Um espaço de convívio entre amigos, que acabou por se tornar um arquivo protegido por um só curador.

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Condutores conduzidos.

Os mitos da racionalidade objetiva e do controle e previsibilidade integral dos processos históricos, políticos e econômicos levam muitos à perplexidade, porque a história insiste em desautorizar o sacrifício em homenagem a estas crenças. Esses mitos seriam atributos inerentes aos detentores do poder, sendo indiferente que se acredite terem poder por terem essas qualidades ou, antes, terem essas qualidades por terem poder.

O poder não se encontra onde parece evidente; ele é fugidio como são as forças difusas inerciais. Não é a reunião de núcleos individuais, embora as forças individuais intensas sejam um dos componentes a lhe dar inercia. Não provém, tampouco, apenas da detenção de riquezas imensas, porque as riquezas sem uma narrativa de justificação não produzem poder ou o produzem fraco.

A perplexidade que frequentemente se produz advém de se ver gente supostamente integrante de núcleos de poder – mesmo que em escalões baixos, como minions – a agir contra os próprios interesses econômicos, o que, de acordo com o senso comum, é a negação da racionalidade objetiva.

Isto significa que eles – os detentores e exercentes do poder – guiam-se por atitudes religiosas e desejos, a par com o que se consagrou chamar racionalidade objetiva. E significa também que a previsibilidade e o controle, se existem e são possíveis, são coisas distintas do que se diz serem. E, mais importante, significa haver muito de inércia e acaso por trás das situações privilegiadas destes detentores de poder, pelo menos daqueles de escalões médios e baixos.

Há uma metáfora que se aplica a isto: a do traficante de cocaína que é viciado em cocaína. O sujeito que vende o que acredita bom.

Mas, não há indicativos de que este processo difuso inercial, que é o poder, pudesse ser diferente. Até porque ele é essencialmente concentrador e livra-se por centrifugação dos integrantes acessórios, em velocidades cada vez maiores. Curioso é que estes indivíduos acessórios, mesmo após expurgados do processo, seguem a professar sua fé no sistema que os veio a descartar, o que é mais um elemento a desdizer a incensada racionalidade objetiva a presidir as ações.

Viram-se muitos indivíduos pequeno, médio e grandes empresários brasileiros fervorosamente a favor do afastamento do modelo de capitalismo meio inclusivo com foco em mercado interno promovido pelo Presidente Lula e, em menor escala, pela Presidente Dilma. Festejaram o êxito. Agora, seus negócios tornam-se menos rentáveis, porque o golpe só visou a favorecer, em larga escala, o esquema financista, o que era previsível.

Nada obstante, ao contrário de arrependimentos, como muitos querem ver, há perplexidade, como se algo tivesse dado errado por razões nebulosas de políticas econômicas. Nada deu errado, na verdade, porque o anunciado e realizado destinava-se, no plano interno, à destruição do poder de compra das massas, em detrimento delas – evidentemente – e de quem a elas vende.

Mas, significativa parcela dos que tem o poder econômico é, ao mesmo tempo, condutora e conduzida e incorporou o que a imprensa difundiu, sem qualquer filtro crítico. O ódio, algo que os realmente dominantes terceirizam para os médios e pobres, passou a guiar gente que se supunha capaz de racionalidade objetiva. Agiram como se comungassem dos interesses do sistema financeiro, como se fossem todos banqueiros ou se pudessem tornar.

À semelhança do que ocorre com a maioria das classes médias, seu único consolo será ver os pobres e miseráveis perderem mais…

 

 

O incêndio extingue-se quando se extingue o oxigênio.

A afirmação do título não chega a ser uma contradição, senão algo aparentemente contraditório apenas à partida, antes de se pensar um pouco. O fato é que explosões são meios eficazes de extinguir incêndios em ambientes fechados, por causa do súbito consumo do oxigênio disponível.

Essa forma de extinção pode ser extrapolada para os processos históricos e políticos, que podem ser detidos por causa de sua aceleração vertiginosa por forças caóticas internas. Contudo, não é de catarse que falo, pois não há nisso purificação, nem ocorre no âmbito de uma tragédia. Trata-se de um drama.

O golpe de Estado dado no Brasil, em 2016, implicou, basicamente, a presença simultânea de dois elementos: a cobiça externa pelas reservas brasileiras de petróleo e a demofobia das classes média e alta. Sem qualquer um destes elementos, não teria sido possível a deposição da Presidente Dilma. Isoladamente, um e outro não seria suficiente para o processo golpista ter êxito, porque a propaganda mediática dependeu fortemente da demofobia.

A imprensa e a corporação judiciária catalisaram estes dois elementos astuciosamente, a partir de tecnologias adquiridas externamente. O caldo do golpe cozinhou longamente. As classes médias foram deformadas – para além de seu normal – por uma narrativa mediática moralizante, que rendeu bons frutos porque semeada em bom solo. Esse moralismo seletivo demonizou, tanto personagens de ideologia nacionalista, quanto a cadeia de produção de petróleo.

