Em 1976, o governo chinês ofereceu um banquete a Valéry Giscard D´Estaing. Fala-se que foram servidos 65 pratos, desde as entradas até às sobremesas. Não foi à toa que toda a sofisticação da alta culinária chinesa foi exposta nesta ocasião e não nas recepções a gente mais importante, como Nixon ou Kissinger. Estes últimos não perceberiam e a coisa perderia simbolismo.

Giscard tinha reabilitado o protocolo real Bourbon, no Eliseu, e portava-se como se fosse um deles e não apenas um filho de banqueiro que estudou na Politécnica e na ENA e que serviu ativamente na segunda grande guerra. Pedantíssimo, mas quase nobre, a verdade deve ser dita. Ele impressionou-se com aquela demonstração a evidenciar que a cozinha chinesa elevada era mais sofisticada que a francesa e que a etiqueta à mesa era mais sutil.

Para os comuns dos mortais, nós, enfim, é impossível saber o que é um grande e sofisticado banquete chinês. Imagino que seja fascinante, que seja demorado, que seja necessário beber goles d´água a todo momento, que seja necessária imensa memória para reter tantos sabores, que seja necessário ser muito parvo para não perceber que o anfitrião ri-se do convidado como um conselheiro do reino fazia dum rendeiro seu que vinha dar contas ao almoço.

Embora a alta culinária chinesa não seja conhecida, fato é que a cozinha plebéia cantonesa espalhou-se pelo mundo e é extraordinariamente homogênea nos milhares de restaurantes. Seria tolo achar que vendem em Roma ou no Porto o mesmo que em Guangzou. Mas, seria ainda mais tolo ainda dizer que não é chinesa essa comida oferecida em toda parte. E é deliciosa.

Com um wok, óleo, legumes, molho de soja fermentada e qualquer carne, ou sem carnes, faz-se aquilo que não dá errado: um prato que começa com fritura e envolve sabores pronunciados. Pois bem, resolvi enveredar pela cozinha comum chinesa, de posse de um wok, é claro.

Cortei uma cebola pequena em pedaços à toa, uns finos, outros quadrados. Piquei escrupulosamente um pedaço meio grande de gengibre. Deixei logo a cebola e o gengibre no wok com azeite e um pouquinho de molho de soja. Em seguida, cortei meia cenoura pequena em finas tiras de uns três centímetros, cortei uns poucos de brócolis e de couve flor.

Pus 400g de anéis de lulas e 400g de camarões médios para cozerem na água com pouco sal. Depois de levantar fervura, passam apenas um minuto e apaga-se o fogo e retiram-se da água quente. Tanto os camarões quanto as lulas são saborosíssimos com pouco tempero e pouca cocção.

Entretanto, põe-se para cozinhar macarrão de arroz. Apenas seis minutos depois de levantar fervura bastam. Reserva-se o macarrão escorrido.

É hora de acender o fogo embaixo do wok. Rapidamente, as cebolas, gengibre picado, cenoura fatiada e molho de soja começam a frigir e devem ser constantemente salteados com uma colher plana de bambu. A seguir, entram os camarões e anéis de lula e, pouco depois, os pedaços de brocoli e couve flor. Mexe-se o tempo todo, meio sem método, nesta panela que tem a mesma inteligência da grande frigideira de fazer paella.

Algum tempo depois, deita-se o macarrão, que deve ser bem misturado para impregnar-se do molho de soja. Come-se logo. Acompanhou um tinto forte argentino, Malbec. Mas, dá para comer com um branco forte, também, porque o sabor do gengibre é dominante, junto à peculiar doçura da lula.