

O domínio de poucos sobre muitos depende bastante deste tipo de inércia percebida como um estado natural de coisas. Claro que isso tudo, de tempos em tempos, é temperado com pequenas pitadas de razoabilidade e de aparência de igualdade formal.

Em junho, acontece algo extraordinário nestas bandas do nordeste do Brasil: festas de São João que levam quase o mês inteiro. Em Campina Grande, precisamente, há um espaço dedicado à realização desta farra de trinta dias, que hoje pouco tem de tradicional, na verdade.

Como é intuitivo, o espaço fica cheio de gente, e nos finais de semana fica tão repleto que é quase intransitável. Esse tipo de aglomeração é ideal para a prática de pequenos furtos e alguns roubos. Assim, são tomados certos cuidados com a segurança.

Todo o amplo espaço é fechado no seu perímetro, a partir das cinco horas da tarde, e há quatro ou cinco locais de entrada e saída. Nestes pontos, há dois corredores de entrada, um para mulheres e outro para homens.

Neles, fiscais passam rapidamente aqueles detectores portáteis de metais, em busca de armas brancas ou de fogo. Caso os detectores acusem metais, o que quase sempre ocorre, por causa de moedas e chaves, faz-se uma rápida revista com as mãos. Realmente, não é nada constrangedor, nem invasivo.

Não gosto de multidões concentradas, nem gosto dessa música ruim que o atrevimento sem fim da indústria de entretenimento achou de chamar de forró, nem gosto de pagar caro por coisas ordinárias. Assim, só vou lá bem cedinho, pelas seis, sete horas, para uma brevíssima volta, pois nesta altura há pouquíssima gente e apenas trios de forró de verdade.

Eis que entrava e o detector de metais apitou. Claro, tinha um bolso cheio de moedas e no outro as chaves de casa. Parei e fiz menção de meter as mãos nos bolsos e retirar o que lá se encontrava, para provar ao sujeito da segurança. Ele balançou a cabeça e disse: nada, pode entrar, vocês são gente de bem… 

O maluco concluiu que éramos gente de bem – o que quer que isso signifique – e não fez em mim a revista com as mãos, que é de praxe quando o detector apita. Tudo bem, segui em frente. Mas, detive-me brevemente, apenas o suficiente para entrever uma cena que daria uma tese de doutoramento.

Atrás, entravam pai e filho, sendo este último uma criança à volta de quatro anos de idade. O detector de metais apitou quando o pai entrou e ele foi rapidamente apalpado nas pernas. Em seguida, entrava o menino, que devia ter qualquer coisa metálica no bolso e foi revistado manualmente.

A revista não teve nada de agressiva, intrusiva, humilhante, nada disso. Foi rapidíssima e superficial. Acontece que um menino de quatro anos foi revistado e eu não fui, mesmo que o detector de metais tenha apitado nos dois casos.

O menino de quatro anos e o pai eram pretos, assim como o sujeito da segurança…