As classes médias são profundamente demofóbicas e identificam-se por cima, como se comungassem os interesses do 01% e este é, dentre muitos, seu aspecto mais estúpido. Essa característica tornou fácil instilar ódio por quem, mesmo pouco, melhorou as vidas dos mais pobres, algo essencialmente imperdoável. A redução de desigualdades sociais apavora as classes médias mais até que as perdas sofridas por ela mesma.

Então, todo o discurso sobre corruções com dinheiros públicos – exclusiva de certo partido, claro – é apenas a capa narrativa de um alerta e de uma promessa mais profundos. O que se diz subrepticiamente é: os de baixo chegam perto de vocês. O que se promete é: deteremos este avanço. O aviso e a promessa, assim como o disfarce moralizante delas, seduzem profundamente o público específico a que visam.

Ocorre, porém, que o golpe não foi nem é algo que se compreenda pelas balizas tradicionais. Não foi apenas um movimento de instalação de ultra liberalismo. Ora, o golpe traz a destruição do mercado interno brasileiro e de milhões de empregos e isso, evidentemente, não é coisa interessante do ponto de vista capitalista. É simples: não se vende na ausência de quem compre.

Tampouco transformará o país em plataforma exportadora, como uma espécie de México em segundo grau, porque os juros praticados não permitem a depreciação do real, moeda brasileira, e encarecem os produtos feitos no Brasil. Assim, o golpe como promotor de vantagens para quem o fez só se compreende como saque de riquezas naturais, nomeadamente minerais. No curso deste saque, os agentes operadores internos recebem suas comissões.

Nada do que se faz como política econômica, pelo governo golpista, resultará em crescimento e, muito menos, em justiça distributiva. Não resultará porque não visa a isto, na mesma medida em que não se ministram venenos a alguém para preservar-lhe a vida ou melhorar a saúde. Ou seja, o programa é, realmente, de terra arrasada.

A destruição de um país com 200 milhões de habitantes, dentre os quais dezenas de milhões aumentaram sensivelmente seus níveis de vida e de consumo nos últimos doze anos, não é algo que possa acontecer muito placidamente, por mais esforço ilusionista da imprensa corporativa.

Não é ocioso repetir que há diferenças entre negar a concretização de expectativas e fazer retrocederem as pessoas a situações materiais precedentes. Enfim, impedir de melhorar é diferente de obrigar a retroceder e a segunda tarefa é muito mais díficil de ser levada adiante com pacífica aceitação, por mais estúpido e anestesiado que seja um povo.

Nem mesmo a atual festa promovida por algumas corporações de servidores públicos, que resolveram pilhar tudo o possível, o mais rápido possível, será viável, em breve. Tanto faltará dinheiro, por um lado, quanto faltará apoio mediático a este saque, uma vez cumprido o papel dado a estas corporações pelos articuladores maiores do golpismo. O divórcio do judicial e da imprensa é algo certo, apenas a data é incerta.

Esta situação permite especular sobre a explosão no processo histórico-político. E creio que mais prováveis são, ou a convocação de eleições diretas, ou um golpe militar.

 

 

 

 

Convenceram-te de que eras rico.

É relativamente fácil – e verdadeiro na essência – enunciar que as pessoas são levadas a agirem politicamente contra si mesmas por conta dos efeitos da propaganda que se convencionou chamar jornalismo. É demasiado óbvio, mesmo. Contudo, não é tão óbvio com qual narrativa isso foi atingido.

Ou seja, o agente é a imprensa e o meio a propaganda, mas o conteúdo material desta propaganda merece ser analisado. Não seria qualquer discurso apto a conduzir vastas camadas ao entorpecimento e a posturas verdadeiramente ilógicas, nem seria suficiente apenas a supressão de informações ou sua fragmentação, duas técnicas tão comuns quanto eficazes.

A supressão e a fragmentação desestruturam a informação, fazendo-a insignificante, no fundo. As possibilidades de compreensão ampla e de inserção de cada porção no todo, adequadamente contextualizadas, são afastadas. Essas técnicas confundem e impedem a compreensão defensiva. Porém, não levam ao desejo positivo do desfavorável.

Uma coisa é não perceber o desfavorável, por falta de elementos ou por elementos misturados confusamente, outra é desejar o desfavorável. Conseguir produzir o segundo estado é o objetivo sempre sonhado da engenharia social.

Pois bem, o governo brasileiro atual adotou uma medida que consiste em congelar todas as despesas públicas por vinte anos, exceto o pagamento de juros da dívida pública. Isto é algo que não se insere, nem se compreende, pelas perspectivas teóricas da teoria econômica liberal ortodoxa ou heterodoxa. Só se compreende pelo prisma do banditismo. Essencialmente, é uma aberração em que todos perdem, exceto os financistas.

Pressupõe que o futuro foi adivinhado com vinte, dezenove, dezoito anos e assim em regressiva sucessão. Supõe também que uma das partes do agregado demanda é desprezível e que o total pode crescer com um dos elementos paralisado, como se os fatores não se influíssem reciprocamente.

Que se proponha algo assim, compreende-se. Que se o aceite e deseje por parte de quem certamente perderá, é algo já desafiador. Pois observa-se que grandes contingentes desejam a medida, como se não percebessem que pela parte do vendedor não é bom que se reduza o poder do comprador.

A mágica, creio eu, passa por terem sido as pessoas – e principalmente aquelas que teriam a mítica racionalidade empresarial – levadas a crerem-se inatingíveis por se terem identificado por cima. Convenceram-nas de que são muito ricas para sofrerem os efeitos do congelamento das despesas públicas; convenceram-nas que não vivem ou dependem de despesas públicas.

O mais divertido disto tudo é ver que os interessados em promover tal convencimento são os que ganharão – e até aqui é óbvio demais – e que esses também vivem de despesa pública. Ora, na origem deste movimento – tanto da medida em si, quanto da guerrilha da propaganda – estão os bancos, que devem a maior parte dos seus lucros no Brasil exatamente aos obscenos juros que o Estado paga para obter financiamento!

Daí surge uma contradição deliciosamente não original: o problema não é de aumentar ou reduzir a despesa pública, mas de canaliza-la apenas para um reduzidíssimo grupo, sob os aplausos da enorme maioria, que perderá em maior ou menor graui, conforme a classe social de que se trate.

É necessário reconhecer que foi um trabalho excepcional!

Entrega total e democracia seletiva.

O golpe de Estado acontecido no Brasil, agora que consolidada a fase da deposição da Presidente legítima, visa a dois objetivos primordiais: 1) a liquidação dos serviços privados e públicos nacionais, a liquidação das grandes empresas de infraestrutura nacionais, a liquidação de direitos sociais e a venda das jazidas de petróleo; e 2) a inviabilidade de eleições posteriores de quantos forem contra os objetivos descritos no item 1.

Como alguns perceberam e apontaram, o grupo golpista joga na emergência e na conhecida janela de oportunidade de mais ou menos seis meses para a adoção das medidas mais drásticas e nocivas. Há muita pressa para fazer a entrega e o desmonte do Estado enquanto ainda se vive a confusão pós-golpe e o público está inebriado com o discurso histérico de que o mundo está a acabar-se.

Há, todavia, complicadores internos ao grupo que assumiu o poder, posto que não é homogêneo. A interlocução direta com os interesses externos é exclusiva de uma parte da nova sociedade instalada no poder governamental e esta parte, precisamente, quer as privatizações de riquezas e serviços, a quebra das grandes companhias nacionais e a liquidação dos direitos sociais o mais rápido possível.

Este grupo que tem entrada franca em Washington e nas diretorias do grande capital externo não tem a maioria parlamentar, nem consegue seduzir a maioria do povo votante, embora disponha do aparelho mediático e de parte das corporações judiciárias. Os outros sócios do novo poder conseguem fazer maiorias parlamentares e dispõem-se a jogar no tabuleiro da democracia formal.

Em suma, o desmonte do Estado, a entrega das riquezas minerais e o desmonte do sistema de garantias sociais mínimas não interessa na mesma proporção aos dois grandes grupos sócios da tomada do poder governamental. Mas, por um dos grupos deter a imprensa tradicional e o suporte do capital estrangeiro, o balanço de forças mostra-se assimétrico. Assim, o grupo provindo do maior partido político do país vê-se compelido a seguir os ditames dos outros sócios, sob pena de ataques mediáticos  e judiciais insuportáveis.

Ao contrário do que alguns supuseram, a máquina de inabilitação política judicial não estancou, nem estancará agora que se consumou o golpe, pois ela não perdeu a serventia. Essas ameaças continuarão a pesar sobre os integrantes do maior partido, a lembrar-lhes que devem conduzir e implantar as medidas mais duras, impopulares e de lesa-pátria, porque há o risco de serem também expurgados política e criminalmente.

Essa situação leva a concluir que a recolonização do Brasil será, sim, rápida e devastadora, porque o grupo que a queria mais suave não terá como resistir às chantagens dos interlocutores preferenciais dos interesses entreguistas. Nesta perspectiva, apenas reações populares intensas e insistentes poderão travar ou retardar esse processo destrutivo do país minimamente soberano, se houver quem confira coesão à reação.

A par com a chantagem de contenção, feita por um grupo golpista a outro, continua a caça ao ex-Presidente Lula, para inabilitá-lo politicamente e afastá-lo de eleições em 2018, pois teria chances boas, mesmo tendo sido alvo da maior campanha mediática de difamação da história do Brasil. Assim, qualquer candidato que se ofereça para as eleições contra o modelo entreguista que se instalou, deve fazê-lo cautelosamente e a pouco tempo do certame eleitoral, para dificultar a tentativa de destruição de sua imagem ou inabilitação judicial.

 Também é plausível que o novo modelo instalado após o golpe reduza a democracia apenas ao nível formal mais puro. Ou seja, ante o risco de perda eleitoral – porque as propostas são impopulares demais até para quem detém a imprensa – pode-se instalar um sistema seletivo, em que as candidaturas sejam ceifadas judicialmente conforme o risco que apresentem à manutenção do sistema recolonizador.

Assim, a aparência de democracia poderia ser mantida, ou seja, mantidas eleições periódicas em que só concorreriam os previamente autorizados. Seria uma forma clássica de oligarquia de aparência democrática, como nos EUA, por exemplo, em que as restrições de acesso ao poder fazem-se por filtros prévios ao acesso à disputa.

Narcisismo é a neurose do tempo espetacular.

Não disponho de conhecimentos em psicanálise freudiana e lacaniana que me permitam, nem me sugiram, falar de narcisismo sob esta perspectiva pura. Narcisismo, embora impreciso e ambíguo conceitualmente, será usado sem pretensões de rigor teórico, portanto.

Identifico muito essa subjetividade narcísica com puerilidade, com desenvolvimento incompleto das pessoas mental e corporal. Pode ter algo a ver com substituição de pulsões e parece-me razoável supor que o narcísico tem muito a ver com a ausência de uma erótica, por ele substituída.

Em perspectiva psico-social, o espelho não é sua melhor metáfora, embora pictoricamente não haja outra mais bela e sugestiva. A parede é sua melhor metáfora, porque é o que faz a reflexão do som, veículo físico do discurso. No discurso, mais que na gestualística ou na indumentária, manifesta-se evidentemente o narcisismo como motor da ação. Esse discurso, na verdade, não é comunicação, ele não tem nem precisa de dialeticidade alguma.

O narcísico não precisa de aprovação ou desaprovação, ele precisa discursar, deitar fora uma narrativa que ele escuta atentamente, para ajustá-la mais e mais à sua satisfação, ao seu gozo de impor um discurso que não demanda feed back. Ao prazer narcísico basta obrigar o outro a escutar o discurso, via de regra uma narrativa dentro do acervo de taras normalizadas do emissor.

Nisso, faço um pequeno parêntesis para dizer que precisamente no aspecto antes apontado o narcisismo é muito cansativo nas relações cotidianas, pois leva pessoas a falarem longamente e frequentemente suas invariáveis taras.

Confunde-se com oportunismo, se pensarmos em móveis da ação humana que visa a prestígio e protagonismo, principalmente em momentos de confusão que, na dinâmica espetacular, tendem a ser todos. O discurso narcisista destaca-se, nesses dias atuais de golpe de Estado no Brasil.

A forma que assume é de análise arguta das sutilezas dos movimentos táticos acontecidos no processo. E esta análise é sempre conduzida no âmbito jurídico, segundo a lógica de tribunal, numa dialética previsível em que antecipações de movimentos pequenos são anunciadas como o caminho para as Índias.

 É interessante notar que essas análises descritivas são muito sagazes e corretas, no que são descritivas de um aspecto marginal do processo, geralmente bastante previsível, o jurídico. É o prazer do jogador de tabuleiro, enfim, de que o enxadrista é o protótipo. Jogo chato e tendente à autocelebração, foi alçado a grande metáfora da inteligência…

Esse despejar de analises descritivas argutas, precisas, que apontam o que houve e porque e dizem o que haverá em seguida no microssistema jurídico, é muito narcísico e o não comportar objeções evidencia-o. Não são coisas objetáveis porque geralmente exatas, factuais e não teóricas ou argumentativas. Claro que o analista não aceitará que sua análise descritiva não é uma proposição teórica ou mesmo que não é mais que constatação pontual, mesmo que inteligentemente construída.

Na situação política atual do Brasil, o predomínio deste jogo circular que toma o jurídico como âmbito exclusivo será danoso para a compreensão do processo político e histórico e retardará, senão impedirá, alguma reação ao projeto entreguista do país. Por outro lado, é receita quase certa de sucesso fugaz para seus praticantes, que brilham no ambiente espetacular que adora os narcisismos difusos.

Moralismo, a condição da pendularidade.

A regra do jogo está dada há mais de dois mil anos; o neo-platonismo do cristianismo nascente consolidou-a com o matrimônio de helenismo tardio mistificante e judaísmo. Essa é nossa condicionante mais ampla e, dentro dela, o moralismo a mais presente.

A perplexidade de muitos com o golpe de Estado acontecido no Brasil, a vitimar a democracia, a antecipar o perecimento da soberania, do patrimônio nacional e dos direitos sociais tem ensejado análises variadas. Claro que análises a partir da perplexidade ou surpresa provém do que se pode chamar campo esquerdista.

Algo é comum à maioria destas análises: a afirmação de erros do PT – partido alvo do golpismo de inspiração externa – e da consequente necessidade de realizar mea culpa. Ora, a presença constante destes dois elementos revela que as análises não percebem o modelo maior em que tudo está inserido e são impregnadas de moralismo.

A questão do cometimento de erros é de uma banalidade imensa e os analistas parecem esquecer-se que o erro, além de sempre presente nos processos históricos e políticos, é algo que individualmente dilui-se a ponto de apagar-se. O erro, como opção equivocada, é algo muito micro no contexto geral. O processo, visto de longe, já trás os erros, na medida em que traz suas condições prévias.

A conquista do poder e a tentativa de sua manutenção operando-se dentro das balizas discursivas da normalidade aceite traz o risco da pendularidade. Cedo ou tarde, a mesma base discursiva usada para alcançar o poder será usada para a derrubada do primeiro grupo. Ora, no caso específico, o PT serviu-se de discurso moralizante, acusando a cleptocracia que ele veio a apear temporariamente.

Foi deposto o governo a partir de uma situação de histeria generalizada criada pela mesma matriz discursiva moralizante. Pouco importam as diferenças qualitativas e quantitativas entre os dois grupos, ou seja, que um deles não tenha praticado desvios ou os tenha praticado em menores níveis. Um dos grupos dispõe da imprensa e, portanto, a verdade dele constrói-se como se quiser.

Mas, a política como campeonato de moral é um sistema que traz ínsitas as condições da pendularidade e assim os golpes nada têm de estranhos, mesmo quando vestem poucos disfarces. Eles ocorrerão sempre que a conquista e a manutenção do poder fundar-se na lógica do campeonato de ladroagem. A política assim baseada fragiliza-se e dá as condições para as ruturas periódicas.

Há uma diferença de oportunidades, porém. Aquilo que se chamam esquerdas – nacionalistas acho melhor – leva muito tempo a fermentar o caldo da narrativa acusatória moralista contra os grupos políticos que servem majoritariamente aos interesses do grande capital interno e externo. Ela não dispõe da grande imprensa, como é óbvio, e por isso seus períodos no poder são fugazes.

Depois de depostos governos nacionalistas, viceja o discurso do mea culpa e a piedosa assunção de erros. Isso, como é feito dentro do modelo moralizante, sem muita inteligência e sem nenhuma sinceridade, portanto, é uma inutilidade, tanto tática, como estratégica.

Mas, as personagens sentem-se reduzidas sem erros e sem pedidos de desculpas, porque o homem prefere dizer-se pecador a reconhecer-se mera engrenagem histórica; prefere o protagonismo, mesmo que seja na afirmação do cometimento de erros que nem compreende bem, a dizer que os erros são nada mais que consequências necessárias de causas previsíveis. É óbvio que pautar tudo pelo moralismo é andar numa linha de sucessivas quedas.

Os poderes longamente mantidos nunca se apoiaram no moralismo. Apoiaram-se na conquista, nas forças armadas, no domínio das corporações burocráticas estatais e no domínio da imprensa. A política consiste em escolhas que devem ser impostas por um grupo a outro e na exposição de quais benefícios resultarão destas escolhas e para quem; ela não é, enfim, uma disputa de probidade ou de moralismo.

A probidade dos gestores públicos é, de forma geral, em perspectiva histórica, um problema menor. Sempre houve e sempre haverá que se corrompa e quem desvie dinheiros públicos e isso obedece a um padrão relativamente estável. No caso de gestores públicos, a raiz do problema está no financiamento de campanhas eleitorais e na promiscuidade público privada: onde houver dinheiro e contratos, haverá subornos.

É previsível que os nacionalistas – esquerda, se se preferir – tentarão reerguer-se atuando no mesmo modelo, o que significa que, sem dispor dos construtores de narrativas – imprensa e corporações judiciais – isso demorará muito.

Todos contra todos.

A contradição aparente permeia os processos desenvolvidos na dinâmica do espetáculo. No seu aspecto funcional, mostra-se muito óbvia: acrescenta camadas de confusão e, principalmente, de confusão cambiante. Cumpre, pois, a importante função de impedir ou, no mínimo, dificultar a percepção clara dos acontecimentos.

Porém, essas contradições são reais também, mesmo não deixando de ser aparentes. Conforme se as observe de perspectiva dinâmica ou estática, elas mostram-se aparentes ou reais, pois têm essas duas faces. Advirto que aparente não é o contrário de real, ou seja, não estou propondo uma oposição entre existência e inexistência, até porque à inexistência nada se opõe.

No processo em que se desenvolve o golpe de Estado no Brasil, parece ter-se chegado à fase da guerra interna total, do todos contra todos. Como supõe-se que os grupos envolvidos estão unidos para a consecução do fim, surge perplexidade quando suas comunhões de interesses mostram-se relativamente frágeis.

Na verdade, há três grandes grupos, ou linhas de atuação, que agem paralelamente e ajudam-se mutuamente em várias ocasiões. Porém, embora em última análise todos sirvam a um mesmo comando central, não é verdadeiro que suas relações sejam isentas de conflitos.

A finalidade primária do golpe de Estado é entregar aos estrangeiros as reservas de petróleo brasileiras e, subsidiariamente, desmontar outras articulações da soberania nacional, como as pesquisas nucleares e o reequipamento das forças armadas. Isso, em suma, é o que importa ao comando central do golpe, que não está no Brasil.

De certa forma, é possível afirmar a preponderância, entre os grupos operadores internos, da imprensa tradicional. Ela é que desencadeia os processos de destruição seletiva de pessoas ou grupos e ela é que protege também seletivamente pessoas e grupos. Ou seja, é o grupo agente mais ativamente definidor de estratégias e, por isso mesmo, o que mantém ligações mais estreitas com o comando externo.

A imprensa tradicional articula-se muito intimamente ao setor financeiro internacionalizado, ao mesmo tempo em que suga avidamente recursos públicos para suprir suas necessidades de fluxos de caixa. Sem publicidade estatal, estariam todos os principais meios golpistas impressos ou televisivos à beira da quebra.

Os grupos judicial e político, em condições ideais, conduziriam uma operação de destruição controlada dos representantes de interesses nacionalistas. Isto, porém, não foi possível. Dois fatores subjazem a esta impossibilidade: a enorme permeabilidade dos interesses políticos e o farisaísmo profundo de muitos agentes do grupo jurídico. Estas condições complicaram o processo.

A complicação do processo golpista, que em muito transmudou-se em algo pior que os célebres processos históricos de expurgos – inquisição católica, terror diretoriano e expurgos de Estaline são exemplos recentes – apresenta um sério problema para os grupos político e judicial, que podem ser inteiramente tragados na esquizofrenia que eles mesmos geraram. Para os interesses externos, contudo, isso não representa problemas; bem ao contrário, o caos serve-lhes bem.

Os grupos que vivem da institucionalidade, seja ela legal ou em fraude à lei, dependem de um mínimo de previsibilidade, algo que foi sumariamente afastado e deu lugar à lógica da espiral persecutória, em que se vive o hoje puro, como prévia de um amanhã inconcebível e incognoscível. É, de fato, estranho e contraditório que grupos dependentes do Estado trabalhem com afinco para a destruição deste Estado.

A única forma de superação das contradições é por meio da política, que não é atividade de santos nem de bandidos.

Declaração de hipossuficiência intelectual.

DECLARAÇÃO

Eu, Fulano de Tal, brasileiro, casado, funcionário público, residente no município de Qualquer Canto, venho, expressamente, para finalidade de explicar e legitimar minha perplexidade ante o óbvio e previsível que adviria com o golpe de Estado que desejei ardentemente, declarar-me obtuso, ignorante de história antiga e recente e incapaz de pensamento autônomo.

Declaro, outrossim, que sou inteiramente guiado pela narrativa da imprensa, que me faz pensar como se comungasse dos interesses dos super ricos, a ignorar que cada classe tem seus próprios interesses, que são conflitantes com aqueles das demais e principalmente com as de cima.

Declaro-me, ainda, um tolo que é guiado pelo ódio e pelo fugaz e disfarçado anseio de ver os de baixo piores que eu e sempre mais distantes. Que a perspectiva de vê-los mais distantes fez-me esquecer que me distanciaria ainda mais dos mais de cima.

Sigo a declarar que minha memória praticamente inexiste, assim como as percepções que meus órgão sensoriais captam de nada me servem. Olho e não vejo; repito o que me disseram. Não converso com amigos ou próximos; nós todos despejamos uns sobre outros repetições das mesmas fontes. Fazemos ruído, enfim.

Declaro-me a prova acabada de que a figura do mocinho satisfeito, enunciado por José Ortega y Gasset – de quem ouvi falar, porque não leio – é o tipo social dominante. Disseram-me que este tipo é o menino mimado crescido, sujeito de todos os direitos e de nenhuma obrigação; menino mimado que pode invocar o direito à própria ignorância.

Declaro mais que, embora tenha tido educação formal, estudado primário e secundário em escolas de classe média alta, privadas, e tendo estudado curso superior gratuito em faculdade pública, isso de nada me serviu. Não vi o óbvio, ainda que óbvio fosse para quantos pensaram com suas próprias cabeças, mesmo para aqueles que não tiveram educação formal, como eu tive.

Declaro-me um assassino enrustido e envergonhado. Declaro que me move o moralismo, que é coisa próxima à vontade de burlar sem ser descoberto e de celebrar os que burlam sem se deixarem apanhar.

Afirmo que julguei mal o saque aos mais pobres que eu, algo que eu desejava às vezes até abertamente. Não que tenha deixado de o desejar, mas cria que seu resultado seria revertido para mim e não para os que estão acima de mim, o que afinal aconteceu. Declaro-me ignorante, enfim.

Fulano de Tal

O assalto será rápido e feroz.

Os patrocinadores externos do golpe de Estado no Brasil querem receber sua parte primeiro e o mais rápido possível, afinal foram eles que proveram as condições materiais necessárias ao sucesso da empreitada. Os deuses têm pressa, além de sede, claro. O exemplo argentino não permite dúvidas ingênuas ou pseudo-ingênuas sobre a velocidade e a ferocidade destes processos atualmente.

A recolonização é fundamental para eles, pois suas situações econômicas e de poder geopolítico degradam-se rapidamente. Este golpe lhes trará um precioso reforço à tentativa de manutenção da situação assimétrica historicamente pouco variável.

Acontece que os agentes internos do golpe, tanto os diretamente atuantes, que são as corporações política, jurídica e mediática, quanto o público em geral, formam um grupo demasiado heterogêneo. Haverá, como é intuitivo, uma ordem de precedência no recebimento das recompensas pela missão e para alguns o pagamento não virá em dinheiro, pois é previsível que ele escasseie, tanto por efeito de contração econômica, quanto por concentração na apropriação.

Além de um grupo compacto que visa apenas a dinheiro e faz a interlocução direta com os patrocinadores externos, há outros grupos que dão necessário apoio à empreitada golpista e esperam receber suas partes. Aí que se começa a perceber o imenso problema que haverá com a desagregação política, econômica e social que se anuncia.

Uma parte significativa dos agentes golpistas da classe política e das corporações públicas privilegiadas não tem interesse que o país acabe-se de um dia para outro. Eles precisam que alguma inércia mantenha-se, porque o jogo político do controle do Estado dá-lhes vida e sustento material. Para esses, a guerra do fim do mundo não interessa; para esses, as eleições de 2018 ocorrerão e eles precisam de êxito nelas, para manter-se nas várias camadas do poder político institucional.

As propostas – escritas e faladas – do grupo próximo ao homem que assumirá a presidência da República brevemente, porém, não permitem ilusões. O programa deles é brutalmente regressivo e implicará rápido reempobrecimento de quem viu sua pobreza reduzir-se um pouco de doze anos para cá. Essa gente talvez não seja totalmente iludida pela imprensa mainstream à medida que vê, tangivelmente, as coisas piorarem.

Uma parte substancial do apoio ao golpe de Estado vem de grupos calcados no conservadorismo de costumes, em grande parte evangélicos. Esses grupos são majoritariamente de extração social pequeno médio classista e tiveram suas condições materiais sensivelmente melhoradas nos últimos anos, mesmo que a narrativa conservadora de costumes os conduza a crer na tese do patamar obtido não ser passível de regresso.

O regresso, todavia, ocorrerá, porque o projeto é concentrador de riquezas. Inicialmente, esses grupos conservadores estarão bem pagos e sentindo-se no exercício do poder com medidas de retrocesso em direitos de cidadania, civis e sociais. Dois anseios básicos dos conservadores serão atendidos: os que giram em torno às tolices da homofobia e da vontade de andar armado.

Porém, o prazer de poder discriminar impunemente, de insultar o diferente impunemente, de o agredir fisicamente, de dizer que o pobre o é porque quer e de andar com revólver na cintura, mesmo intenso e poderoso nas almas, não será hábil a comprar televisões de leds nem automóveis novos… Não bastará a sedução das pequenas almas com esses agrados por meio de regressos bárbaros.

Não será possível cooptar esses grupos por muito tempo apenas com a satisfação dos seus preconceitos de costumes, de nítida matriz religiosa. Ou seja, haverá a reivindicação da recompensa material, também, o que torna a equação difícil, porque esse grupo fortaleceu-se nas políticas redistributivas que agora ajuda a por abaixo. E, como já dito, o dinheiro tende a escassear e a vontade de aumentar a concentração na sua apropriação a aumentar.

O que se anuncia de política econômica, pelos golpistas, permite antever que se entrará numa brutal recessão, porque eles farão o clássico tratamento quimioterápico do moribundo, uma genialidade que tem resultado previsível. Reduzir o poder de compra dos que têm maior propensão marginal ao consumo aprofundará a recessão. Neste cenário, muitos apoiadores do golpe ficarão sem receber em algo mais tangível que abertura para suas inclinações mais fascistas, ou seja, em algo que não é dinheiro.

Os agentes políticos, principalmente os de níveis intermédios, não têm interesse nessa regressividade brutal, porque chega-se a um ponto em que as mentiras da imprensa não impedem o sujeito de perceber que está a piorar. E isso terá efeitos na forma em que votará, o que gera para o político riscos altos. O político de nível intermédio – que não conta com o financiamento amplíssimo dos reais donos do poder e a blindagem incondicional da imprensa – fica em situação delicada. Ele tem de cumprir a missão golpista e gostaria que a degradação não fosse tal a ponto de afastar os eleitores.

Será difícil encontrar soluções de compromisso nesse projeto golpista do corte rápido, da rapinagem rapidíssima e do subsequente caos. Será difícil evitar a desagregação das forças golpistas e quase impossível prever que rumo as coisas tomarão neste país riquíssimo tratado como se fosse uma micro república…

Nesse estado de coisas, tentar alguma conciliação será ocioso. Tentar a solução da enganação, a partir dos disponíveis serviços da imprensa mainstream poderá ser acreditar demais no poder da mentira. Haverá uma saída.

Os gestores do regime golpista a instalar-se usarão da eliminação de direitos fundamentais mais que o inicialmente necessário para divertir os anseios retrógrados de seus apoiadores pequeno burgueses. Mais que permitir a livre expansão da homofobia, a livre expansão do ódio por políticas públicas inclusivas de minorias, o regime terá de se servir instrumentalmente da eliminação de direitos essenciais.

O regime, para governar, terá de suprimir a livre comunicação, terá de suprimir direitos básicos de liberdade de expressão. No limite, terá de partir para a repressão física, por meios militarizados, com o judicial a dar roupagem jurídica à repressão.

Se isso pode ser exitoso a estas alturas, em um país de 200 milhões de pessoas, não sei.

O golpista envergonhado.

Urubu tá com raiva do boi
E eu já sei que ele tem razão
É que o urubu tá querendo comer
Mais o boi não quer morrer
Não tem alimentação

Não sei se Anauld Rodrigues e Chico Anysio, quando compuseram a letra cuja estrofe central está em epígrafe, tinham a percepção de quão genial ela é. Carregada de humor, ela aponta um aspecto central da nossa psicologia social, aquilo que mais fortemente nos caracteriza: a hipocrisia triunfalista.

A vitória sempre repetida das classes dominantes é algo de direito divino e portanto impassível de discussão. Não se admite que se aponte o golpe de mão, a ação ilegal, a chicana, o oportunismo que sempre há por trás dessas vitórias. Não basta ganhar, há de se ter o direito ao segredo da infâmia.

A deposição da Presidenta Dilma Rousseff no congresso nacional avança rapidamente e breve estará consumada. É um golpe de Estado evidente, porque não há crime de responsabilidade, algo que a lei exige para tal processo.

Os golpistas agem como se nosso governo tivesse forma parlamentar e tivéssemos o voto de desconfiança ou o recall. Agem como se a Presidenta fosse apenas chefe de governo e não chefe de Estado também. Desonestos até os píncaros, esquecem que a desconfiança no parlamentarismo derruba também o parlamento…

Mas, têm vergonha de serem chamados de golpistas! Os apoiadores do golpe nas camadas mádias e altas têm vergonha da palavra golpe. Essa gente age como se tivesse direito divino ao silêncio quanto às evidências. Pode-se engendrar um golpe de Estado, mas é proibido chamar-lhe por outro nome além daquele que escolherem os próprios golpistas.

É a reivindicação da exclusividade na construção da narrativa nacional. É um reflexo da suprema hipocrisia que nos acomete desde sempre, aquela hipocrisia em que tudo é permitido desde que não se descubra. Nossa roupa por excelência é o véu.

O triunfalismo é tão patético que mostra sua face canalha na vergonha frente ao estrangeiro. Os golpistas estão envergonhados de serem chamados pelo nome correto e sua obra pelo nome golpe de Estado por meios de imprensa de fora do Brasil. Sentem-se à vontade para externar seu desconforto com narrativas diferentes das suas próprias.

Isso não é algo novo, evidentemente. Há um paralelo interessante com os torturadores da mais recente ditadura havida no Brasil. Todos sabem quem são e o que fizeram; a coleção de atrocidades a que essa gente se entregou – por prazer, diga-se, porque era inútil estrategicamente – é conhecida; seus nomes são conhecidos.

A despeito das evidências, não aceitam serem chamados de torturadores, o que está em diametral oposição à grande valentia que ostentavam diante de vítimas fragilizadas. Nos atos de torturar, os torturadores afirmavam-se plenos, mostravam-se, falavam, riam, tudo ostensivamente. Isso é contrário à vergonha que sentem de serem chamados pelo que foram.

Outra coisa bastante sintomática é que essa gente – tanto os antigos, quanto os novos torturadores e golpistas – sente mais vergonha frente aos estrangeiros. Enquanto são chamados pelos nomes corretos no Brasil, o incômodo não é tanto e eles conseguem até lidar, porque estão certos do triunfo dos que dispõem da narrativa da imprensa mainstream.

 Mas, quando a imprensa estrangeira chama a deposição ilegal de golpe de Estado e seus executores e defensores de golpistas, o mal estar é generalizado. Beira o desespero, pela percepção imediata da impotência relativamente à construção de outras narrativas.

Essa vergonha do estrangeiro é sintomática de algumas coisas mais ou menos veladas. A primeira é o complexo de inferioridade, a face outra da covardia do valente. A desonra e a covardia são evidentes nesta vergonha do estrangeiro.

Fosse gente realmente valorosa afirmava o que faz a despeito de outras opiniões, ou apenas as desprezava. Mas os covardes não desprezam, eles reagem desesperados, perplexos e servis, a suplicarem que as narrativas os protejam, que acolham suas mentiras sobre si mesmos, pois sempre foram tão obedientes.

Eles sentem-se traídos pelos patrões a quem serviram bem e lealmente. Eis o segundo aspecto: a vergonha do estrangeiro revela quem são os patrões desta gente golpista. Funciona de baixo para cima, como a vergonha da criança diante dos pais, ou a do cão que urina no tapete da sala. A vergonha do golpistas é frente ao seu dono que não lhe deu proteção discursiva quando ele agia para seu serviço.

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